Opinião

No processo penal, convicção, indícios e provas são coisas diferentes

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14 de maio de 2018, 10h30

Indício é a circunstância indicativa de que um fato existe, existiu, ou existirá. Nuvens escuras e carregadas são indícios de chuva. Um galo cantando é indício que vai amanhecer. Entrada de vento sul é indício de frio. A probabilidade da indicação, ou sinalização, é variável, e daí cogitar-se de maior ou menor força do indício. Normalmente são as regras da experiência que conhecem a força dos indícios. Essa força pode ser tão intensa ao ponto de gerar a convicção, e daí, o indício, sozinho, adquire o status de prova.

Toda a prova é, antes, indício. Normalmente, os indícios, isoladamente, não chegam a ser prova. Para chegar a ser prova precisam se apoiar uns nos outros. Quase sempre a prova é constituída por um conjunto de indícios, uns apoiados nos outros, uns complementando, interagindo e confirmando uma aos outros. É em grupo e em interação que são capazes de gerar a convicção, o elemento subjetivo que integra o conceito de prova.

Indício é a circunstância demonstrada, comprovada, que sugere que outra está ocorrendo, ocorreu ou ocorrerá. Caminhando na calçada, olhando para o chão, ver bolinhas verdes de semente de cinamomo sugere (não é certo, mas aventa, insinua, indica, aponta) que se está debaixo de uma árvore de cinamomo. Se for dia de sol, e na calçada onde está a semente houver sombra, se está diante de mais um indício da existência de uma árvore acima. Se nos arredores não existirem edifícios ou casas altas a justificar aquela sombra, soma-se outro indício de que se trata de uma árvore. Se surgirem mais sementes de cinamomo espalhadas pela calçada já são vários os indícios. Se esse personagem que estiver caminhando for dotado de bom olfato e perceber o cheiro característico exalado por cinamomos, então, “poderá ficar convicto” de que acima dele há uma árvore de cinamomo. Diante do conjunto de indícios existentes, e estando convicto, irá considerar provado existir uma árvore de cinamomo acima dele.

Isso em razão de que prova é o conjunto de indícios capazes de autorizar a convicção quanto a existência de um fato.

Convicção é convencimento, certeza. Há certa racionalidade nesses sinônimos. Mas é também crença, fé, o que já não é tão racional. A convicção deve ser muito antiga no homem. Ela é indispensável às opções da conduta.

Vamos imaginar um parente distante do gênero Homo, cerca de 1,5 milhão anos atrás em um galho de árvore, indeciso entre colher a fruta do galho acima e a que se encontra no chão. Em algum momento, ele, por mais rudimentar que fosse o funcionamento de seu cérebro, toma uma decisão, e essa decisão é precedida, necessariamente, de algo semelhante ao que hoje denominamos de convicção, pois não é crível que suas decisões fossem todas aleatórias. Sim, estamos especulando.

A convicção parece imprescindível, inclusive para a sobrevivência, para lutar, para se defender. Se caminhamos por uma rua escura e do lado oposto vem alguém que nos parece suspeito em razão de certo movimentos corporais, e algumas outras sinalizações, ficamos alertas. Em dado momento, como que somos surpreendidos pela convicção que seremos agredidos, e todo o corpo se prepara para a defesa, para o ataque, ou para a fuga. A convicção, essa crença, essa fé inabalável, essa coisa inata, meio irracional, animal, corporal, quando começa, termina a racionalidade, e corpo e mente se transformam em órgãos decisórios.

Transportando essa narrativa para o processo crime, também nele há uma fase em que é preciso terminar com a incerteza e colocar força em uma decisão. Daí a perfeição das palavras do filósofo francês Paul Valéry quando disse que a “convicção é a palavra que permite pôr, com a consciência tranquila, o tom da força ao serviço da incerteza”.

O conceito de prova é de importância fundamental. Não obstante a relevância, eles são os mais variados na doutrina. Tamanha diversidade nos deixa livre para empreender nossa construção. Indício é a circunstância indicativa de que um fato existe, existiu ou existirá. Convicção é convencimento, certeza. Nessas condições, prova é o indício ou o conjunto de indícios capazes de autorizar a convicção de que um fato existe, existiu ou existirá.

É preciso que haja não apenas a convicção como também os indícios. Em se tratando de um conjunto de indícios, devem estar uns apoiados nos outros, uns complementando, e interagindo com os outros, vale dizer, serem efetivamente convincentes. Indícios, por maior que seja a quantidade, se inconvincentes, não são prova.

Indício é a circunstância indicativa de que um fato existe. Quando ele convence por si só, é prova também. O auto de necropsia é indício. Como ele convincente quanto à ocorrência do fato morte, ele prova a morte. Trata-se de exemplo de indício que isoladamente constitui prova de um fato.

Normalmente, a prova de um fato se faz com um conjunto de indícios apoiados uns nos outros, uns complementando e interagindo com os outros. Indaga-se, o depoimento da testemunha é prova ou indício?

Respondendo: pode ser um, outro ou os dois.

Em relação a determinado fato narrado pela testemunha, o depoimento pode valer como prova; em relação a outro fato, pode valer como indício. Depende da verossimilhança do depoimento, de como ele se harmoniza com o acervo probatório, com a credibilidade que ele é capaz de gerar. Então, não é só porque em um processo os meios de prova são apresentados na forma de documentos, ou de testemunhas, ou de perícias é que se “dispõe de provas” nesse processo. Não.

Até ai, só o que se tem são meios de prova. Provas não são meios de prova. Provas são indícios com potencial suficiente para gerar a convicção quanto à existência de determinado fato. Não faz sentido, então, dizer-se que a prova indiciária é apenas um “tipo” de prova. A prova indiciária é normalmente “a prova” do processo penal. Não é a exceção. É a regra. É a principal prova do processo penal.

O processo mental de julgamento é racional. Ao examinar a prova, não há como fugir do exame das probabilidades para determinar se o acusado é culpado ou inocente. Evidentemente, o juiz não faz cálculos de probabilidade (binômio de Newton, cálculos estatísticos), mas a razão é fundada, consciente e inconscientemente, em ponderações que envolvem probabilidades. Haverá, ao final do processo, o acervo probatório (a soma total das provas colhidas), o qual admitirá tanto a tese defensiva como a acusatória. Será preciso avaliar qual o grau de probabilidade dessas teses, considerados os índícios e contra-indícios diversos.

No caso de condenação, o final desse juízo de probabilidades é precedido pela “convicção”, palavra que permite pôr, com a consciência tranquila, o tom da força ao serviço da incerteza (Paul Valéry).

Na absolvição, em geral o magistrado não consegue se convencer da culpa do acusado. Algumas vezes, mas não é comum, tem por provada a inocência.

Quanto mais elaborado for o processo racional do juiz, quanto “mais tempo” levar a fase racional de exame de teses, de provas e de probabilidades, e mais for adiado o gatilho da convicção, melhor tende a ser a qualidade da prestação jurisdicional, pois que na medida em que vai surgindo a convicção, ato de crença, vai se apagando a racionalidade. Quando a convicção é completa, não há mais razão.

Essas são as razões por que passionalidade seja uma caraterística indesejada nos juízes. Encurta a racionalidade e apressa as convicções. Não é sem motivo que características desejáveis em juízes sejam a serenidade e o equilíbrio. A serenidade, ao contrário da paixão, sossega as convicções. Não é à toa que, normalmente, juízes parciais são aqueles que creem que possuem uma missão a cumprir. São apaixonados. Possuem olhos fixos em algum objetivo distante. A convicção é dura e firme. O olhar dos juízes serenos e equilibrados não ultrapassa os olhos do outro. É o olhar dos que conseguem reconhecer o outro.

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