Opinião

A "crise do transporte" e a lógica do compliance em um país sem agenda

Autor

  • Rodrigo Pironti

    é pós-doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid doutor e mestre em Direito Econômico pela PUC-PR e sócio do escritório Pironti Advogados.

29 de maio de 2018, 14h34

Alguns podem se perguntar o que me levaria a relacionar o tema do compliance à grave crise vivenciada pelos brasileiros nos últimos dias, rotulada como a “paralisação dos caminhoneiros”, que eu prefiro não estigmatizar nesta única classe profissional e estabelecer um contexto em que a crise advém de uma falha estrutural, muito mais profunda e complexa, determinada por escolhas equivocadas de governos que se sucedem e uma total ausência de agenda, um verdadeiro colapso de planejamento.

É neste aspecto que gostaria de relacionar a lógica do compliance, que — muito apesar de ser tratada mais comumente em áreas específicas e onde possui necessária aplicação, por exemplo, no âmbito econômico, criminal e administrativo, dentre outros — possui uma aplicação pouco discutida, qual seja, de um compliance constitucional e de direcionamento institucional, o que não se limita apenas às empresas privadas nem mesmo apenas à administração indireta da União, estados e municípios, mas, ao contrário, se aplica e deve direcionar efetivamente a administração direta e seus planos de governo.

O termo compliance quer significar de maneira ampla, fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e diretrizes da organização, o planejamento institucional. É, portanto, um forte aliado de gestão, permitindo um alinhamento com toda estratégia traçada, seja ela de curto, médio ou longo prazo.

É nesse sentido que a completa falta de agenda dos governos que se sucederam em nosso país, aliada a uma omissão constante com mecanismos de planejamento e de conformidade das várias ações estabelecidas no setor de transportes, se relacionam com o compliance, ou melhor, dele se divorciam.

A paralisação geral de uma categoria, que gerou reflexos econômicos e sociais graves e não passíveis de mensuração objetiva (ao menos de forma imediata) nas áreas da saúde, educação e abastecimento, dentre outros, revela o quanto o país depende de um único modal, o rodoviário.

Essa dependência, fruto de uma ausência de compliance sucessiva dos governos em cumprir com sua obrigação normativa e com seus planos de governo, ampliada por desvios éticos e práticas corruptivas que retiravam dos cofres públicos os recursos necessários a se fazer cumprir com esses objetivos, conduziram o país a mais um apagão histórico, neste momento, o do transporte.

A opção pelo modal rodoviário, como principal forma de dar vazão ao abastecimento nacional, se revelou uma grave falha de planejamento que, agregada a uma capacidade ímpar dos governos em não cumprir com seus objetivos mínimos em outros modais, como o ferroviário e aquaviário, transformaram o país em refém de sua própria incompetência.

Mas o que mais impressiona não são os equívocos históricos e de ausência de compliance que nos conduziram até esse momento, mas as proposições imediatistas e de “solução” do impasse anunciadas pelo governo, empurrando para estados e para a iniciativa privada a “conta” do colapso de um sistema de transporte até então esquecido.

A desoneração tributária anunciada e a ingerência sobre os contratos de concessão firmados demonstra uma total falta de conformidade com regras constitucionais e contratuais mais comezinhas de compliance, que dentre tantas outras dispostas no título “Da Ordem Econômica e Financeira” e que poderiam ser aqui relacionadas, afetam diretamente um objetivo fundamental da República, qual seja, o de garantia do desenvolvimento nacional, previsto no artigo 3º, inciso 2º da Constituição de 1988.

O conceito é simples e vem do verbo em inglês to comply (agir em conformidade), mas, ao que parece, em um país sem agenda, a primeira dificuldade em “estar conforme” passe inicialmente por uma simples pergunta: conforme com o quê?

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