Eleições no horizonte

"Combate a fake news pelo Estado pode virar censura", diz estrategista político

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10 de maio de 2018, 19h23

A legislação eleitoral não alcança todas as possibilidades de campanha pela internet, mas isso não chega a ser um defeito. Na era da "pós-verdade", os eleitores é que têm de aprender a conviver com notícias falsas, verdadeiras, mal intencionadas e de outros tipos, afirma Arick Wierson, estrategista político famoso por ter trabalhado na campanha do ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg.

PAT LILJA/TZU
PAT LILJA/TZUEstrategista atuou na campanha política do republicano Michael Bloomberg, em 2001.

Na opinião dele, o Estado não deve participar do combate às chamadas fake news durante as eleições. "O combate à fake news não vai ser resolvido por meio de legislação. O mais importante é fortalecer as instituições, ter mais responsabilidade por parte da imprensa, mais educação e conscientização por parte do eleitorado", afirma, em entrevista exclusiva à ConJur. "Se o Estado intervier demais poderá ser visto como forma de censura."

O marqueteiro está no Brasil para participar de evento em que serão discutidos os desafios para o país durante as eleições deste ano. Mas ele já morou no Brasil durante sete anos, quando fez mestrado em Economia, pela Unicamp. Agora, volta ao país para lançar uma empresa de marketing político, a TZU. Ele vê no esvaziamento do mercado pela prisão dos marqueteiros tradicionais uma oportunidade encontrar o "Michael Bloomberg brasileiro".

Leia a entrevista:

ConJur — Têm ficado comuns análises de que as eleições brasileiras deste ano serão diretamente influenciadas por redes sociais. Concorda que elas terão tanta importância?
Arick Wierson — Quase metade da população tem acesso a uma ferramenta só, o Facebook, e com isso acredita-se que as redes sociais terão muito peso na campanha eleitoral. Ao examinar as disposições do Tribunal Superior Eleitoral e ver como eles imaginam o controle do uso da internet nas eleições, dá para perceber que há inúmeras lacunas que, logicamente, serão aproveitadas nas campanhas.

ConJur — A criação de legislação eleitoral específica para redes sociais seria uma solução para evitar essas lacunas?
Arick Wierson —
Não creio que isso vá funcionar muito bem, porque o Estado tende a ficar um ou dois passos atrás da tecnologia com relação às redes sociais. O Estado nunca vai conseguir monitorar 100% o uso das mídias sociais da maneira como gostaria, portanto sempre vai haver uma distância entre o que o Estado acha permissível e o que as campanhas e eleitores acham que é válido.

ConJur — No caso das fake news, a legislação brasileira está preparada para lidar com o tema? E quanto à  legislação do mundo?
Arick Wierson —
Estamos vivendo a era da "pós-verdade". Isso quer dizer que temos que conviver com notícias verídicas, falsas e outros vários tipos que estão entre esses dois pontos. O grande problema para muitos é que se o Estado intervier demais poderá ser visto como forma de censura, mesmo sem querer. É justamente por esse motivo que o Estado sempre vai “pisar em ovos” com relação às fake news e ao controle de notícias.

ConJur — Governos devem adotar um tipo de regulamentação, como o Marco Civil, ou a responsabilidade deve partir das empresas?
Arick Wierson —
Sou sempre a favor de o mercado se autorregular. Se, em algum momento, essas notícias falsas afetarem o lucro e as ganâncias do setor privado, eles mesmos vão ter que agir para resolver isso. O combate à fake news não vai ser resolvido por meio de legislação. O mais importante é fortalecer as instituições, ter mais responsabilidade por parte da imprensa, mais educação e conscientização por parte do eleitorado.

ConJur— E qual é o papel do eleitor nesse contexto?
Arick Wierson —
Daqui em diante, o eleitor e consumidor [de notícias] terão que procurar diferenciar o que é ou não verdadeiro. As fake news são um fenômeno muito parecido com os vírus de computador que surgiram nos anos 90, e que, depois de um tempo, a indústria soube criar uma série de ferramentas contra eles. No futuro vai haver uma série de ferramentas parecidas que ajudarão a diferenciar o grau de confiabilidade de cada notícia.

ConJur — Como a ciência de dados impacta o marketing político, em especial nas eleições?
Arick Wierson —
A ciência de dados é extremamente importante no marketing político. O desafio é saber a origem dos dados que farão parte da análise, que é um fator muito importante para as campanhas. É necessário ter certeza da idoneidade e confiabilidade dos dados, e que sejam dados adquiridos de forma legal. Aplicativos como o Facebook têm inúmeras ferramentas internas que a maior parte das campanhas não sabe como utilizar direito.

ConJur — Foi o caso da Cambridge Analytica?
Arick Wierson —
O problema da Cambridge Analytica foi a origem dos dados de usuários e não a análise propriamente dita. A gente estima que os usuários do Facebook, contratados para atuar em campanhas na rede social, aproveitam apenas 10% do poder que a ferramenta dispõe.

A empresa que estou ajudando a lançar aqui no Brasil procura aproveitar um pouco disso, trazendo o know-how dos Estados Unidos para o mercado brasileiro e sobretudo para as campanhas eleitorais desse ciclo.

ConJur — Pode contar um pouco da experiência com a eleição de Michael Bloomberg? O que mudou no marketing político de lá para cá?
Arick Wierson —
A eleição de 2001 foi uma experiência inédita por muitas razões. Foi a primeira vez que um verdadeiro bilionário se candidatou para ser prefeito de Nova York. Ele não era muito conhecido fora do ramo financeiro, portanto foi uma experiência muito interessante. O segundo elemento foi o ataque terrorista de 11 de setembro. Por circunstâncias oriundas do ataque, o eleitor queria um administrador, algum técnico para a reconstrução da cidade.

Vejo que há uma linha paralela com a situação no Brasil, que não sofreu nenhum ataque terrorista, mas sofreu ataque em muitas outras frentes: política, econômica e, inclusive, uma crise de governança. A missão da TZU será encontrar o Michael Bloomberg no Brasil. Igual a 2001, temos poucos meses para tirar essas pessoas do anonimato e projetá-los como líderes.

ConJur — Como a "lava jato" afetou o cenário eleitoral brasileiro?
Arick Wierson —
Sem dúvidas a operação afetou o ciclo eleitoral. Até pouco tempo, Lula estava na frente das pesquisas, e o caso dele atrasou todo o calendário. Desde a formação de alianças e coligações, até os presidenciáveis, porque todos esperaram resolução do caso dele. Além disso, uma das razões pelas quais estou no Brasil é porque houve um vazamento geral de marqueteiros tradicionais, com longa experiência de atuação. Alguns estão na cadeia, outros estão fora do campo e isso abre uma lacuna no mercado em termos de marketing político.

ConJur — E por que trazer a empresa de marketing político para cá?
Arick Wierson —
Escolhemos o Brasil por ser um mercado grande, com muita adesão às redes sociais, e que se assemelha muito com o americano. Existe uma cultura de ter consultores, estrategistas e marqueteiros americanos que vão para países ajudar com as eleições, mas acredito que na maior parte dos casos isso não ajuda muito. Até porque são culturas diferentes, e esses profissionais acabam não entendendo a língua, o sistema eleitoral e político. Eu tenho forte ligação com o país, morei aqui durante sete anos, isso será um diferencial.

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