Governança da Informação

"Urna eletrônica pode desaparecer com a tecnologia blockchain", diz advogada

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29 de maio de 2018, 18h14

É possível utilizar blockchain para a política? De acordo com a advogada Amanda Limaprofessora do Insper e consultora para negócios e inovação empresarial, uma das primeiras mudanças que o sistema pode implantar no Brasil é a urna eletrônica, porque a tecnologia garante a imutabilidade de dados. 

blockchain é uma espécie de sistema capaz de criar banco de dados certificado, como ocorre com as moedas virtuais. De uma maneira geral, essa tecnologia registra as informações de forma sequenciada em blocos e, por isso, segundo a advogada, é computacionalmente impossível de se fraudar.

Blockchain tem uma característica muito importante que é imutabilidade dos registros. O hacker teria que gastar muito poder computacional para conseguir sair modificando aquelas informações distribuídas em todos os softwares”, disse. “Há dez anos do primeiro design de blockchain, nunca houve uma fraude.”

Amanda participou da 2ª edição da conferência Governança da Informação para o Mercado Jurídico, nesta terça-feira (29/5), em São Paulo. Ao lado dela, Anne Chang, sócia da HCO Law, também discutiu o alto potencial para segurança e registro de documentos na utilização dessa tecnologia no sistema jurídico.

“A ideia é muito interessante por trazer rastreabilidade e responsabilização”, afirmou Chang. “É muito fácil dizer que um projeto de lei [de iniciativa popular] foi aprovado por 3% da população brasileira, quando não temos como comprovar. Se eu trago isso para um lugar auditável, em que vemos os votos imputados, trago muita transparência, coisa que temos pouco hoje no Congresso”, concluiu.

O que Amanda Lima chama de Revolução dos Usos é o que pode aproximar essa tecnologia do dia a dia das pessoas, sem necessidade de compreender tecnicamente como tudo funciona. Ela citou iniciativa de um cartório em João Pessoa (PB) que fez uma parceria com a empresa Original My, primeira companhia que registra e valida documentos em blockchain no Brasil.

Desde então os usuários podem fazer o upload do documento em casa, como um anexo de e-mail, pagar pelo serviço e obter o registro na tecnologia. “Depois, a empresa envia esse mesmo registro para o [cartório] Azevêdo Bastos, e ele faz a notificação notarial. Assim o documento fica registrado no blockchain e em cartório”, afirma Amanda.

Leia a entrevista com Amanda Lima e Anne Chang:

ConJur — Em comparação com outros países, o uso da tecnologia de blockchain no Brasil está avançada?
Anne Chang — Temos muitos projetos, mas o problema é a baixa adesão. Esses projetos têm um índice de mortalidade muito grande por falta de investimento e apoio. Isso é um pouco complicado na adoção em si, mas em termos de tentativas estamos bem.
Amanda Lima — Uma das características brasileiras que o pessoal que desenvolve negócios em blockchain reclama é o UX. Você tem uma solução maravilhosa, mas quando faz um aplicativo não consegue ter aquela acessibilidade que o cliente quer, que é a de quatro segundos. Esbarramos na barreira do design. A solução é ótima, mas o design ainda não foi resolvido.

ConJur — As pessoas não entendem o que é a tecnologia?
Anne Chang — Tem uma coisa meio curiosa nisso. Quando falamos em blockchain, as pessoas querem entender como funciona a cadeia de blocos e etc. Ninguém entende como funciona, mas todo mundo usa e-mail, WhatsApp… Existe uma barreira quase psicológica das pessoas quererem entender a tecnologia quando não é necessário. Se você tiver uma boa usabilidade você poderia usá-la de forma simples.

ConJur — Vocês acham que a nossa baixa adesão tem relação com segurança?
Amanda Lima — 
Um dos assuntos que se discute muito no Brasil é a privacidade. Alguns modelos de negócio são bacanas, mas esbarram na privacidade, porque certos dados não podem ser “publicizados”. Na Europa, por exemplo, já existe um contrato de banco usando blockchain para transferência de documentos que antes demoravam sete dias e agora demoram 3 horas, mas aqui é mais complicado.

ConJur — No caso da plataforma de projetos de lei de iniciativa popular —  a Mudamos, por exemplo , qual a necessidade de registrar as assinaturas em blockchain?
Anne Chang — 
É questão de confiança. Em quem o brasileiro confia, principalmente em política? Se eu chegar em você na rua e falar: “assina aqui essa proposta para salvar os animais em extinção”, você vai me dar o seu CPF e assinar? Agora, se tiver um aplicativo que diz que é seguro, que usa a tecnologia de blockchain, que você consegue auditar, há maior sensação de segurança. O fato de ser descentralizado, de não ter uma entidade por trás, para nós que não confiamos em instituição pública, diz muito. No caso de iniciativa popular, por exemplo, por que é legal termos isso no Ethereum? Porque nós não confiamos no Congresso. Eu não confio que eles estão contando os votos. Então é muito sobre a confiança que a gente traz nisso.

ConJur — Vocês disseram que todas as pessoas teriam que ser honestas ao colocar informações em blockchains. Nesta onda de "fake news" como trabalhar com base na honestidade?
Amanda Lima — 
Blockchain ou qualquer outra tecnologia depende do dado que você coloca nela. Mas, muito provavelmente, uma pessoa não vai querer botar informação errada no blockchain, porque ela sabe que o dado ali é imutável, e que eu consigo voltar o caminho que ela percorreu e chegar até ela. Por exemplo, em uma licitação. Se eu faço uma licitação em blockchain, consigo saber quem foi que aceitou o papel higiênico de R$ 20 e não de R$ 4. O gestor público vai pensar duas vezes sabendo que fazendo o caminho inverso vamos chegar nele e na pessoa que fez essa fraude.
Anne Chang — Tem que ficar muito claro que o dado é imutável e que o blockchain é pseudoanônimo. Eu posso não saber quem colocou a informação lá, mas isso não quer dizer que eu não consiga rastrear alguma coisa a respeito. Entendo que falar em tecnologia anônima traz um certo medo, mas olha a corrupção, por exemplo. [O ex-ministro] Geddel [Vieira Lima] não foi preso com uma mala de bitcoins, foi preso com uma mala de dinheiro. Dinheiro que passou por todo o sistema financeiro inteiro e foi lavado.
A tecnologia traz transparência para essas transações com dados imutáveis, e faz com que eu tenha a rastreabilidade deles. Eu não garanto 100% da informação que está entrando ali é verdadeira, mas é aí que entra a importância de ter integração com alguma forma de identificação. O blockchain é uma tecnologia nova, e a parte legal de vermos o seu crescimento é que muita gente está integrando outras tecnologias para evitar situações como essas.

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