Repasses do PP

Fachin e Celso de Mello votam por condenar primeiro deputado réu na "lava jato"

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22 de maio de 2018, 20h15

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal retomou nesta terça-feira (22/5) o primeiro julgamento de mérito sobre ação penal ligada à operação “lava jato”. A sessão acabou sem resultado, mas o placar já é de dois votos pela condenação do deputado federal Nelson Meurer (PP-PR).

Ele e dois filhos foram acusados de receber R$ 358 milhões em propinas provenientes de desvios de 1% em cada contrato fictício firmado com a Petrobras por meio do doleiro Alberto Youssef entre 2010 e 2014.

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Nelson Meurer afirma que é do baixo clero do PP, mas ministro Luiz Edson Fachin afastou dúvida de ocupação de liderança.
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Para o relator, ministro Luiz Edson Fachin, há provas de que o parlamentar cometeu corrupção passiva 31 vezes e lavagem de dinheiro em oito oportunidades. Por auxiliar o pai em alguns momentos, Nelson Meurer Junior e Cristiano Meurer também foram considerados culpados pelo primeiro delito.

O decano da corte, ministro Celso de Mello seguiu o mesmo entendimento. Ainda faltam votos de Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Nesta terça, eles acompanharam os colegas e rejeitaram todas as preliminares apontadas pela defesa.

Os advogados dos réus afirmaram que imputar os crimes do PP ao parlamentar era criminalização da política. A denúncia presumia, de acordo com a defesa, participação delituosa de Meurer pela filiação partidária dele.

Fachin afirmou que não se trata de criminalizar a atividade politico-partidária, mas de responsabilizar nos termos e limites da lei os atos ou omissões que transbordam esses limites do exercício legítimo popular. “Entendo ser plenamente viável a configuração do crime de corrupção passiva quando a vantagem é solicitada, recebida ou aceita pelo agente público em troca da força política que o parlamentar tem para certo acordo. O conjunto probatório demonstra que, na distribuição de cargos, a Diretoria de Abastecimento da Petrobras era do PP.”

A defesa também tentou classificar Nelson Meurer como um deputado do chamado baixo clero, o que o colocaria afastado das negociações importantes da legenda. Tal tentativa, no entanto, não se evidencia, de acordo com Fachin. “Não há dúvida de que a ocupação da liderança demonstra relevância no contexto partidário. Além disso, esse papel é reforçado de forma uníssona pelos colaboradores Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef”, disse o ministro.

Provas parciais
O relator, no entanto, considerou insuficiente a acusação de que Nelson Meurer teria participação em todos os 161 contratos firmados por intermédio de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras.

Carlos Humberto/SCO/STF
Fachin apontou provas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Carlos Humberto/SCO/STF

“O MP não produziu conjunto probatório suficiente para confirmar a adesão em todos os contratos. Os colaboradores afirmam que os valores eram gerenciados por [José] Janene”, disse. Ex-deputado, Janene morreu em 2010 e é constantemente delatado com um dos articuladores do esquema pelo PP.

Para Fachin, ainda que Meurer tenha se beneficiado e que seja provável que tivesse ciência do estratagema, o conjunto probatório não se mostrou suficiente para qualificar sua atuação como partícipe.

Os 161 contratos irregulares foram apontados pela Procuradoria-Geral da República na acusação. Segunda a denúncia, feita pelo então PGR em 2015, Rodrigo Janot, Meurer e os filhos receberam R$ 358 milhões em proprinas por meio de desvios da Petrobras entre 2010 e 2014. 

A denúncia diz ainda que, desse valor desviado, R$ 29,7 milhões foram repassados em 99 parcelas, por intermédio do doleiro Alberto Youssef. Segundo o relator, os fatos retratados encontram suporte também em conjunto expressivo de provas, por exemplo a partir do cruzamento de dados de companhias aéreas e da presença do parlamentar no Hotel Curitiba. Ali, em ao menos seis momentos, esteve ao mesmo tempo Rafael Ângulo Lopez, entregador de Youssef.

Assim como não aceitou todas as acusações de corrupção passiva, Fachin observou que a PGR não conseguiu provar em todos os casos as tentativas de ocultação ou dissimulação de propinas. Uma das acusações apontava que Meurer recebeu R$ 4 milhões em espécie para a campanha eleitoral de 2010 pela empreiteira Queiroz Galvão.  

Dinâmica perigosa
Luiz Edson Fachin fez referência à obra do cientista político Sérgio Abranches sobre o sistema de presidencialismo de coalizão no Brasil, para dizer que a dinâmica de indicação de cargos ao Executivo por parlamentares faz parte do modelo político brasileiro e não há, portanto, crime nessa prática, por si só. Além da deliberação a respeito de atos legislativos. Indicação de cargos ao Executivo é da natureza do sistema.

“Essa dinâmica em si não é, nem poderia ser, espúria. “Poderia ser uma participação plural se dentro de pararmos éticos. Todavia, quando o parlamentar faz uso de seu poder para indicar alguém ou influenciar, com vantagens indevidas, há evidentemente um mercadejamento no sistema parlamentar”, disse o relator.

Delinquência política
O ministro revisor, Celso de Mello, abriu seu voto afirmando que a corrupção impregnou-se no tecido de algumas agremiação partidárias e empresas, caracterizando-se com conduta endêmica.

“Convenço-me cada vez mais de que os fatos da operação ‘lava jato’ nada mais constituem que ações delituosas, anteriores ou não ao mensalão, que compõem vasto painel de organização criminosa, em elementos comuns em ambos contextos, de gesto de perversão da ética no poder”, disse. 

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Celso de Mello afirma que investigações demonstram organização tentacular, com promiscuidade de políticos e empresários.
Rosinei Coutinho/SCO/STF

O ministro fez uma fala enfática acerca dos prejuízos da relação promíscua entre políticos e empresários no uso da máquina pública para fins de controle de poder e orçamento, e apropriação pessoal de verba pública, no que chamou de modelo de delinquência.

“As investigações, não obstantes fragmentadas, têm por objeto uma vasta organização criminosa de projeção tentacular, estruturada em níveis hierárquicos, que observa métodos homogêneos de atuação e que opera por intermédio de núcleos especializado com clara divisão de tarefas para obter direta ou indiretamente vantagem de qualquer natureza, notadamente no âmbito do Estado, mediante prática de infrações penais que abrangem amplo espectro de crimes”, apontou. 

Para Celso de Mello, não condiz com a realidade o argumento da defesa de que a denúncia estaria apoiada apenas em depoimento de delator. “Densidade e robustez de múltiplas fontes independentes de provas (…) afastam o discurso defensivo e validam indiscutivelmente as declarações prestadas por inúmeros colaborardes e atestam (…) condutas revestidas de robusta infidelidade democrática”, enfatizou o decano. 

A materialidade da corrupção passiva está plenamente configurada nos autos, segundo o ministro. “A Justiça Eleitoral foi tão somente utilizada como túnel da verba geneticamente contaminada, que provinha do débito de propina da Queiroz Galvão”, com pleno conhecimento do beneficiário da vantagem, disse.

* Texto atualizado às 21h30 do dia 22/5/2018 para acréscimos.

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