Reflexões Trabalhistas

O papel do Direito do Trabalho e o Estado de bem-estar social

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

11 de maio de 2018, 8h00

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Como asseveramos em artigo publicado nesta coluna dia 20 de abril (O papel do Direito do Trabalho na sociedade contemporânea), no Brasil, como em muitos outros países, os trabalhadores obtiveram importantes conquistas, culminando com as garantias sociais consagradas pela Constituição Federal de 1988, somadas a outros direitos obtidos nas negociações coletivas e normatizados pela Justiça do Trabalho, com o apoio de movimentos grevistas, embora nunca tenham atingido o chamado Estado do bem-estar social, como noutros países, especialmente nos europeus.

Nota-se que o chamado Estado Social depende da política de cada governo e que os governos de esquerda são mais afáveis às políticas sociais, enquanto que os de direita são mais conservadores e defendem a mínima atuação do Estado em prol do povo mais necessitado. Por isso, nestes governos ganham espaço as políticas neoliberais: liberdade econômica e de comércio, menos intervenção do Estado no mercado de trabalho, incentivo à autonomia individual da vontade, abertura econômica às multinacionais, mesmo comprometendo a soberania nacional, entre outras políticas não benéficas ao povo mais pobre, como está acontecendo no Brasil com o avanço do neoliberalismo, cuja política se volta a flexibilizar ao máximo as relações de trabalho, para dar maior liberdade aos empregadores, sobrepor o negociado in pejus sobre o legislado, liberar a terceirização irrestrita. Isso, contudo, é perigoso para o próprio capital, que deixa de crescer se o povo não tem dinheiro para comprar e consumir.

Disse Nestor de Buen (O Estado do mal-estar, Revista LTr, São Paulo, ano 62, n. 5, 1998, p. 61/62) que “tornou-se moda imputar ao Estado do bem-estar as causas reais da crise. Nesse sentido, foram escolhidas duas vítimas propícias: a seguridade social e o Direito do Trabalho. Pelos rumos da Grã-Bretanha, Margareth Thatcher e, em seguida, seu sócio americano, Ronald Reagan, lideraram a feroz campanha contra o EB (Estado do Bem-Estar), ajudados pelas agressões acadêmicas da escola de Chicago de Nilton Friedman”.

Continuando sua reflexão sobre o tema da globalização, reproduz Buen a seguinte manifestação de Nilton Friedman, considerado o guru do neoliberalismo: “O conjunto de medidas conhecidas sob a capciosa denominação de seguridade social tem efeitos tão nefastos sobre a economia de um país como a política de salários mínimos, assistência médica para determinados grupos, habitações populares, preços agrícolas subvencionados etc.”. Assim, acrescenta que, “na concepção neoliberal, o bem-estar social pertence ao âmbito privado, ou seja, deve ser gerado pelo esforço individual e resolvido em família ou no mercado”, concepção esta incompatível com a existência de vários direitos, como os direitos sociais, a solidariedade e as instituições públicas voltadas à manutenção do bem-estar social.

Nessa senda e com muita pressa foi feita uma reforma trabalhista no Brasil com a aprovação da Lei 13.467, de 13/7/2017, que poderá acarretar empecilhos na busca da inclusão social dos trabalhadores, como vinha sendo a tônica desde o início das mais basilares conquistas, como salário mínimo, jornada de 8 horas diárias de trabalho e seguridade social.

São muitas as alterações trazidas pela nova lei, que, embora se diga que não houve supressão de direitos, é inegável que, mesmo que por vias transversas, os trabalhadores sofrerão prejuízos no decorrer do tempo. São exemplos disso, como afirmam estudiosos do Direito, a pejotização, a terceirização, o pagamento abaixo do salário mínimo, a flexibilização e o aumento das jornadas de trabalho, a autorização generalizada do trabalho intermitente, a redução do intervalo intrajornada, o trabalho da gestante em atividades insalubres, a redução da responsabilidade do empregador, a negociação individual para quem ganha acima de R$ 11 mil por mês, o negociado sobre o legislado, a eleição de representantes de trabalhadores nas empresas sem participação dos sindicatos, a redução dos intervalos de descanso, o tabelamento das indenizações por dano moral, a restrição de acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho e a limitação de atuação dessa Justiça especializada, entre outros.

Sobre a terceirização ampla aprovada pela Lei 13.467/17, na Nota Técnica 4 de 23/1/2017, o Ministério Público do Trabalho alertou para os principais retrocessos e prejuízos que poderão ocorrer para a saúde e segurança dos trabalhadores, indicando que os terceirizados “sofrem 80% dos acidentes de trabalho fatais; sofrem com piores condições de saúde e segurança no trabalho; recebem salários menores do que os empregados diretos; cumprem jornadas maiores do que os empregados diretos; recebem menos benefícios indiretos, como planos de saúde, auxílio-alimentação, etc.; permanecem menos tempo na empresa (maior rotatividade de mão de obra, com contratos mais curtos); sofrem com a fragmentação da representação sindical; quando 'pejotizados' perdem todos os direitos previstos na CLT”.

Nesse sentido, preleciona Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Curso de Direito Ambiental brasileiro, p. 24. São Paulo: Saraiva, 2000), ao tratar do princípio do desenvolvimento sustentável, que, “em face da transformação sociopolítica-econômica-tecnológica, percebeu-se a necessidade de um modelo estatal intervencionista, com a finalidade de reequilibrar o mercado econômico”, acrescentando que “a proteção do meio ambiente e o fenômeno desenvolvimentista (sendo composto pela livre iniciativa) passaram a fazer parte de um objetivo comum, pressupondo a convergência de objetivos das políticas de desenvolvimento econômico, social e de proteção ambiental”.

Diante do exposto, cabe refletir sobre o que estabelece a Constituição Federal brasileira, a qual preconiza que a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e deverá regrar-se pelos ditames de justiça social (CF, artigo 170).

Autores

  • Brave

    é consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e professor titular do Centro Universitário UDF e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), além de membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador e Ações acidentárias na Justiça do Trabalho.

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