Academia de Polícia

Criminologia é conhecimento essencial para a polícia judiciária

Autores

  • Henrique Hoffmann

    é delegado de Polícia Civil do Paraná autor pela Juspodivm professor da Verbo Jurídico Escola da Magistratura do Paraná e Escola Superior de Polícia Civil do Paraná mestre em Direito pela Uenp colunista da Rádio Justiça do STF e ex-professor do Cers TV Justiça Secretaria Nacional de Segurança Pública Secretaria Nacional de Justiça Escola da Magistratura Mato Grosso Escola do Ministério Público do Paraná Escola de Governo de Santa Catarina Ciclo Curso Ênfase CPIuris e Supremo.

  • Eduardo Fontes

    é delegado de Polícia Federal ex-superintendente da Polícia Federal no estado de Amazonas autor de obras jurídicas pela Juspodivm professor de ciências criminais fundador do curso Próximo Delegado professor da Academia Nacional de Polícia especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pelo Ministério da Justiça mestrando em Ciências Jurídicas e Políticas pela Univesridade Portucalense coordenador do Iberojur no Brasil aprovado nos concursos de procurador do estado de São Paulo e delegado de Polícia Civil no Paraná.

22 de maio de 2018, 10h00

É importante o estudo da criminologia? A polícia judiciária ganha alguma coisa com o saber criminológico? [1]

A criminologia não parece, à primeira vista, tão relevante quanto o estudo do Direito Penal ou do Direito Processual Penal, ou mesmo da política criminal. Às vezes, tem-se a impressão de que, dentro das denominadas ciências criminais, a criminologia foi deixada de lado, enquanto se deu muita importância às outras ciências, que se desenvolveram e ganharam mais status na comunidade jurídica.

Contudo, é comum encontrar pessoas discutindo, por exemplo, o problema da violência urbana, a escalada da corrupção ou o aparelhamento do crime organizado. Diz-se que, atualmente, todos comentam sobre futebol e violência, existindo milhares de técnicos desse esporte, e, na mesma proporção, criminólogos.[2]

Os meios de comunicação evoluíram nas últimas décadas, e com o uso frequente das redes sociais, que dão às pessoas a possibilidade de tecer opinião sobre qualquer assunto, a discussão a respeito da criminalidade é constante, principalmente em casos de maior repercussão divulgados pela mídia.

Conhecer as premissas e métodos da criminologia como ciência apura a visão crítica e científica daquele que se propõe a analisar o problema da delinquência. De maneira geral, as pessoas que desconhecem a criminologia são facilmente influenciadas por informações equivocadas, divulgadas torrencialmente todos os dias na mídia e nas redes sociais. Assim, essa parcela leiga da população aceita e reproduz comentários fundados em teorias e conceitos não científicos, que anuviam sua percepção a respeito das causas reais do fenômeno delitivo, e que permitem a manipulação da opinião popular para aprovação de medidas meramente paliativas, que nada fazem para atingir o cerne do problema. Portanto, estudar criminologia, além de importante, é extremamente necessário.

O incremento da complexidade dos fenômenos criminais, como o aumento da violência urbana e o crescimento gradativo da população carcerária e do caos dos estabelecimentos penais, são motivos significativos para a ascensão da criminologia, ciência que pode fornecer respostas mais pormenorizadas a esses problemas.

O estudo da criminologia ganha relevo porque é ela quem deve analisar quais são os fatores que culminaram no cenário atual. É a ciência que possui as ferramentas e saberes para examinar o fenômeno criminológico que ocorre na sociedade. Não incumbe à criminologia punir o transgressor (tarefa do Direito Penal), muito menos definir qual é o procedimento de persecução penal durante a investigação ou o processo (missão do Direito Processual Penal).

Sua finalidade, de índole diagnóstica e profilática, é buscar entender o contexto da prática delituosa, analisando o modelo social de justiça criminal, a pessoa do delinquente, a vítima, o controle social e até mesmo o reflexo da lei penal na sociedade.

A palavra criminologia, criada em 1883 por Paul Topinard e difundida por Raffaele Garofalo em 1885,[3] tem origem etimológica híbrida, pois une um elemento oriundo da língua latina, crimino, que significa crime, e outro da língua grega, logos, que quer dizer estudo. Portanto, através de uma análise etimológica da expressão, temos o estudo do crime.

Pode-se conceituar criminologia a ciência empírica (baseada na realidade) e interdisciplinar (que congrega ensinamentos de sociologia, psicologia, filosofia, medicina e direito) que possui como objeto de estudo o crime, o criminoso, a vítima e o comportamento social.

Destarte, a criminologia é uma ciência autônoma porque possui funções, métodos e objetos próprios.

O gênero ciências criminais (ciências penais) possui como espécies o Direito Penal, a criminologia e a política criminal. São ciências autônomas e coexistentes, cada qual com sua vertente. A criminologia, a política criminal e o Direito Penal são os três pilares do sistema das ciências criminais, inseparáveis e interdependentes.

Como instância superior, não cabe à criminologia se identificar com nenhum dos saberes parciais criminológicos, pois todos têm a mesma importância científica. Adota-se um modelo não piramidal.[4] Logo, criminologia entende o fenômeno criminal como problema não meramente individual, mas também social. Estuda a questão criminal sob o ponto de vista biopsicossocial (métodos biológicos e sociológicos), investigando as causas do crime, a personalidade do delinquente, a vitimização e as formas de prevenção e ressocialização no contexto do controle social.

A criminologia é considerada uma ciência interdisciplinar, pois soma o conhecimento de várias ciências, e não meramente multidisciplinar, com distintas visões tratadas de maneira compartimentada.

Cuida-se de ciência lógica e normativa, busca determinar o homem delinquente utilizando para isso métodos físicos, psicológicos e sociológicos. Entre outros aspectos, estuda as causas e as concausas da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade.

A criminologia busca reunir conhecimentos sobre o crime, o criminoso, a vítima e o controle social para compreender cientificamente o fenômeno criminal, para assim possibilitar que o crime possa ser prevenido e reprimido com eficiência (intervenção no delinquente) e que os diferentes modelos de resposta ao fenômeno criminal possam ser valorados.

Destarte, a criminologia deve orientar a política criminal possibilitando a prevenção de crimes, e influenciar o Direito Penal na repressão das condutas indesejadas que não foram evitadas. Essa ciência busca adotar programas de prevenção eficaz do comportamento delitivo, técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos sistemas de resposta ao delito.[5]

Foi na Escola Positiva que a criminologia começou a ser tratada como ciência, e isto se deu especialmente em razão do método científico utilizado nas experiências do médico italiano Cesare Lombroso, que escreveu a obra O Homem Delinquente (considerada o marco científico da criminologia).

Qualifica-se por ser ciência empírica de observação da realidade, que opera no mundo do ser, e emprega o método indutivo e experimental. Diferentemente do Direito Penal, ciência cultural que atua no plano do dever ser, por meio do método dedutivo.

Logo, a criminologia investiga as causas do fenômeno da criminalidade segundo o método experimental, isto é, analisando o mundo do ser. Além disso, vale-se do método indutivo, isto é, trabalha com casos concretos, específicos, para extrair uma ideia geral. Parte de uma característica específica para fixar uma premissa maior. Pretende primeiro conhecer a realidade para depois explica-la.

Na visão da criminologia, o crime é um fenômeno social, o qual exige uma percepção apurada para que seja compreendido em seus diversos sentidos. Para a criminologia, somente se pode falar em delito se a conduta preencher os seguintes elementos constitutivos:

a) incidência massiva na população: reiteração na sociedade;
b) incidência aflitiva: produção de dor à vítima e à sociedade;
c) persistência espaço-temporal: prática ao longo do território por um período de tempo relevante;
d) consenso sobre sua etiologia e técnicas de intervenção: concordância sobre suas causas e métodos de enfrentamento.

Em relação ao delinquente, é visto de maneira diferente segundo as Escolas da Criminologia:

a) Escola Clássica: ser pecador que escolheu o mal apesar de poder optar pelo bem;
b) Escola Positivista: reflexo de sua deficiência patológica (caráter biológico – hereditário ou não) ou formação social (caráter social);
c) Escola Correcionalista: ser inferior e incapaz de se autodeterminar, a merecer do Estado resposta pedagógica e piedosa;
d) Escola Marxista: vítima da sociedade e das estruturas econômicas (determinismo social e econômico); essa visão se desenvolveu por estudiosos de Marx, e seus conceitos convergiram na chamada criminologia crítica;
e) Escola Moderna: homem real e normal que viola a lei penal por razões diversas que merecem ser investigadas e nem sempre são compreendidas.

Quanto à vítima, historicamente foi colocada em segundo plano, tendo em vista que o objetivo principal da persecução penal era a punição do criminoso. Com o avanço dos estudos criminológicos, o ofendido é revalorizado e passa a ter papel de destaque, especialmente a partir da Escola Clássica da criminologia. Os estudos sobre o ofendido ganham destaque após a 2ª Guerra Mundial, em decorrência das atrocidades praticadas naquele evento.

A vítima desempenha papel importante pois influencia no fato delituoso, toma atitudes que a colocam como potencial sujeito passivo e possui características pessoais (cor, sexo, condição social) relevantes.

A principal classificação nessa discussão se refere aos processos de vitimização:

a) vitimização primária: são os efeitos diretos e indiretos da própria conduta criminal. Decorre do delito, e compreende todos os prejuízos e danos sofridos pela vítima (lesão ao bem jurídico como integridade física, patrimônio, etc), bem como as demais decorrências (incluindo-se aí vergonha, raiva, medo, dentre outros abalos psicológicos);

b) vitimização secundária: deriva do tratamento conferido pelas instâncias formais de controle social (polícia, Ministério Público, Judiciário), consistindo em sofrimento adicional causado à vítima por órgãos estatais. Pode emanar do mau atendimento dado pelo agente público, que leva a vítima a se sentir como um objeto nas mãos do Estado, e não um sujeito de direitos.

Também é chamada de revitimização, por consistir em processo emocional no qual o ofendido torna-se vítima novamente, podendo se relacionar com outras pessoas ou instituições (heterovitimização) ou com sentimentos autoimpositivos de culpa (autovitimização);

c) vitimização terciária: decorre de familiares e do grupo social da vítima (instâncias informais de controle social), que segregam e humilham a vítima em virtude do crime por ela sofrido. Pode resultar em desestímulo para a formalização da notitia criminis, ocasionando a cifra negra (diferença entre a criminalidade real e a registrada pelos órgãos policiais). Essa falta de amparo da família, dos colegas de trabalho e dos amigos, e a própria sociedade acaba incentivando a vítima a não denunciar o delito às autoridades, ocorrendo o que se chama de cifra negra.

Por fim, vale mencionar que controle social é o conjunto de instituições e sanções da sociedade para submeter os indivíduos às normas de convivência em comunidade. Esse conhecimento é fundamental para entender o papel da polícia judiciária no fenômeno criminal.

O controle social formal é formado pelos órgãos estatais: polícia judiciária, Judiciário, Ministério Público, Administração Penitenciária, etc. Os agentes do Estado atuam de forma subsidiária (ultima ratio), quando o controle informal não foi capaz de evitar o crime. O controle formal organiza-se em 3 seleções, conforme a função que desempenham:

1ª seleção: Polícia judiciária (investigação)
2ª seleção: Ministério Público (acusação)
3ª seleção: Judiciário (julgamento)

Já o controle social informal é aquele exercido de forma difusa pela sociedade, através da família, escola, associações, igreja, opinião pública, etc. Em regra, o processo de socialização do indivíduo se dá nos meios informais. Desse modo, o controle formal é subsidiário, pois só entra em ação quando o controle informal falhou e não foi suficiente para coibir a prática delitiva, na medida em que atuará de maneira coercitiva, estabelecendo sanções diversas das que são impostas no âmbito informal. A efetividade do controle formal é bem menor em relação ao controle informal.

Fácil perceber que a criminologia hodiernamente constitui-se em ciência indispensável para a boa atuação da polícia judiciária e também dos demais órgãos de persecução penal. Evidentemente o delegado de polícia, na tomada de suas decisões, não pode abrir mão da aplicação das ciências jurídicas (principalmente o Direito Penal, Processual Penal, Constitucional e Administrativo), que continuam sendo o substrato imediato de conhecimento a incidir no caso concreto.

Todavia, nada impede (ao contrário, é recomendável) que a autoridade policial se valha do saber criminológico para que possa prestar o melhor serviço público à sociedade. Afinal, o estudo científico da criminologia revela pontos cruciais para a compreensão do multifacetado fenômeno criminal que sempre assombrou as relações sociais dos indivíduos.


[1] Esse artigo é formado pelas ideias contidas no nosso livro: FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique. Criminologia. Salvador: Juspodivm, 2018.

[2] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A Questão Criminal; Rio de Janeiro: Revan, 2013.

[3] PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 17.

[4] CALHAU, Lélio Braga. Resumo de criminologia. Niterói: Impetus, 2009, p. 13.

[5], GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 43.

Autores

  • é delegado de Polícia Civil do Paraná. Professor do CERS, Escola da Magistratura do Paraná, Escola da Magistratura do Mato Grosso, Escola Superior de Polícia Civil do Paraná e SENASP. Colunista da Rádio Justiça do STF. Coordenador da Coleção Carreiras Policiais da Juspodivm. Mestre em Direito pela UENP. www.henriquehoffmann.com

  • é delegado de Polícia Federal, Professor do CERS e especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela UNISO. Coordenador da Coleção Carreiras Policiais da Juspodivm.

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