Direito do Agronegócio

Indicações geográficas: o "possível" acordo entre Mercosul e União Europeia

Autor

  • Flavia Trentini

    é professora associada do Departamento de Direito Privado e de Processo Civil e do programa de mestrado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e livre docente em Direito Agrário pela FDRP-USP com estágio pós-doutoral pela Scuola Superiore Sant'Anna di Studi Universitari e Perfezionamento (SSSUP Itália) e em Administração/Economia das Organizações (FEA/USP).

2 de março de 2018, 8h10

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A coluna desta semana se dedicará a esclarecer os contornos jurídicos das indicações geográficas que estão sendo objeto de negociação, possivelmente finalizada nesta sexta-feira (2/3), entre Mercosul e União Europeia. Ao final, poderemos ter um acordo após 20 anos de diálogos entre os dois blocos1. No mês de dezembro, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) abriu uma consulta pública direcionada especialmente a empresas e instituições brasileiras para orientar o seu parecer. Está em jogo o uso em países do Mercosul de termos como prosecco, queijo feta, gruyere, gorgonzola, ou seja, a UE pretende que as indicações geográficas por eles reconhecidas sejam também aceitas como indicação geográfica pelo Mercosul, inibindo seu uso comercial em produtos não procedentes da região específica da União Europeia2.

Cabe salientar primeiramente que a indicação geográfica é usada para identificar a origem de produtos ou serviços quando o local tenha se tornado conhecido ou quando determinada característica ou qualidade do produto ou serviço se deve à sua origem. Possui duas modalidades: denominação de origem e indicação de procedência. A indicação de procedência, via de regra, somente faz menção ao nome geográfico para diferenciar os produtos. Geralmente é usado o nome da localidade, de um lugar ou de um país, e não de uma região natural ou de uma área geográfica, como acontece na denominação de origem. A única função da indicação de procedência é designar o território ou lugar em que o produto correspondente foi produzido, fabricado, extraído, cultivado, sem que este possua determinada característica ou qualidade. É simplesmente uma informação ao público consumidor sobre a procedência do produto, aplicada a quaisquer produtos de um local geográfico3.

A denominação de origem é o nome geográfico de um país, cidade, região ou localidade de seu território que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos. A denominação de origem possibilita uma divisão em dois vínculos: o primeiro, no que se refere ao nome geográfico, o qual designa um produto procedente de zona identificada por esse nome; e um segundo, que alude às características e qualidades do produto devido ao meio geográfico. A denominação de origem é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território. É claramente um tipo de indicação geográfica, em seu sentido próprio, pois revela a conexão existente entre o produto e seu local de origem.

Designa-se termo genérico ou nome comum, por sua vez, quando a origem geográfica perdeu seu sentido inicial, deixando de caracterizar o produto como procedente de um determinado lugar geográfico para se converter num gênero ou classe de produtos. Frequentemente, o termo genérico ou nome comum foi indicação de procedência ou denominação de origem; ou seja, inicialmente possuía um significado geográfico, mas que foi perdido em razão de um processo de vulgarização.

Entre as principais causas de vulgarização do nome geográfico destaca-se como principal o emprego da indicação geográfica por produtores não localizados na correspondente região ou localidade. Num primeiro momento, os produtores usam a indicação geográfica para tirar proveito da boa fama dela; posteriormente, à medida que a vinculação entre o nome geográfico e o território começa a diminuir, é possível que usem de boa-fé o nome geográfico, convencidos de que o nome designe unicamente uma classe de produtos dotados de certas características4.

Muitas vezes, o emprego das indicações geográficas por produtores não localizados na correspondente zona de procedência dos produtos se dá em países que, no passado, receberam grandes fluxos migratórios. Os produtores que em seu país de origem se dedicavam à elaboração de um determinado produto retomam essa mesma atividade no país de destino, utilizando a mesma indicação geográfica para designar seus produtos. O segundo fator que pode contribuir para a vulgarização de uma indicação geográfica (indicação de procedência ou denominação de origem) é a tolerância das empresas, entendam-se as rurais, estabelecidas na zona de origem, cujo nome é usado por terceiros. Quando as empresas reagem a tempo, o processo de vulgarização poderá ser contido5.

As indicações geográficas podem ser contestadas: a) se a denominação entrar em conflito com a de uma variedade vegetal ou raça animal, confundindo o consumidor sobre a origem do produto; b) se alguma instituição ou empresa entender que a concessão de indicação geográfica interfere em direitos adquiridos; c) se houver denominação idêntica ou semelhante já registrada ou com registro em tramitação para o mesmo produto ou similar, podendo confundir o consumidor; d) finalmente, em caso de nome genérico ou de uso comum.

Deve-se recordar que o acordo em andamento valerá para os dois blocos, ou seja, os produtores e exportadores brasileiros que visam o mercado europeu também terão a oportunidade de ver sua indicação geográfica reconhecida na Europa.


1 AFP (notícias). Disponível em: https://www.afp.com/pt/noticias 19/02. Acesso em: 20.mar.2018.
2 INPI. Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/noticias/comeca-nesta-terca-consulta-publica-sobre-indicacoes-geograficas-da-ue. Acesso em: 15.dez.2017.
3 TRENTINI, Flavia. Teoria Geral do Direito Agrário Contemporâneo. São Paulo: Altas, 2012.
4 TRENTINI, Flavia. Teoria Geral do Direito Agrário Contemporâneo. São Paulo: Altas, 2012.
5 TRENTINI, Flavia. Teoria Geral do Direito Agrário Contemporâneo. São Paulo: Altas, 2012.

Autores

  • Brave

    é professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto. Doutora em Direito pela USP, com pós-doutorado em Administração/Economia das Organizações (FEA/USP). Atualmente é visiting professor na Scuola Universitaria Superiore Sant’anna (Itália). Tem experiência na área de Direito Privado, com ênfase em Direito Agroambiental.

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