Opinião

O Tribunal Superior Eleitoral entre Ulisses Guimarães e Romero Jucá

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15 de maio de 2018, 12h00

Tem profundo significado o julgamento, marcado para esta terça-feira (15/5), da Pet 128 pelo Tribunal Superior Eleitoral. Ao julgar a impugnação dos diretórios do PMDB de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre ao estatuto parido pela convenção nacional fake do PMDB “realizada” em 19 de dezembro de 2017, o TSE decidirá se a política é uma atividade pública ou um empreendimento empresarial, se a autonomia dos partidos políticos liberta-os do respeito à Constituição e às leis e se ele próprio, o TSE, é um insignificante guichê absolutamente disponível ao registro de toda e qualquer patifaria, de todo e qualquer arremedo, de todo e qualquer simulacro, de toda falsidade que a astúcia de cúpulas tirânicas de partidos políticos engrendem ou é, de direito e de fato, um órgão de prestação jurisdicional. No TSE, ganha vida e ares de legitimidade democrática qualquer papel e toda letra morta que a perfídia escreva num papel disponível ou há ali, de fato, um tribunal?

Nesse julgamento, estará em jogo a política, a vida democrática dos partidos, a existência e o sentido dos partidos políticos, sua natureza híbrida, a democracia, o princípio democrático, sua natureza constitucional e sua força cogente sobre a vida das agremiações partidárias. Se o Direito, pela mão firme da jurisprudência, assegura até mesmo a sócios de entidades associativas privadas direitos de participação democrática nos destinos da associação, mais claro ainda é o direito dos filiados e diretórios de base de um partido político de serem regidos de maneira autônoma, participativa, democrática. Os golpes de cúpula, a escalada das cúpulas, a tirania das cúpulas ofendem o princípio democrático.

Ao julgar a impugnação dos diretórios das capital do Sul do Brasil às mudanças estatutárias que o atual presidente da sigla, senador Romero Jucá, tenta impor manu militari ao partido de Ulisses Guimarães, o TSE dirá à sociedade brasileira e aos partidos se vale a ata ou valem os atos, vale o simulacro ou vale a realidade, se uma convenção que não houve vira, por mágica registral asséptica, uma verdadeira convenção, ou se uma convenção que aparentemente existiu — porque a ata diz que existiu —, mas que não existiu, deve ser objeto de dilação probatória para que a sociedade possa conhecer a verdade. Dirá o TSE se quando os convencionais e as bases impugnam a existência de uma convenção isso vem ao caso. Dirá se busca a verdade ou, como um Pilatos togado, dobra-se docilmente à tirania das formas e à tirania burocrática das cúpulas partidárias.

A cúpula do PMDB, liderada pelo senador Romero Jucá, brandindo uma ata, diz que a convenção existiu. Os convencionais que estiveram no local do fato dizem que não. E querem provar. Há a ata, mas não há o ato. A ata é um peça de ficção. A convenção não existiu porque a Justiça (15ª Vara Cível de Brasília) disse que não poderia ser realizada convenção nacional, salvo para a estrita alteração de artigos que incorporassem ao nível interno as recentes alterações legislativas do financiamento eleitoral na forma do artigo 9º da Lei 13.488/2017.

Assim, se tivesse existido a convenção, ela teria legitimidade apenas para aquela precípua finalidade, de adequar alguns artigos do estatuto ao artigo 9º da Lei 13.488/2017. Mas não existiu nem para isso. Não houve convenção, não houve trabalhos de uma convenção, não houve franqueamento da palavra para os convencionais, não houve apresentação das propostas de alteração estatutária que seriam votadas, não houve debate, não houve nada que se assemelhasse a uma convenção, salvo, claro, os discursos das autoridades. Assim, se convenção fosse sinônimo de convescote, teria havido, sim, convenção. Só que não.

Mas é mais grave. Também não houve votação. A cédula de votação é, por si mesma, a prova do absurdo e do escárnio. Logo, da nulidade da suposta convenção. A cédula de votação era composta de dois itens: (1) o quesito a respeito da mudança da sigla do partido (de PMDB para MDB), jamais explicada e nunca entendida, e (2) um item bifronte, que reunia num mesmo quesito dois assuntos completamente autônomos, um dos quais de concordância compulsória de tão óbvia, (ii) a concordância com alterações no estatuto para adequação à legislação do financiamento eleitoral, com outro que era uma verdadeira “caixa preta”, (ii) a concordância com uma misteriosa e não explicada “correção de erros materiais” supostamente cometidos anos atrás na confecção do estatuto. Uma balbúrdia, um abuso, um boçal e aparentemente esperto tratoraço.

Quanto ao primeiro quesito do segundo item da cédula, nenhum convencional de bom senso discordaria, desde que conhecesse quais as mudanças concretas no estatuto que seriam necessárias à adequação à novel legislação do financiamento eleitoral. Mas nada se disse, nada se apresentou no pouco concorrido convescote. A cúpula queria um cheque assinado em branco. Ponto.

O segundo quesito do segundo item da cédula era outro cheque assinado em branco. A pergunta sobre se o convencional concordaria com “a correção de erros materiais” é um acinte à inteligência mediana. Nenhum informação foi dada. Nem mesmo o que a cúpula entendia por erro material. Queria a cúpula, repita-se, mais um cheque assinado em branco.

Se quando vistos isoladamente cada um dos quesitos do segundo item da cédula é suficiente para anular a votação, quando se vislumbra o seu conjunto, a legitimidade da convenção simplesmente implode como as duas Torres Gêmeas. Afinal, quem concordasse com um quesito e discordasse do outro teria que votar contra o quesito com o qual concordava sob pena de aprovar aquele do qual discordava. Para ficar no exemplo mais evidente, o convencional que concordasse com a adequação do estatuto à novel legislação do financiamento eleitoral (quesito óbvio), mas discordasse (por desconfiança) da tal misteriosa e fantasmática autorização para que a cúpula alterasse o estatuto para realizar uma desconhecida “correção de erros materiais” (até por não saber o que isso objetivamente significaria), teria que votar contra a adequação do estatuto à lei eleitoral sob pena de dar à cúpula um cheque em branco para moldar o estatuto à sua imagem e semelhança. Ou seja, para que se tirasse a foto do velhinho Ulisses da parede e nela se afixasse a do ativo, sorridente e empreendedor Romero Jucá.

Como é de claridade solar, os termos em que a votação se realizou é, por si, uma fraude, e, por isso, uma fraude é a convenção pré-natalina de 2017 com que a cúpula do PMDB “presenteou” o partido. Podre a árvore, podres os frutos: o estatuto que a convenção fake pariu não merece registro no Tribunal Superior Eleitoral. O senador Romero Jucá que busque registrá-lo em algum cartório esquecido no interior de Roraima. Se conseguir quem o aceite.

Venire contra factum proprium
O presidente do partido prometeu por escrito aos diretórios estaduais — e por meio deles aos diretórios municipais e ao conjunto dos filiados — que não realizaria uma discussão ampla do estatuto. Fez isso para conter um levante dos diretórios estaduais e municipais em 2017. A carta do presidente nacional do partido aos diretórios estaduais foi juntada aos autos pelos diretórios municipais impugnantes. Disse que a convenção somente se realizaria, fundamentalmente, para atender às exigências da lei eleitoral. Prometeu que uma discussão ampla do estatuto seria feita em momento posterior, com ampla participação democrática.

Diante disso, para preservar o primado da honestidade intelectual e o valor da palavra dada, pedras de toque da convivência democrática intrapartidária, é preciso que o TSE atenda ao pedido dos diretórios impugnantes e aplique o princípio venire contra factum proprium.

A quaestio iuris: o martírio da seção pernambucana
Os impugnantes são o Fórum Sul do PMDB, que reúne os diretórios das capitais da região. Mas os beneficiários da impugnação são todas as instâncias subnacionais do partido, seus diretórios nacionais, municipais e zonais, e o conjunto dos filiados. No julgamento estão em jogo dois conceitos de partido e de vida democrática. De um lado, o estatuto que fixa no plural e participativo conselho nacional o centro das decisões de natureza estratégica do partido. O conselho nacional é composto dos membros da comissão executiva nacional, presidentes dos diretórios estaduais e, sendo filiados ao partido, os ex-presidentes nacionais, ex-presidentes da República, governadores do Estado, presidentes da Câmara dos Deputados e Senado Federal e pelos ex-líderes do partido nas duas Casas do Congresso Nacional. É obra da restauração democrática sob o comando agregador de Ulisses Guimarães.

Com base nesse estatuto e no poder do conselho nacional de intervir e dissolver diretórios estaduais é que o Diretório Estadual de Pernambuco resiste às investidas de Romero Jucá para entregar o partido a quem melhor lhe aprouver. A luta de resistência do PMDB de Pernambuco dura anos e chegou ao Supremo Tribunal Federal, tendo o ministro Ricardo Lewandowski deferido duas liminares para que o atropelo do senador Romero Jucá não varresse da direção do partido o insuspeito senador Jarbas Vasconcelos e com ele a democracia interna e o respeito à autonomia das seções estaduais.

É contra esse estatuto que se volta com a faca nos dentes e sangue nos olhos o incansável senador Romero Jucá. Com tal desiderato antidemocrático e não republicano, inventou, às vésperas do Natal de 2017, uma convenção fake, registrou-a num pedaço de papel, a que chamou de ata, e correu ao Tribunal Superior Eleitoral, num janeiro distraído, para registrá-la. Só que os atilados diretórios peemedebistas do Sul do Brasil disseram não à perfídia e impugnaram as alterações estatuárias. É essa impugnação que o TSE julga nesta terça.

PMDB ou MDB?
Convenhamos que a mudança da sigla do partido (de PMDB para MDB), para ficar num exemplo óbvio, é assunto que interesse a todas as instâncias partidárias, a todos os filiados. Por que mudar? Mudar para quê? Para lavar o passado? O passado de quem? De Ulisses ou de Romero Jucá?

Ulisses Guimarães ou Romero Jucá
Cada um só faz o que pode, só dá o que tem e só mostra o que é. O TSE mostrará o que é no julgamento desta terça ao reconhecer o direito dos filiados de escolher entre o estatuto da democracia e da unidade nacional e da pluralidade federativa de Ulisses Guimarães e o estatuto da produtividade gerencial, da franchising, em que uma superpoderosa executiva nacional produz e outorga manu militari e à la carte composições eleitorais regionais a seu bel prazer. Tal escolha somente poderá ser feita numa convenção nacional do partido. O convescote pré-natalino de 2017 não foi uma convenção. Se o TSE rejeitar o direito dos diretórios e filiados à vida democrática intrapartidária, será a morte do partido de Ulisses Guimarães e a cristalização do império do partido de Romero Jucá.

Não pode acontecer. Não acontecerá. Mas surge, inevitável, a pergunta: é com TSE e tudo?

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