Liberdade e igualdade

Identidade de gênero é essencial para a dignidade, diz ministro Celso de Mello

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2 de março de 2018, 11h38

"Este julgamento assume importância fundamental no processo de ampliação e de consolidação dos direitos fundamentais das pessoas e constitui momento culminante na efetivação do dogma — segundo proclama a Introdução aos Princípios de Yogykarta (2006) — de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, pois todos os direitos humanos são universais, interdependentes, indivisíveis e interrelacionados, sendo certo, presente esse contexto, que a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais para a dignidade e humanidade de cada pessoa, não devendo ser motivo de discriminação ou abuso."

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Celso de Mello destacou que este tipo de julgamento reflete a função contramajoritária que cabe ao STF, ao conferir efetiva proteção às minorias.
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Assim o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, iniciou seu voto no julgamento que permitiu que pessoa trans mude o nome mesmo sem cirurgia ou decisão judicial. "Violações de direitos humanos que atingem pessoas por causa de sua identidade de gênero traduzem situações que um Estado fundado em bases democráticas não pode tolerar nem admitir", complementou.

A decisão do Supremo Tribunal Federal foi tomada nesta quinta-feira (1º/3), quando a corte concluiu o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade que havia iniciado no dia anterior. O princípio do respeito à dignidade humana foi o mais invocado pelos ministros para decidir pela autorização.

A ADI foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República, com base no artigo 58 da Lei 6.015/1973. Segundo o dispositivo, qualquer alteração posterior de nome deve ser motivada e aguardar sentença do juízo a que estiver sujeito o registro.

Em seu voto, o ministro Celso de Mello afirmou que é preciso conferir ao transgênero um verdadeiro estatuto de cidadania, pois ninguém pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de identidade de gênero. 

"Isso significa que os transgêneros têm a prerrogativa, como pessoas livres e iguais em dignidade e direitos, de receber a igual proteção das leis e do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua identidade de gênero", disse.

Essa afirmação, complementou o ministro, traduz o reconhecimento de que o Estado não pode adotar medidas que provoquem a exclusão jurídica de grupos minoritários. Por isso, conclui o ministro, a corte deve barrar a cláusula impeditiva analisada. "Ao proferir este julgamento, estará viabilizando a plena realização dos valores da liberdade, da igualdade e da não discriminação, que representam fundamentos essenciais à configuração de uma sociedade verdadeiramente democrática", complementou.

Celso de Mello destacou, ainda, que este tipo de julgamento reflete a função contramajoritária que cabe ao Supremo Tribunal Federal, ao conferir efetiva proteção às minorias. Para o ministro, neste caso, o Poder Legislativo tem-se mostrado contrário à necessidade de adequação das leis para a realidade das minorias.

"Tal situação culmina por gerar um quadro de (inaceitável) submissão de grupos minoritários à vontade hegemônica da maioria, o que compromete, gravemente, por reduzi-lo, o próprio coeficiente de legitimidade democrática da instituição parlamentar, pois, ninguém o ignora, o regime democrático não tolera nem admite a opressão da minoria por grupos majoritários", afirmou.

Clique aqui para ler o voto do ministro Celso de Mello.
ADI 4.275

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