Opinião

O limite da insignificância nos crimes tributários

Autor

  • Napoleão Lopes Junior

    é advogado criminalista master em Direito Penal e Ciências Penais pela Universidade de Barcelona e Universidade Pompeu Fabra e bacharel em Direito pela PUC-PR.

17 de maio de 2018, 6h51

A partir da análise de um caso concreto, pretende-se tratar do valor limite para aplicação do princípio da insignificância para os crimes tributários.

O acusado foi denunciado, enquanto administrador da empresa, por ter deixado de recolher, por 12 vezes, parte do montante de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os rendimentos do trabalho assalariado e sobre os aluguéis de pessoa jurídica pagos à pessoa física (Processo 5046518-67.2017.4.04.7000/PR).

O valor originário que não teria sido repassado pela empresa administrada pelo acusado somava R$ 14.613,17. Atualizado até o mês de julho de 2017, acrescido de juros e multas, o valor total chegou a R$ 40.244,71.

Após o acusado ser devidamente citado, a defesa apresentou resposta à acusação, na qual alegou que a conduta não configuraria crime, em razão da aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista que o valor do débito tributário era inferior a R$ 20 mil.

Para esse tipo de caso, o parâmetro que estabelece a insignificância da conduta é o valor de R$ 20 mil, previsto na Portaria 130 do Ministério da Fazenda, de 19/4/2012. De acordo com a disposição do artigo 2º dessa portaria, o procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20 mil, desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito.

Ou seja, se o Estado não deve prosseguir com execuções fiscais em valor igual ou inferior a R$ 20 mil, não faz sentido que débitos no mesmo patamar sejam objeto de ações penais, tendo em vista que, para proteger os interesses sociais, o Estado deve esgotar todos os meios menos lesivos que o Direito Penal antes dele utilizar-se, que nesse sentido deve constituir uma arma subsidiária, uma ultima ratio[1].

Na fixação desse parâmetro, deve ser levado em consideração apenas o valor principal do tributo não pago, desconsiderando-se as multas tributárias e os juros de mora.

Isso porque “a multa fiscal tem natureza punitiva e, portanto, não integra os tributos iludidos, vale dizer, não compõe o bem jurídico tutelado pela norma no instante de sua violação. A multa é acrescida pelo Fisco ao valor dos tributos iludidos, não podendo, destarte, ser considerada para fins de verificação da tipicidade penal, tarefa que, ressalvada a hipótese de retroação benéfica da lei penal, deve ser realizada sob a perspectiva do momento da prática da conduta”[2].

Desse modo, “o valor a ser considerado para fins de aplicação do princípio da insignificância é aquele fixado no momento da consumação do crime, vale dizer, da constituição definitiva do crédito tributário, e não aquele posteriormente alcançado com a inclusão de juros e multa por ocasião da inscrição desse crédito na dívida ativa”[3].

Sobre a aplicação do princípio da insignificância, vale transcrever recente julgado do Supremo Tribunal Federal:

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO FIXADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. I – Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Precedentes. II – Mesmo que o suposto delito tenha sido praticado antes das referidas Portarias, conforme assenta a doutrina e jurisprudência, norma posterior mais benéfica retroage em favor do acusado. III – Ordem concedida para trancar a ação penal.

(STF – HC 139.393, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 18/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 28-04-2017 PUBLIC 02-05-2017)

Não há que se olvidar, ademais, que nesses casos subsiste ao Fisco a possibilidade de cobrar do acusado na esfera competente os valores da alegada dívida tributária, o que evidencia ainda mais a irrelevância penal da conduta.

No caso concreto acima mencionado, o juízo acolheu os argumentos da defesa e entendeu pela aplicação do princípio da insignificância, com a consequente absolvição sumária do acusado, nos termos do artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal.


[1] MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal Parte General. 8ª Edición. Barcelona. 2008, p. 118.
[2] TRF-3, 2ªT, ACR 0002039-95.2007.4.03.6113, rel. des. fed. Nelton dos Santos, DJe 31/5/2012.
[3] STJ – REsp 1.306.425/RS, 6ª Turma, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 1º/7/2014. No mesmo sentido: STJ. 5ª Turma. RHC 74.756/PR, rel. min. Ribeiro Dantas, julgado em 13/12/2016.

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