Caminhos possíveis

Especialista em Direito Eleitoral traça cenários pró e contra Lula nas urnas

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22 de maio de 2018, 17h25

Lula hoje é inelegível? Para o eleitoralista Fernando Neisser, a resposta técnica correta a essa pergunta é que não se sabe. O presidente da Comissão de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo abordou a questão que irá definir a eleição para presidente do Brasil em 2018 em uma palestra na sede do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados.

Como exercício de imaginação, o advogado propôs um cenário e foi esmiuçando as possibilidades de acontecimentos. Ele não acredita que Lula consiga decisão judicial reconhecendo que pode ser eleito. Porém, é provável que possa fazer campanha por boa parte do processo e que tenha sua foto e nome na urna eletrônica, com base no período enxuto entre o registro da candidatura e eventual julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral.

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Advogado Fernando Neisser analisou cenários que podem permitir a Lula disputar eleição de 2018.
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Se até 18 de setembro o PT não tiver escolhido substituto e se o TSE não tiver concluído o julgamento de embargos, a fotografia e o nome do ex-presidente deve aparecer nas urnas.

Um fator que pode mexer com o cenário é uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que o Brasil é signatário do Pacto de San Jose. A jurisprudência do tribunal determina que um candidato só pode ser barrado com condenação definitiva. 

“A Lei da Ficha Limpa não combina com o pacto internacional de direitos humanos que o Brasil é signatário e estaria acima da lei”, diz Neisser. Ele destaca que o país já acolheu decisões de corte internacional, embora tenha ignorado em outros momentos. 

O advogado desmentiu alguns sensos comuns sobre o tema. Ressaltou que a Lei da Ficha Limpa não proíbe ninguém de ser candidato. Impede, na verdade, de ter os votos dados a si contabilizados, de ser diplomado e de tomar posse. O candidato pode pedir voto e até estar na urna.

A lei regula como funciona o procedimento e registro de candidaturas. De 20 de julho a 5 de agosto os partidos se reúnem nas suas convenções nacionais e decidem se vão lançar candidatura, se vão compor coligações e quais chapas formarão. No dia 15 de agosto se encerra o prazo para o pedido de registro dessas candidaturas — no caso da Presidência da República, perante o Tribunal Superior Eleitoral. A partir daí o TSE deve publicar edital.

Acompanhe o prognóstico de Neisser: 

“Esse edital é um pouco igual ao edital de matrimônio: quem tiver algo contra, que diga agora ou cale-se para sempre. Fica cinco dias aberto para que quaisquer atores com capacidade de impugnar o registro de candidatura que o faça. Ou seja, partidos, coligações, candidatos e Ministério Público Eleitoral terão até o dia 21 de agosto para apresentar por petição ao Tribunal Superior Eleitoral uma impugnação ao pedido de registro de candidatura.

[Levando-se em consideração que o ex-presidente seja candidato], Dia 22 Lula é notificado para apresentar defesa. Ele tem sete dias. Até 29 de agosto, a defesa apresenta as suas razões pelas quais entende que não se aplica a inelegibilidade à candidatura.

A partir daí há uma possibilidade de redução do procedimento em relação aquilo que está previsto na lei. Porque a lei diz que há prazo de quatro dias para realização das diligências e produção de provas. Então para que se ouça testemunhas pedidas pelas partes, eventualmente que se realize perícias, que se peça a órgãos públicos a apresentação de documentos. Muito provável, se esse for um único argumento da inelegibilidade a condenação no TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região], que o ministro relator do processo entenda que não há nenhuma prova a ser produzida por ser tratar de matéria exclusivamente de direito.

Portanto no dia 30 caberia ao ministro relator abrir para as alegações finais, todos os envolvidos no processo, todos aqueles que tiverem impugnado e o Ministério Público Eleitoral tem cinco dias para apresentar as suas alegações finais. A partir daí [são] dois dias para o ministro preparar o voto e apresentar em pauta (…)

Vem a decisão. Como decidirá o TSE? Essa é fácil de prever, se Lula não tiver conseguido até esse momento suspender a condenação que pesa contra si vinda do TRF 4, a decisão do TSE será negar o registro da candidatura. Não há uma interpretação possível daquelas que vêm sendo aceitas pelo TSE que afaste a inexistência da inelegibilidade.

Quais são as chances de Lula nesse meio tempo? Ao apresentar os recursos especiais extraordinários ao STJ e ao STF a Lei da Ficha Limpa diz que ali se faça um pedido de liminar, o pedido de uma cautelar, uma suspensão daquela decisão para afastar a inelegibilidade para que se possa ser candidato.

Isso vai ser analisado nesse meio tempo — nós estamos falando agora maio, junho, julho. Primeiro no Superior Tribunal de Justiça, não são boas as perspectivas do ponto de vista dos interesses das defesas do Lula, seja em relação ao relator, seja em relação à turma a qual ele [o ministro] faz parte. Não me parece que seja previsível que ganhe essa liminar no Superior Tribunal de Justiça. Isso vai ser analisado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, [mas] também não me parece possível a obtenção dessa liminar com o ministro relator. (…)

Chegamos de volta aqui ao dia 11 de setembro. Se não tivesse obtido qualquer decisão liminar, cautelar ou no mérito, enfim, hipótese absurda de o STJ dar tempo de julgar o mérito do recurso especial e falar que o Lula está absolvido, não importa o motivo que seja, Lula terá seu registro indeferido. Seu registro negado no Tribunal Superior Eleitoral.

Contra esse decisão publicada no dia 11 contudo, cabe recurso. Ele tem três dias para entrar com embargos de declaração, que é aquele recurso que nós entramos para preencher omissões, contradições ou obscuridades, ou resolver obscuridades das decisões judiciais. Abre-se três dias de prazo para o lado contrário responder e dois dias para levar a julgamento. O TSE conseguiria dar uma resposta definitiva no âmbito da Justiça Eleitoral no dia 19 de setembro.

Problema: dia 17 de setembro, dois dias antes disso, é o prazo limite que os partidos e coligações têm para fazer as substituições das candidaturas. Por quê? Porque dia 18 de setembro carregam-se as urnas eletrônicas. Quem for candidato no dia 18 de setembro estará com seu nome e sua foto nas urnas eletrônicas. Esse carregamento é físico, as urnas não têm qualquer ligação com a internet — ao contrário de todas as teorias de conspiração.

Se o PT não tiver até esse momento feito a substituição de candidatura e se o TSE não tiver concluído o julgamento dos embargos, o TSE inserirá a fotografia e o nome do ex-presidente Lula, algo que não tem como ser alterado. (…)

Até então, mesmo estando respondendo a processo, (…) por conta de um artigo específico da lei eleitoral, artigo 16A da Lei 9.024, o Lula pode fazer campanha, pode estar no programa eleitoral pode participar de debates, arrecadar recursos e realizar despesas. É candidato, diz a lei, por sua conta e risco. Se tiver sido declarado inelegível, seus votos serão jogados no balaio dos nulos.

O que pode acontecer nesse meio tempo para bagunçar um pouco isso que já está complicado? O Brasil é signatário de um tratado internacional, talvez um dos tratados internacionais mais importantes no qual o Brasil é signatário: o pacto de São José da Costa Rica, o pacto de direitos humanos das Américas que prevê um tribunal internacional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos na qual o Brasil está submetido do ponto de vista jurisdicional. A corte tem jurisdição sobre o Brasil.

O pacto de São José da Costa Rica diz lá no seu artigo 23.2 que o direito de ser candidato só pode ser afastado em hipóteses limitadas, dentre as quais a condenação em juízo criminal definitiva. A Lei da Ficha Limpa não combina com o pacto internacional de direitos humanos que o Brasil é signatário e estaria acima da lei. 

Diante da primeira negativa do Tribunal Superior Eleitoral é possível que em paralelo a defesa vá à Corte Interamericana de Direitos Humanos. É possível, pela jurisprudência da corte, que ele obtenha uma liminar. A grande questão é saber se a liminar seria cumprida. O Brasil tem um histórico ora de cumprir decisões da corte interamericana, ora de descumpri-las. Cumprimos quando paramos de aceitar civil do depositário infiel e descumprimos quando se mandou reconhecer a inconstitucionalidade, a inconvencionalidade da Lei da Anistia”.

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