Espécie inteligente

Juiz dos EUA questiona conceito de pessoa em julgamento de HC a chimpanzés

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12 de maio de 2018, 7h17

Confinados há anos pelos donos em pequenas jaulas de um depósito nos Estados Unidos, os chimpanzés Tommy e Kiko tiveram negado pedido de Habeas Corpus impetrado pela organização Nonhuman Rights Project em nome deles. Um tribunal de recursos de Nova York concluiu que o HC só pode ser concedido a humanos.

Os juízes reconheceram que chimpanzés não são humanos. “Mas também não é uma coisa”, escreveu o juiz Eugene Fahey em voto concorrente. Ele concordou com a decisão da maioria da corte de não conceder Habeas Corpus por motivos técnicos, mas quis deixar claro que discordava do mérito.

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Organização pediu Habeas Corpus em nome de dupla de chimpanzés, em caso
que ficou conhecido no exterior.
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“A questão é: tal ser vivo deve ser tratado como uma pessoa ou como uma propriedade ou, em essência, uma coisa? Essa não é apenas uma questão de definição, mas um profundo dilema de ética e de política que demanda nossa atenção”, afirmou. Com base em pareceres de “eminentes primatologistas”, Fahey escreveu:

“Os chimpanzés têm habilidades cognitivas avançadas, incluindo a de lembrar o passado e planejar o futuro, a capacidade de autoconhecimento e autocontrole e a habilidade de se comunicar através da linguagem dos sinais. Chimpanzés fazem ferramentas para capturar insetos; eles se reconhecem em espelhos, fotografias e imagens de televisão; eles imitam os outros; exibem compaixão e depressão quando um membro da comunidade morre; eles têm até mesmo um senso de humor. Chimpanzés já demonstraram autonomia ao realizar ações intencionais, adequadamente informadas, sem influências controladoras”, declarou.

O juiz ainda questionou: “um animal inteligente, mas não humano, que pensa, planeja e aprecia a vida como um ser humano, tem o direito à proteção da lei contra crueldades arbitrárias e detenções forçadas?”.

Ele disse que tratar um chimpanzé como se não tivesse direito à liberdade é negar totalmente seu valor e considerá-lo apenas um uma coisa cujo valor consiste apenas em sua utilidade para os humanos. Em vez disso, declarou, deveríamos considerar se um chimpanzé é um indivíduo com valor inerente e que tem o direito de ser tratado com respeito”.

Conceito nebuloso
Segundo o juiz, seus colegas de primeira e segunda instância entenderam que o chimpanzé não tem direito de ser libertado através de HC porque não pode ser considerado uma “pessoa” – e não é membro da espécie humana.

No entanto, a legislação sobre Habeas Corpus não define o que é “pessoa”. Assim, seus colegas se valeram de definições de dicionários, não de alguma lei, para concluir que chimpanzé não tem os mesmos direitos das pessoas. Nem levaram em conta que os dicionários explicam que a palavra se estende a qualquer “entidade que é reconhecida pela lei como tendo a maioria dos direitos e deveres de um ser humano”.

Foi com base nesse entendimento que a Suprema Corte decidiu que empresas são “pessoas”, para sustentar o argumento de que elas podem contribuir para campanhas eleitorais no valor que quiserem, sem restrições. As corporações “também têm certos direitos e deveres”.

O juiz comentou que seus colegas de primeira e segunda instâncias entenderam que o chimpanzé não é pessoa porque lhe falta “a capacidade ou habilidade de cumprir deveres jurídicos ou ser responsabilizado legalmente por suas ações”. Nesse caso, disse Fahey, crianças, pessoas com demência ou qualquer deficiência mental também não teriam direito a Habeas Corpus, se presas.

Em resumo, ser um “agente moral”, que pode decidir livremente agir de acordo com a moralidade não é necessariamente uma condição para ser um “paciente moral”, que pode ser vítima de coisa erradas e tem o direito de buscar na Justiça remédios para corrigir as coisas erradas, escreveu o autor da divergência.

“Eu concordo com o princípio de que todos os seres humanos possuem intrinsicamente dignidade e valor e têm, nos Estados Unidos e territórios, o privilégio constitucional do habeas corpus, independentemente de serem cidadãos americanos. Mas, ao elevar a nossa espécie, não precisamos diminuir o status de outra espécie altamente inteligente.

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