"Equívoco interpretativo"

AGU rebate ataques a mandado coletivo, mas não nega buscas sem endereço

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2 de março de 2018, 17h40

A advogada-geral da União, Grace Mendonça, afirmou nesta sexta-feira (2/3), que a polêmica em torno da intenção do governo de requisitar mandados de busca e apreensão coletivos para operações em comunidades pobres do Rio de Janeiro se deve a um “equívoco interpretativo” do termo “coletivo”.

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Grace Mendonça disse que atuação das forças de segurança respeita a Constituição.
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“Não se tem um mandado de busca e apreensão coletivo. Não se tem uma imprecisão em torno do ambiente em que se dará determinada operação. Então, eu vejo que houve, ou tem havido, alguns equívocos de interpretação em relação à extensão dessa expressão, que, na verdade, em decorrência exatamente desse equivoco, dificulta até uma interpretação jurídica. Porque não temos essa figura quando se trata precisamente do que, ultimamente, estamos ouvindo falar”, disse a ministra a jornalistas na sede do Comando Militar do Leste, no centro do Rio.

No entanto, Grace não negou que o governo Michel Temer (MDB), durante a intervenção federal no Rio, cogita pedir a expedição de mandados de busca e apreensão que abranjam áreas grandes, sem a individualização de imóveis.

“Nós temos uma delimitação muita clara em torno do ambiente em que se dará determinada operação. Todos nós sabemos que, muitas vezes, num ambiente de determinada comunidade, não se tem uma precisão em torno daquele endereço. Às vezes não se tem sequer aquele endereço. Então, os mandados de busca e apreensão vêm com uma delimitação clara em torno daquela extensão em que se dará determinada operação”.

Ainda assim, a ministra garantiu que as ordens de busca e apreensão que vêm sendo emitidas pela Justiça e viabilizando operações “historicamente vêm respeitando a Constituição da República e os direitos fundamentais”.

Só que nem sempre os mandados respeitam a legislação. Em 16 de agosto de 2017, uma juíza do plantão judiciário noturno expediu mandado de busca e apreensão coletivo na comunidade do Jacarezinho, na zona norte do Rio. Cinco dias depois, as polícias Civil e Militar fizeram uma megaoperação no local com o apoio do Exército.

Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça anulou a ordem judicial. O ministro Sebastião Reis Júnior destacou a ausência, no mandado restabelecido, de individualização das medidas de apreensão a serem cumpridas, o que contraria diversos dispositivos do Código de Processo Penal, assim como o artigo 5º da Constituição, que estabelece a casa como “asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Com base nessa decisão, o Tribunal de Justiça do Rio considerou as invasões de policiais e militares a uma casa no Jacarezinho inconstitucionais e ilegais. Assim, todo o processo e suas medidas são nulos. Dessa forma, os desembargadores revogaram as prisões preventivas dos três suspeitos e trancaram a ação penal.

Memorando jurídico
Na tarde desta sexta, a AGU e a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro assinaram um memorando de entendimentos para cooperação jurídica durante a intervenção federal. No documentos, os órgãos deixam claro que cada um deles prestará assessoria e representará em juízo as autoridades de sua esfera de competência.

Assim, a AGU auxiliará o interventor federal, general Walter Braga Netto, organizações militares e órgãos públicos da União. Já a PGE-RJ cuidará das secretárias estaduais envolvidas na intervenção, como a de Segurança. Em caso de dúvida quanto à competência cabível, os dois órgãos atuarão em conjunto.

Questionada sobre medidas polêmicas, como o “fichamento” de moradores de favelas e a flexibilização das regras de engajamento para militares, que lhes daria imunidade para atirar em “suspeitos”, a advogada-geral assegurou que as operações respeitarão a Constituição e as leis.

“A população do estado do Rio de Janeiro pode ter absoluta tranquilidade que tudo nós faremos em termos de orientação para que [tudo] se dê em estrita obediência à Constituição da República, às leis do nosso país. Então, não temos aqui, de modo algum, em qualquer que seja a frente de trabalho, a intenção de trabalhar com a perspectiva de violação a qualquer direito. Ao contrário: [temos a intenção] de respeitar irrestritamente os direitos fundamentais e de, com isso, prestar o melhor assessoramento jurídico às autoridade que, hoje, se deparam com esse grande desafio, que é de fato contribuir para que o estado de normalidade seja restabelecido no estado do Rio de Janeiro”, declarou a ministra.

Ela também informou que colocou a estrutura inteira à disposição do general Braga Netto e já destacou três procuradores federais para prestar assessoramento jurídico direto a ele.

Além disso, a chefe da AGU se mostrou tranquila quanto à fiscalização da intervenção federal por observatórios independentes, como os da Câmara dos Deputados e da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil.

“As organizações que queiram acompanhar, nós estamos no Estado Democrático de Direito. É plenamente legítimo. Não há nenhum equívoco em se acompanhar, até porque são atos que interessam a toda a população brasileira. E nós da Advocacia-Geral da União estaremos aqui preparados para dar ao interventor e a toda a sua equipe a segurança jurídica necessária para que os atos sejam praticados dentro estritamente das regras estabelecidas pela nossa Constituição e pelas nossas leis.”

Medida comum
Por sua vez, o subprocurador-geral no exercício do cargo de procurador-geral do estado do Rio de Janeiro, Claudio Roberto Pieruccetti Marques, disse não ver problemas quanto à legalidade do “fichamento” de moradores de favelas.

“Essa consulta não foi ainda formulada à PGE-RJ, mas, ao que me parece, o sarqueamento [averiguação], que é a expressão policial utilizada para isso, é uma prática que a polícia do Rio de Janeiro e de todos os estados fazem. E que o Exército e a equipe de intervenção estão fazendo nesse momento é um sarqueamento, a meu ver, de maneira mais prática para o cidadão.”

Marques declarou não conhecer as alegações de que a medida estaria sendo feita de maneira indiscriminada, sem a presença de indícios de crimes. Mas ele declarou que, se esse for caso, a PGE-RJ irá estudar a atuação das forças de segurança.

Questionado se a flexibilização das regras de engajamento estaria de acordo com a Constituição e as leis penais, o subprocurador-geral destacou que a AGU e a PGE-RJ “vão procurar dar orientação à equipe de intervenção para que sejam respeitadas todas as garantias fundamentais do cidadão”.

Clique aqui para ler a o memorando.

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