"Veículos de desinformação"

Jornal e blogs processam União Europeia por terem sido chamados de fake news

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2 de março de 2018, 8h50

Três veículos de comunicação da Holanda decidiram processar a União Europeia por terem sido acusados de “veículos de desinformação” pela agência de combate a notícias falsas da comunidade. De acordo com petição enviada ao Conselho Europeu e à Comissão Europeia, os veículos foram falsamente acusados de distribuir “fake news” por, na verdade, publicarem informações que não condizem com os interesses da União Europeia de desacreditar o governo da Rússia e “estreitar laços” com a Ucrânia.

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Europa chama de "desinformação" o noticiário que não condiz com seus interesses diplomáticos, afirmam veículos de comunicação holandeses.
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Os autores do processo são os blogs GeenStijl e TPO e o jornal De Gelderlander, que se voltam contra denúncias publicadas pelo site EUvsDisinfo (União Europeia contra a Desinformação, em inglês). Foi criado pelo serviço diplomático da União Europeia (EEAS, na sigla em inglês) para combater a disseminação de informações falsas sobre o conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

Segundo as publicações acusadas de “fake news”, entretanto, o EUvsDisinfo foi criado para defender as políticas da diplomacia europeia de aproximação com o governo ucraniano para enfrentar os interesses da Rússia no continente. Em 2014, a Rússia invadiu o território da Crimeia, na Ucrânia, e o proclamou terra russa.

“A União Europeia classifica veículos de comunicação que noticiam opiniões de terceiros que desagradem a UE como ‘veículos de desinformação’. Como se a imprensa só pudesse noticiar as posições pré-aprovadas pela União Europeia”, diz a petição, assinada pelo advogado Kennedy Van der Laan.

Caçadores de mitos
O site EUvsDisinfo funciona desde novembro de 2017 e foi montado como um braço da diplomacia europeia em seus esforços pró-Ucrânia. A preocupação com a desinformação a respeito da anexação do território da Crimeia pela Rússia surgiu em 2015, alguns meses depois da invasão.

Com o crescimento do projeto e o alongamento da invasão, foi criada a EUvsDisinfo como “parte de uma campanha para melhor prever, combater e responder desinformação pró-Kremlin”, segundo o site da entidade. Uma das campanhas contra as “fake news” russas é o que eles chamam de “caçadores de mitos” (Myth Busters, em inglês, em referência a um popular programa de televisão dos Estados Unidos).

Por meio dela, os funcionários da EUvsDisinfo vasculham a internet em busca de notícias que considerem falsas e fazem um trabalho de desconstrução, classificando os veículos de comunicação que divulgaram as notícias de “veículo de desinformação”.

Depois de detectadas as notícias falsas, o EUvsDisinfo as cadastra num “banco de dados da desinformação”. Junto com as notícias, explicações de por que elas foram consideradas falsas e qual é “a verdade”. De acordo com o site, a equipe hoje tem mais de 500 pessoas e já cadastrou mais de 3,5 mil "desinformações". Os três autores do processo estão – ou estiveram – cadastrados no banco de dados.

Por isso é que os blogs e o jornal holandês entraram com uma ação contra a União Europeia. Segundo a petição, as informações tachadas pela EUvsDisinfo não são falas, elas apenas discordam das intenções políticas da União Europeia. Ele afirma que todas as acusações feitas aos veículos de comunicação foram feitas antes pela ONG Promote Ukraine, de militantes a favor da causa ucraniana na Crimeia.

Portas fechadas
No caso do blog GeenSitjl, controlado pela GS Media, o advogado afirma que a EUvsDisinfo errou. A agência classificou o blog de “veículo de desinformação” por causa de uma manchete que dizia que “a Ucrânia é um país altamente corrupto e fascista e é o centro do tráfico internacional de drogas e pessoas”. Para o EUvsDisinfo, a manchete “repete desinformação antiga sobre a Ucrânia sem base em fatos”.

Mas, segundo o advogado, a frase foi retirada de contexto. A notícia, de 2015, era sobre uma palestra do presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, faria na Holanda, que foi fechada para convidados. O blog, então, reclamava de que não poderiam ser feitas perguntas críticas à administração de Poroshenko, como sobre o fato de o país ser considerado “altamente corrupto e fascista”.

A frase, diz a petição, foi retirada de um artigo publicado no jornal britânico The Guardian em que o autor fala sobre a “latente politica de tendência fascista” da Ucrânia. A parte da corrupção fazia referência a um relatório da ONG Transparência Internacional, e a frase do tráfico de drogas e pessoas vinha de um relatório da Organização Internacional de Migração (OIM), da ONU.

E mesmo assim, de acordo com o advogado, as frases não foram publicadas como se fossem informação, ou notícia. Eram sugestões de perguntas que, caso a palestra não fosse fechada a convidados, poderiam ser feitas ao presidente ucraniano. “Aparentemente, a única razão para essa classificação [veículo de desinformação] é que o artigo não condiz com a política da União Europeia de estreitar laços com a Ucrânia”, diz a petição.

Banco de dados direcionado
O jornal Der Gelderlander acusa a EUvsDisinfo de direcionar suas críticas ao que chama de “fake news” a publicações que tenham linhas editoriais antipáticas a interesses do corpo diplomático europeu. A agência classificou como desinformação uma notícia segundo a qual era falso um relatório técnico que “comprovava” que a queda de um avião comercial foi provocada pelas forças armadas russas fora falsificado por agentes ucranianos para atingir o governo do país vizinho.

A EUvsDisinfo disse, então, que o jornal “noticiou acriticamente desinformação divulgada por veículos pró-Kremlin”. Mas, segundo a petição de Van der Laan, diversos jornais de vários países da Europa publicaram a mesma notícia e não foram chamados de “veículos de desinformação”.

Na verdade, afirma o advogado, a notícia de que reclama a EUvsDisinfo falava sobre uma entrevista coletiva do fabricante do míssil que a imprensa europeia dizia ter derrubado o avião. “De Gelderlander foi rotulado de ‘veículo de desinformação’ simplesmente por ter noticiado uma entrevista coletiva de uma pessoa associada ao Kremlin. E o fez sem criticar esse fato específico no mesmo texto.”

Clique aqui para ler a petição.

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