Segunda Leitura

Críticas às instituições jurídicas e às pessoas devem ser bem recebidas

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

20 de maio de 2018, 11h23

Spacca
Atravessamos um momento de descrédito nos serviços públicos em geral. O motivo principal é a desilusão gerada com os que vem exercendo o poder nos últimos anos e a corrupção disseminada na administração pública.

Esta descrença suscita debates, críticas, propostas, reivindicações diversas. Entre elas se encontra a governança pública, que busca um novo conceito de gestão, mais moderno e eficiente, com a participação das empresas e da sociedade civil. Algo mais fácil de definir do que praticar.

Mas, com certeza, há algo de novo no ar. As pessoas querem ter participação ativa nos atos de gestão. Vejamos um exemplo. No âmbito do Legislativo, grupos com bancada ativista propõem um mandato coletivo ou participativo, através do qual o voto em um indivíduo, cujo rosto apareceria na urna eletrônica, representaria a escolha de pelo menos outras nove pessoas. [1] É dizer, a cadeira de Deputado seria, de fato, exercida pelo grupo.

Como esta, manifestações de toda espécie chegam atualmente aos órgãos públicos, na maioria das vezes via Ouvidoria. Boas, más, viáveis e inviáveis. Ocorre que a maioria das instituições não é receptiva a manifestações externas ou internas, quando criticam. Poucos se deram conta de que vivemos outros tempos. Ainda que possa haver tolerância a sugestões, as críticas são, regra geral, vistas como um desejo de criar problemas ao gestor.

É verdade que as críticas podem ser destrutivas. Um inimigo político, um desafeto pessoal ou um simples invejoso pode ser o autor de um ataque, forte e injusto. Neste caso, exceto se a ofensa for extremamente grave, ela deve ser ignorada. Não é recomendável alimentar o ódio do ofensor, polemizando. Este sente-se totalmente frustrado, enfraquece,  quando suas palavras não merecem sequer resposta.

O melhor caminho é apontado na Bíblia: “Não repreendas ao escarnecedor, para que não te odeie; repreende ao sábio, e amar-te-á. Instrui ao sábio, e ele se fará mais sábio; ensina ao justo, e ele crescerá em entendimento”.[2]

Mas a crítica pode ser construtiva, mesmo que seja a inútil repetição de algo já discutido por longo tempo e sem viabilidade de atendimento. Imagine-se, por exemplo, uma repetitiva proposta a um presidente de um Tribunal de Justiça de adoção de outro sistema para o processo eletrônico. Isto pode ser de impossível atendimento a médio prazo, porque há um contrato a ser cumprido. Ainda assim, impõe-se dar uma resposta fundamentada ao proponente.

Mas, suponha-se que ocorra o inverso, que a crítica seja de possível adoção. Nesta hipótese o administrador deve ser proativo e promover a mudança. Mas não só isto. Deve chamar o manifestante para participar da cerimônia de instalação e agradecer-lhe publicamente. Mas, se for algo de menor importância, agradecer em documento oficial, com o que  certamente estimulará a pessoa na prática da cidadania.

Certa ou errada, a crítica deve ser recebida com espírito aberto. Pessoas que veem um inimigo atrás de qualquer sugestão, seja pela mídia, redes sociais, e-mail ou formalizada pelo protocolo, estão fora do seu tempo.

É verdade que nem sempre isto é fácil. O presidente da subseção da OAB em um estado, com anos de atividade profissional e de exercício de outras funções na entidade, pode ficar muito irritado por um aposentado escrever ao jornal que o órgão de classe não pune seus associados quando envolvidos em infrações disciplinares graves.

O fato pode ser verdadeiro ou mentiroso. Mas o certo é que o cidadão não tem como saber se os que incidem em faltas disciplinares estão sendo processado e se existem condenados, inclusive à perda da inscrição no órgão. Por exemplo, o site da OAB do Amazonas tem um link para a Corregedoria, mas as informações que constam da página limitam-se a referências administrativas.

A Lei da Ação Civil Pública prevê, no artigo 13, que o dinheiro das indenizações nas ações coletivas irá para um Fundo a ser gerido por um Conselho Estadual. No entanto, muito embora os sites dos Ministérios Públicos Estaduais tenham um Portal da Transparência, conforme determina a Resolução 86/2012 do Conselho Nacional do Ministério Público, sobre o Fundo nada se encontra.

Assim, no âmbito  estadual paira desconhecimento sobre destino de tais verbas. Veja-se, a título de exemplo, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul e o de Santa Catarina , onde nenhum registro há a respeito. No âmbito federal a situação é melhor, pois o site do Fundo de defesa de direitos difusos, vinculado ao Ministério da Justiça, presta informações.

E nas Secretarias da Segurança Pública, como são recebidas as críticas? Com certeza, com pouca boa vontade por policiais expostos ao perigo e sem boa estrutura de trabalho. Todavia, não é a rejeição o melhor caminho.

A sociedade nem sempre tem informações sobre as dificuldades da rotina policial e a rejeição pura e simples só tornará pior o relacionamento institucional.

Imagine-se uma reclamação contra a elaboração de Boletins de Ocorrência em um município do interior de Pernambuco. A Secretaria de Segurança, como as demais, tem a sua Ouvidoria. Mas, exceto se o caso for complexo e de âmbito estadual, a solução deve ser dada na Delegacia de Polícia local, comunicando-se a quem reclama.

Porém, o mais indicado, muito embora mais trabalhoso, será um trabalho preventivo. Por exemplo, promovendo visitas de grupos de estudantes, de clubes de servir ou de outras instituições ao local, expondo as dificuldades e as conquistas.

O que foi dito para as instituições jurídicas aplica-se às pessoas individualmente, porque, afinal, aquelas são constituídas por seres humanos. Todavia, aqui se  faz uma observação: à medida que alguém sobe na escala social, as críticas diminuem. Ninguém quer se indispor com quem tenha poder de mando, porque há receio de vir a ser prejudicado de alguma forma.

Isto é negativo, pois os elogios que cercam os poderosos é proporcional às críticas que a eles são feitas pelas costas. Isto significa que a pessoa, sem que terceiros apontem seus equívocos, tende a agravá-los e a perder o respeito dos que o cercam. Por isso, o verdadeiro líder não apenas suporta, mas até agradece, as críticas que forem feitas à sua atuação.

Mas isto não se aplica só aos poderosos. Um aluno de graduação em Direito que passa a aula a consultar as mensagens no WhatsApp e por isso recebe uma crítica de um professor, feita reservadamente e com o intuito de ajudar, não deve reagir com raiva, mas sim agradecer o gesto de interesse. Se aceito, ele será decisivo na sua evolução. Se não aceito, mais tarde provavelmente o aluno será mais um dos reprovados no exame da OAB.

Ao final, tudo se resume na pergunta: quem critica, deve ser considerado um amigo ou um inimigo?

Seja qual for a resposta, o importante é reconhecer que o mundo, pessoas, gestores, instituições, mudaram e que, para alcançar seus objetivos, os líderes do sistema judicial devem estar abertos ao diálogo com a sociedade e agradecer as críticas e sugestões que lhes forem feitas. 


[1] Jornal O Estado de São Paulo, “Vossa excelência, o mandato coletivo”, 18/5/2018, p. A9.
[2] Bíblia Sagrada, Provérbios 9:8-9. Acesso 19/5/2018.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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