Carceragem em massa

Ócio e distância da família agravam encarceramento de mulheres, diz juíza

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28 de maio de 2018, 20h32

Com aumento na população prisional feminina de 567% entre 2000 e 2014, ante 220% da masculina, o Brasil precisa desenvolver uma política para presas e criar espaços efetivamente planejados a esse perfil, já que hoje só conta com adaptações.

É o que afirma a juíza federal Taís Schilling, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e ex-conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público. Ela participou do 8º Seminário Internacional de Direito Administrativo e Administração Pública – Segurança Pública em Debate, promovido na quinta e na sexta-feira (24 e 25/5).

Também estiveram presentes no evento o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal; a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, entre outros representantes e especialistas do setor, convidados pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pela Fundação Getulio Vargas Projetos.

Taís Schilling diz que, nas prisões brasileiras, as mulheres ficam concentradas nos grandes centros, mais longe das famílias. As unidades masculinas estão mais distribuídas no território. Identificamos ainda ausência de equipamentos mínimos para os filhos que visitam as mães que estão encarceradas: há depoimentos de ausência de absorventes e dificuldade para exames de rotina.”

Ela relata ainda que, segundo psicólogos, o ócio é grave para as mulheres e provoca episódios de depressão mais rapidamente nesse público diante da falta de oportunidades de trabalho ou profissionalização, além da manutenção interna. O ônus da prisão para as mulheres é, de acordo com a juíza, bastante superior.

“Elas têm reprovabilidade muito maior pelo crime, acusadas não apenas do delito, mas por abandono à família. Também são cobradas pela sociedade pelo fato de abandonar deveres domésticos para responder pelo que praticaram”, diz a juíza federal. As mulheres vivem ainda outro drama: 47% não recebem visita da família ou recebem menos de uma vez por mês.

“É mais do que o dado objetivo da distância das unidades. A mãe visita o homem, a mulher, o marido. Mas quando ela é presa, é abandonada. Quando já não estava abandonada antes ou o companheiro já estava presa”, aponta. 

Ainda que existam diferenças regionais, a média nacional de encarceramento aponta que 68% dessas mulheres estão presas por tráfico de drogas, sendo os outros delitos menores. Taís defende que se diferencia os significados de tráfico e de consumo. “ A mera quantidade, a critério muitas vezes da autoridade policial, Ministério Público e magistrado é o que vai determinar?”

“Muitas das situações de encarceramento se dão quando a mulher tenta levar droga ao presídio em que o companheiro está. Em outros momentos, quando a droga é apreendida em casa e, pela guarda, quem está no local é levado”, exemplifica.

Nesse contexto, diz a juíza, há também a tendência de que a mulher se comprometa com o tráfico de drogas em virtude de envolvimento anterior do companheiro, e são muitas vezes instrumentalizadas. Além disso, como têm papéis subalternos no tráfico, não têm acesso a informações importantes e, portanto, têm pouca possibilidade de colaboração premiada.

Vagas
O Brasil possui 1070 unidades prisionais masculinas, 238 mistas e 103 exclusivamente femininas. Integrante do Conselho Nacional de Justiça, a conselheira Maria Tereza Uille acrescentou haver um déficit de 15 mil vagas para as mulheres. Ela afirma ainda que todos esses dados são aproximados, pois ainda não existe cadastro nominal preciso.

“Precisamos prender com critérios melhor selecionados, com encaminhamentos alternativos à prisão. Precisamos cadastrar, desencarcerar e prender melhor. Precisamos ter coragem de fazer política de desencarceramento, selecionar pessoas que não precisariam estar encarceradas, pensar em alternativas e estabelecer metas de cumprimento de mandatos, especialmente homicídio e latrocínio, que tiraram a vida das pessoas. Estabelecer diálogo administrativamente para organizar as portas de entrada e saída, fiscalizar cadastro de presos”, afirmou. 

Na visão de Maria Tereza, as mulheres suspeitas de tráfico, muitas vezes, ficam atrás das grades em contradição com o entendido pelo Supremo Tribunal Federal a respeito das prisões preventivas, que devem ser fundamentadas e baseadas no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Mães presas
Reportagem da ConJur mostra que falta de documentos, cuidado dos avós, periculosidade da ré e até a contratação de eficiente banca de advogados já fizeram tribunais de Justiça rejeitarem prisões domiciliares a presas preventivas grávidas e mães de crianças de até 12 anos de idade, apesar do Habeas Corpus coletivo (HC 143.641) concedido em fevereiro pelo Supremo Tribunal Federal.

As decisões baseiam-se em uma brecha da própria corte, que impediu a conversão em “situações excepcionalíssimas”.

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