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A mulher gestante ou mãe presa, a liberdade e a droga

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28 de maio de 2018, 8h00

O Supremo Tribunal Federal decidiu no dia 20 de fevereiro que gestantes e mães de criança menor de 12 anos, presas preventivamente, poderão cumprir prisão domiciliar. Os tribunais brasileiros deveriam fazer valer essa diretriz aos casos em andamento em 60 dias da publicação da decisão, aplicando-a aos processos das mulheres presas nessas condições, exceto se apurar crime praticado com violência ou grave ameaça ou infração praticada pela mãe contra seu próprio filho ou, ainda, casos excepcionais. Eventual negativa do benefício exigirá fundamentação judicial. À época do julgamento, a imprensa divulgou que 4.500 mulheres presas atenderiam a essas condições.

O abuso de drogas, situação que aflige fortemente pessoas de condições variadas, é consideravelmente sério para a mulher por torná-la mais vulnerável e, por vezes, dificultar-lhe, antes do cometimento de crime ou da prisão, o exercício responsável da gestação e do papel de mãe, porque o consumo abusivo de substâncias psicoativas pode reduzir na mulher o interesse pelo cuidado individual e do filho e, também, afrouxar freios inibitórios ao cometimento de práticas ilícitas, tais como tráfico de droga, furto e roubo. Aliás, o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) apontou que 62% das mulheres presas no Brasil cometeram tráfico de droga.

Conhecer bem a situação do preso que abusa de drogas é tão importante que o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) se propôs apurar dados do consumo de substâncias psicoativas na população prisional.

O abuso ou a dependência às drogas é problema de saúde que desafia toda a sociedade, esteja a pessoa atingida por essa questão em liberdade ou presa. Enquanto a administração penitenciária busca conhecer números e condições do abuso das drogas nos presídios, para melhor responder à questão e suas demandas, no ambiente social essa situação se mostrou tão séria que os dados já reunidos, sem alarde, pelo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) indicaram que mais 8 milhões de brasileiros são dependentes de drogas e, também, que cerca de 28 milhões de pessoas no Brasil convivem em casa com um desses abusador ou dependente.

Nesse cenário, cabe confrontar o pronunciamento jurisdicional inicialmente mencionado, por meio do qual a maioria dos ministros da 2ª Turma do STF concedeu o regime prisional aberto à mulher gestante ou mãe de criança pequena presa preventivamente, a mais branda forma de prisão cumprida em residência particular com obrigação de manter recolhimento noturno e aos finais de semana, ao pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça, que também enfrentou situação peculiar de uma mulher presa por tráfico de droga.

Em decisão liminar do dia 27 de fevereiro, o ministro Rogério Schietti Cruz (STJ) concedeu liberdade provisória para mulher presa por traficar droga no interior de presídio e substituiu a prisão preventiva por medida alternativa. Nessa decisão, proferida no HC 437.538-SP, foi considerado que a prisão seria substituída por outra medida menos onerosa à mulher, evitando eventual reiteração criminal e permitindo sua convivência com dois filhos menores, Com esse fim, o ministro impôs medidas cautelares diversas da prisão, entendendo, também, excessiva a prisão domiciliar por dificultar trabalho e manutenção da prole pela mulher.

O STJ, portanto, substituiu prisão por medida alternativa do artigo 319 do Código de Processo Penal, cumulada com restrição da mulher acusada frequentar a unidade prisional na qual seu marido ou companheiro estava preso, tudo isso levando em conta ter ela introduzido ilicitamente droga no presídio.

Retomando as situações individuais de abuso e de dependência às drogas ocorridas na sociedade com reflexos na população prisional, os juízes e os tribunais deveriam cuidar prudentemente da liberdade da mulher grávida ou mãe de filho menor abusadora de droga presa preventivamente, na forma prevista pelo HC 143.641-SP do STF, nos casos em que ficar evidenciado que essa mulher cometeu crime para facilitar o consumo de drogas. Nesse caso, se viável a liberdade, seguindo a interpretação do STF e, também, verificado conveniente fixar alguma medida alternativa à prisão, uma dessas medidas deveria tocar o abuso da droga porque facilitaria o cuidado feminino com a gestação ou com o filho e, também, evitaria a reiteração criminal, conforme pretendeu a cautela do STJ restringindo visitas da mulher ao presídio.

Nessa hipótese, evidentemente, não seria eficaz vedar à mulher gestante ou mãe de filho menor frequentar locais de incidência criminal, porque condição dessa natureza é impossível de fiscalizar e não reduz a reiteração criminosa, ao contrário do comando da decisão liminar do ministro Rogério Schietti Cruz que rememorou ponderável precedente da sua própria autoria exposto no julgamento do HC 51.221-RS.

Verificado, porém, estar a mulher gestante ou mãe envolvida em crime para obter recursos para aquisição de droga, caberia ao juiz ou tribunal autorizar sua liberdade cumulada com outras medidas cautelares diversas da prisão, determinando o encaminhamento dessa mulher ao serviço público para ser submetida à avaliação de saúde e, se necessário, receber cuidado profissional para o abuso da droga, comprovando o cumprimento do encaminhamento ao juízo, por ser medida alternativa com esse fim facilitadora da gestação saudável ou da manutenção dos cuidados, vínculos e amor aos filhos menores.

A indicação da condição de abuso ou dependência às drogas de pessoa que responde a processo na Justiça criminal é, frequentemente, exteriorizada pela leitura das peças de informação que embasaram a ação penal ou exposta pela prova colhida no processo. Juízes, tribunais, membros do Ministério Público, da advocacia e da Defensoria Pública atentos para essa especial condição de vulnerabilidade da mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos poderiam fixar, propor ou requerer alternativa que evitasse recolhimento preventivo ao cárcere, mas como contrapartida da liberdade cumulasse medida diversa da prisão a perdurar pelo tempo do processo, facilitando que a mulher cuidasse da saúde ou fortalecesse o trato carinhoso do filho menor, tornando o pronunciamento judicial ao mesmo tempo humano e favorável à mulher, com efeito protetor da família e sociedade.

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