Vontade do réu

Advogado não pode ignorar instrução de cliente, decide Suprema Corte dos EUA

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21 de maio de 2018, 10h46

A Suprema Corte dos EUA anulou um julgamento, nesta semana, porque o advogado de defesa ignorou a vontade do réu. Convencido de que Robert McCoy assassinou três membros de sua família, o advogado Larry English declarou, nas alegações iniciais, que seu cliente realmente matou três pessoas, como alegava a acusação. Mas o cliente havia insistido, reiteradamente, que ele defendesse sua inocência.

A corte reconheceu que advogado engendrou uma linha de defesa correta, porque a Promotoria tinha um caso muito forte contra seu cliente. O advogado esperava, com essa estratégia, ganhar credibilidade para armar uma defesa que consistia em convencer os jurados a não condenar seu cliente à pena de morte. Para ele, seria mais produtivo tentar aliviar a sentença do que insistir na defesa da inocência do réu durante o julgamento.

Porém, a estratégia não funcionou, e McCoy foi condenado à pena de morte, em 2008, por triplo homicídio. Ele foi acusado de matar a mãe, o padrasto e o filho de sua ex-mulher. Havia provas suficientes de que ele teria cometido os crimes e alguma razão para acreditar que a crença de McCoy em sua inocência era fruto de seus delírios, segundo a decisão da Suprema Corte.

No voto da maioria (6 a 3), a ministra Ruth Bader Ginsburg escreveu que English não tinha o direito de desconsiderar as instruções do cliente, por melhor que fosse sua estratégia. E que sua deslealdade ao cliente requeria um novo julgamento.

“Decidimos que um réu tem o direito de insistir na defesa de sua inocência, mesmo que o advogado tenha percebido, com base em sua experiência, que confessar a culpa seria a melhor chance de evitar a pena de morte”, ela escreveu.

“Larry English ficou em uma posição difícil. Ele tinha um cliente insubordinado, enquanto enfrentava um caso muito favorável à acusação. Ele concluiu, razoavelmente, que o objetivo de sua representação deveria ser evitar a pena de morte. Mas McCoy manteve insistentemente que não matou sua família. Uma vez eu ele comunicou isso ao advogado e ao juiz, se opondo incansavelmente à estratégia proposta por English, a confissão de culpa deveria estar fora de cogitação”, diz o voto da maioria.

No voto dissidente, o ministro Samuel Alito escreveu que o advogado de defesa declarou que seu cliente matou três pessoas, mas nunca disse que ele era culpado: “Larry English sustentou que seu cliente não era culpado, ao alegar que faltou dolo, da parte do réu, o que seria necessário para torná-lo culpado de homicídio de primeiro grau”.

Depois de condenado em primeiro e segundo grau, McCoy recorreu ao Tribunal Superior de Louisiana, alegando que foi traído por seu advogado. Mas o tribunal manteve a sentença, com base em uma decisão da Suprema Corte de 2004 (Florida versus Nixon).

Lealdade ao cliente
Nessa decisão, a corte declarou que advogados não precisam obter consentimento expresso de seus clientes antes de admitir a culpa em casos capitais, se está convencido de que o réu irá se beneficiar de sua estratégia. Mas a decisão não respondeu à questão sobre se era permitido a um advogado desconsiderar a instrução explícita do cliente de defender sua inocência.

De acordo com o voto vencedor da Suprema Corte, porém, o advogado violou a noção da autonomia do cliente, prevista na Constituição:

“A autonomia de decidir que o objetivo da defesa é afirmar a inocência é uma prerrogativa do réu. Da mesma forma que o réu pode recusar firmemente a se declarar culpado mesmo em face de inúmeras provas contra ele ou até mesmo rejeitar a assistência jurídica de um advogado apesar de sua inexperiência ou falta de qualificação profissional, ele pode insistir em manter sua inocência no início do julgamento, quando tem de declarar se é culpado ou não culpado”.

“Não se trata de escolhas estratégicas sobre a melhor maneira de atingir os objetivos do cliente. Trata-se de saber quais são realmente os objetivos do cliente”, ela escreveu.

“O cliente pode querer evitar o opróbio que vem com a confissão de que matou membros de sua própria família. Ou pode pensar que não vale a pena viver na prisão e que é preferível arriscar ser condenado à pena de morte, especialmente se houver qualquer esperança, mesmo que mínima, de ser inocentado”.

Assim, quando um cliente afirma expressamente que o objetivo de sua defesa é manter sua inocência em relação aos crimes pelos quais foi acusado, seu advogado deve aceitar e executar esse objetivo e não passar por cima dele porque conhece melhor o ofício, explicou a corte. Fora disso, o advogado pode e deve fazer seu trabalho, da maneira que achar melhor.

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