Opinião

As mudanças da LINDB e seus efeitos positivos no licenciamento ambiental

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10 de maio de 2018, 10h24

No final de abril, foi aprovada a Lei 13.655/2018, que altera a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e dispõe sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do Direito Público.

Desde que foi aprovado pelo Congresso Nacional, o projeto que resultou nessa lei vinha gerando reações antagônicas, sendo aplaudido por uns e severamente criticado por outros, conforme se pôde ver em artigos publicados nos últimos dias pela ConJur. Seus críticos questionavam desde a pouca discussão ocorrida durante a tramitação do texto no Congresso até os supostos embaraços que ele causará às atividades de controle, em especial aquelas desenvolvidas pelos tribunais de contas, por isso pediam seu veto integral. Do lado oposto, os defensores do texto sustentavam, a nosso ver com razão, que ele não prejudica o controle, mas racionaliza seu exercício para promover algo que há muito anda em falta no Brasil: a segurança jurídica.

Apesar de não ter alterado diretamente a legislação ambiental, essa lei trata dos atos e processos administrativos em geral, caso do licenciamento ambiental. Pretendemos apontar neste artigo como este procedimento e as licenças ambientais poderão ser positivamente afetados pelas mudanças trazidas.

O licenciamento ambiental é um dos instrumentos previstos na Política Nacional do Meio Ambiente e colocado sob gestão da administração pública para alcançar os seus objetivos. Por meio dele, o órgão licenciador, antes de aprovar a localização, instalação, ampliação e operação de determinados empreendimentos ou atividades, identifica, no âmbito de um procedimento administrativo, os potenciais impactos ambientais de sua implementação e define as medidas destinadas a preveni-los, mitigá-los ou compensá-los.

Nos últimos tempos, esse instrumento de controle vem sendo acusado, nem sempre de forma justa, de ser um dos entraves para o desenvolvimento econômico e social do país. A insatisfação com seu desempenho tem inclusive motivando legítimos debates sobre a conveniência de se criar uma lei geral do licenciamento[1], cujo objetivo seria justamente resolver alguns dos problemas que se entende presentes no modelo atual.

Dentre as críticas dirigidas ao licenciamento, as mais frequentes dizem respeito à morosidade na concessão das licenças e à falta de segurança jurídica das decisões nele tomadas, especialmente em razão de seu constante questionamento judicial e da imprevisibilidade das decisões judiciais sobre a matéria. Apesar de não versar especificamente sobre o licenciamento, as alterações à LINDB feitas pela nova lei trazem algumas soluções interessantes que serão aplicáveis a esse procedimento e podem contribuir para o enfrentamento desses problemas.

A tentativa de combate à morosidade ou imobilismo da administração pode ser vista nos dispositivos que tratam da responsabilidade do agente público. O artigo 28, por exemplo, restringe a possibilidade de responsabilização pessoal aos casos em que o agente tenha agido com dolo ou erro grosseiro. Isso significa que meros equívocos cometidos na condução de um complexo processo de licenciamento, por exemplo, não ensejarão a responsabilização do agente, sendo necessário que esse tenha agido com dolo ou negligência, imperícia e imprudência graves. O projeto original ia mais longe e garantia apoio ao agente público em sua defesa quando o ato questionado tivesse sido praticado no exercício regular de sua competência, evitando que ele fosse penalizado pelo simples fato de ter se aventurado a gerir a coisa pública, ainda que ao final ficasse comprovado que agiu corretamente. Contudo, essa previsão foi vetada.

Nessa mesma linha, o artigo 22 apresenta como critério para interpretação de normas de gestão pública a observância dos obstáculos e das dificuldades reais do gestor e das exigências das políticas públicas a seu cargo. E mais: exige que sejam consideradas nas decisões que versem sobre a regularidade do ato ou processo as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. Com isso, pretende-se colocar os órgãos de controle ou o Judiciário verdadeiramente nos sapatos daquele que tomou a decisão em determinado momento, muitas vezes para atender demanda urgente e sem que a entidade à qual esteja vinculado tenha estrutura adequada.

Apesar de objeto de críticas por algumas entidades, que vislumbram nessas medidas uma forma de dificultar a punição de agentes que violam a lei, elas podem dar ao gestor público a tranquilidade necessária para a tomada de decisões que por vezes são atrasadas — ou simplesmente não são tomadas — pelo receio paralisante de penalização por escolhas que depois se mostrem, na visão dos órgãos de controle ou do Poder Judiciário, inadequadas. Esse receio se amplifica em processos de licenciamento complexos, nos quais pode haver dissenso genuíno sobre questões relevantes. É claro que não se pode ignorar que, em matéria de licenciamento, o agente público ainda terá pela frente o artigo 67 da Lei de Crimes Ambientais, que tipifica como crime, na modalidade culposa, a concessão de licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do poder público. Contudo, a nova lei pode influenciar no grau de culpa exigido para aplicação desse tipo penal.

A tentativa de racionalização do controle judicial dos atos e processos administrativos é também uma constante no texto. O artigo 20 não só reforça o dever constitucional de motivação como também, seguindo os passos do artigo 489, parágrafo 1º, do novo CPC, indica alguns parâmetros mínimos de como isso deve ser feito nas decisões baseadas em valores jurídicos abstratos, exigindo que as consequências práticas da decisão sejam consideradas e que a necessidade e adequação da medida imposta e da invalidação do ato sejam demonstradas. Isso exige do Poder Judiciário um esforço argumentativo por vezes deixado de lado em decisões baseadas em princípios jurídicos, especialmente em matéria ambiental, onde por vezes se invoca um princípio, sem maiores explicações, para camuflar uma decisão voluntarista. O texto evidentemente não pretende impedir a aplicação dos princípios, como afirmaram alguns críticos, mas racionalizá-la por meio dessas exigências.

A tentativa de se melhorar a qualidade das decisões é reforçada pelo artigo 21, o qual exige do juiz a indicação das consequências de seu ato decisório quando invalidar um ato ou processo, de modo a deixar claro que todos os aspectos fáticos relevantes para o caso foram efetivamente considerados. Esse mesmo dispositivo também ordena que, quando for o caso, a decisão que invalidar o ato ou processo indique condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime, o que pode ser de grande valia em discussões sobre a validade de licenças ambientais. Isso porque é comum que decisões de investimento sejam tomadas pelos agentes econômicos justamente pela confiança que depositam nas licenças. Logo, é desejável que essa confiança não seja frustrada com a invalidação do ato sem que, sempre que possível, o administrado que não tenha contribuído com o equívoco cometido tenha possibilidade de regularizar sua situação em condições razoáveis.

Há também dispositivos que buscam assegurar maior previsibilidade nas decisões e evitar comportamentos contraditórios da administração pública. O artigo 23 estabelece que a interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado deve ser acompanhada da indicação de regimes de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente. Assim, uma decisão judicial que, interpretando norma de conteúdo indeterminado (o conceito de significativo impacto ambiental, por exemplo), entenda que o licenciamento de determinado empreendimento deveria ter seguido dado procedimento ou sido precedido um estudo, não poderá, em regra, simplesmente determinar que este seja aplicado sem estabelecer um regime de transição que preencha os requisitos acima. Por sua vez, o artigo 30 torna vinculantes, para o órgão e entidade que os edite, regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas, até ulterior revisão. Ou seja, busca permitir que o administrado não seja surpreendido com mudanças repentinas e, o que é pior, tentativas de aplicação retroativa de entendimentos alterados.

Por fim, vale destacar que o projeto original aprovado pelo Congresso trazia ainda uma inovadora ação declaratória de validade de ato ou processo. Por meio desse instrumento processual, o administrador poderia, por exemplo, blindar determinada licença ou processo de licenciamento por meio da declaração judicial de sua validade. Com isso, poder-se-ia evitar os efeitos deletérios para o planejamento estatal de suspensões de licenças no curso da implementação de um empreendimento relevante para o interesse geral, além de salvaguardar o gestor público dos riscos de responsabilização. Contudo, o dispositivo que criava esse instrumento (artigo 25) foi vetado sob o argumento de que poderia acarretar em “excessiva demanda judicial injustificada, tendo em vista a abrangência de cabimento” e também porque haveria “omissão quanto à eficácia de decisões administrativas ou de controle anteriores à impetração da ação declaratória de validade”.

Como se percebe, os potenciais efeitos virtuosos da nova lei sobre um instrumento tão importante como o licenciamento ambiental são notórios. Porém, a transformação desse potencial em resultados práticos dependerá de como seu texto será efetivamente interpretado e aplicado. Se essa observação é válida para as leis novas de forma geral, ganha ainda mais força em uma lei que nasce cercada de vivos debates e resistência de muitos dos órgãos impactados pelas mudanças.


[1] Há inúmeros projetos tratando do tema na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Atualmente, o que vem recebendo maior atenção é o Projeto de Lei da Câmara 3.729/2004.

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