Limite Penal

Se você não sabe o que é soft law e lawfare, pior para você

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18 de maio de 2018, 8h00

Spacca
Estabelecer as expectativas de comportamento em face de sujeitos racionais que buscam a vitória é o desafio diário de cada um dos jogadores no processo penal[1]. Para além da normatividade, cada vez mais se utilizam standards e indicadores, por meio de soft law[2], capazes de responder ao tempo e à dinamicidade das relações de governança global.

Apesar da produção normativa padrão, por lei, comparece no cotidiano forense a elaboração continuada de resoluções, protocolos, provimentos e atos normativos, dentre outros, das mais variadas espécies e competências. Essa pluralidade é denomina por Benôit Frydman de “objetos normativos não identificados” (ONNI)[3], cada vez mais presentes no jogo processual em face da atividade dita normativa do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e dos tribunais. Desde a regulamentação da audiência de custódia, passando pela criação do acordo de não persecução penal, novos desenhos de institutos normativos são inseridos no contexto do processo penal.

Com isso, o trabalho dos jogadores acaba sendo cada vez mais complexo e delicado. Isso porque, além de conhecer o texto normativo, será necessário compreender o lugar e função não só a partir da produção normativa, a saber, lei em sentido estrito, mas dos mais diversos sistemas de soft law. Daí que surge toda a discussão sobre a legitimidade e legalidade das diversas fontes não oficiais e oficiais (estatais) de produção normativa[4]. Paralelamente a isso, surge todo o aparato de automação e de inteligência artificial. O efeito das denominadas novas tecnologias de informação e comunicação (NTCI) é avassalador e promove a necessidade de ressignificação dos processos de tomada de decisão, ampliando, dessa forma, a categoria domínio da informação atinente ao processo penal.

O protagonismo da gestão eficiente transformou o sentido da produção normativa, especialmente com a elaboração de protocolos de ação, cuja especificidade, muitas vezes, exigirá um duplo movimento do jogador profissional. Ao mesmo tempo em que poderá alegar a desconformidade democrática dos institutos, deve estar preparado para jogar conforme as novas regras.

Por isso, a Teoria dos Jogos pode ser útil para entender o design dos interesses ocultos nas diversas manifestações normativas, bem assim os trunfos que podem representar em face da estratégia eleita. A Teoria dos Jogos propicia a leitura formal dos jogadores a partir das recompensas e do custo-benefício de cada estratégia, autorizando a estabelecer expectativas de comportamento em face do custo-benefício.

De outro lado, a partir de diversos autores que demonstram o uso estratégico do Direito, surgiu recentemente a construção teórica da denominada lawfare, ou seja, a “guerra jurídica”[5]. Em resumo, significa o uso do Direito e suas diversas possibilidades como estratégia para aniquilamento do inimigo, em geral com fins políticos. Embora nascida na lógica do Direito Internacional, serve de marco de referência para promoção de ações coordenadas em face das disputadas ideológicas, mediante o uso da mídia, do Judiciário e das ações penais. As táticas de guerra invocadas anteriormente encontram no ambiente jurídico um novo campo de batalha. O processo penal acaba sendo instrumentalizado com finalidades estranhas ao seu objetivo primeiro, já que alinhado com finalidades políticas. Cada vez mais presente, serve para destruir adversários das mais diversas ordens[6]. São novas coordenadas em que se alinham as táticas e não se pode bancar o “pato”.


[1] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Teoria dos Jogos e Processo Penal: a short introduction. Florianópolis: EMais, 2018.
[2] Conferir o excelente trabalho de: ROSPA, Aline Martins. Decripitando as reformas do Poder Judiciário brasileiro motivadas pelo pluralismo transnacional: o império dos standards e indicadores. Santa Maria: Dissertação UFSM – Direito, 2018.
[3] FRYDMAN, BENÔIT. O fim do Estado de Direito: Governar por Standards e Indicadores. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016, p. 13.
[4] MORAIS, Jose Luis Bolzan de. As crises do estado e da constituição e a transformação espaço-temporal dos direitos humanos. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011; SALDANHA, Jânia Maria Lopes; MELLO, Rafaela da Cruz; LIMBERGER, Têmis. Do governo por leis à governança por números: breve análise do Trade in Service Agreement (TISA). Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 13, n. 3, 2016, p. 337-354, p. 345; SALDANHA, Jânia Maria Lopes; SILVA, Maria Beatriz Oliveira da; MELLO, Rafaela. da Cruz. Novas geometrias jurídicas e a construção de um direito comum pluralista: uma análise da aplicação da margem nacional de apreciação pelo tribunal europeu dos direitos do homem. Niterói: RCJ – Revista Culturas Jurídicas, Vol. 2, N. 3, 2015.
[5] DUNLAP JR, Charles. Lawfare, in NATIONAL SECURITY LAW 823 (John Norton Moore and Robert F. Turner, eds., 3rd ed. 2015). Does Lawfare Need an Apologia? 43 CASE WES. RES. J. INT’L L. 121 (2010). Ver mais detalhes em: https://law.duke.edu/sites/default/files/cv/c_dunlap_cv_2016current.pdf.
[6] SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; TAVARES, Natália Lucero Frias. Impeachment de 2016: uma estratégia de Lawfare político instrumental. Belo Horizonte: D'Plácido, 2017.

Autores

  • é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

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