Opinião

E continua o lawfare contra o
ex-presidente Lula

Autor

  • Afranio Silva Jardim

    é mestre e livre-docente em Direito Processual Penal pela Uerj professor associado de Direito Processual da Uerj (aposentado) procurador de Justiça (aposentado) do MP-RJ.

9 de maio de 2018, 16h44

Nesta oportunidade, preocupado com temas da maior atualidade, optei por publicar dois breves textos que acabo de redigir sobre a nova acusação apresentada contra o ex-presidente Lula.

Procuro demonstrar que a denúncia assinada pela atual procuradora-geral da República não está de acordo com a boa técnica jurídica, podendo ser considerada uma acusação inepta, na medida em que é contraditória e de difícil compreensão.

A toda evidência, se a imputação não é clara e chega a ser contraditória, pode efetivamente prejudicar o direito de defesa, consagrado na nossa Constituição Federal.

Vamos aos referidos textos críticos.

1 – Nova e absurda denúncia do Ministério Público Federal 
O ex-presidente Lula não recebeu um centavo de propina. É a própria acusação que o diz. Trata-se de eventual doação ao Partido dos Trabalhadores.

Mais uma vez se deseja criminalizar a política.

Segundo as notícias, o Ministério Público Federal, através da procuradora-geral da República, ofereceu denúncia contra o ex-presidente Lula e outros dirigentes do PT e ex-ministros de Estado por corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal).

Lógico que precisamos conhecer, com detalhes, a peça acusatória apresentada ao STF. Entretanto, pelas informações que colhemos, constata-se que o ex-presidente Lula não é acusado de receber para si qualquer valor econômico.

A própria denúncia — petição inicial da ação penal — imputa ao ex-presidente que ele teria recebido expressiva soma de dinheiro da empresa Odebrecht para o Partido dos Trabalhadores, e não para ele.

Lógico que a conduta imputada ao ex-presidente precisa ser corretamente descrita na denúncia, conforme exige o artigo 41 do Código de Processo Penal (dia, local, forma ou modo etc.). Além do mais, a imputação precisa estar lastreada em prova colhida na fase investigatória.

Segundo se depreende, o ex-presidente Lula não recebeu qualquer doação para o Partido dos Trabalhadores. Isso não era tratado pelo então presidente da República. Mesmo durante as campanhas eleitorais, cabia ao tesoureiro do partido ou da própria campanha fazer os contatos com as empresas. Na época, a doação de empresas era permitida pela lei.

Aliás, a doação seria para o partido político, e não para o ex-presidente. Ele não pediu e não recebeu nada para si.

Alega a acusação que o governo iria facilitar o financiamento para a República de Angola viabilizar suas atividades de comércio exterior.

Ao que parece, não houve prejuízo para ninguém, pois apenas foi ampliada a linha de crédito do BNDES.

Por outro lado, não está clara a vinculação entre o aumento do valor do empréstimo à Angola com a eventual doação da Odebrecht ao Partido dos Trabalhadores (caixa dois). Se é que o valor não foi declarado à Justiça Eleitoral…

O que está claro é que o ex-presidente Lula não é corrupto, pois não recebeu qualquer valor monetário. Vale a pena repetir: Lula não teve qualquer benefício pecuniário em razão da ampliação do valor do empréstimo para a República de Angola.

Como se vê, independentemente de uma futura análise técnica da denúncia, constata-se que o ex-presidente não teve o seu patrimônio acrescido com qualquer "propina", sendo um caso mais próximo do chamado "caixa dois" para o Partido dos Trabalhadores, da competência da Justiça Eleitoral, como tantos outros que o STJ tem para ela encaminhado (casos envolvendo os ex-governadores de São Paulo e Santa Catarina).

2 – Mais um caso Lula. Mais uma acusação temerária
Colocar à disposição de alguém os valores de um conta corrente não significa que este alguém recebeu os valores ou mesmo parte deles. No caso, sequer se trata de uma conta bancária.

Na verdade, a denúncia mais parece uma peça processual chamada de “alegações finais”. Em relação ao aspecto técnico, ela está muito ruim, chegando ao ponto de poder prejudicar o próprio exercício de direito de defesa dos acusados.

Mais uma vez, o Ministério Público Federal demonstra uma absoluta falta de técnica ao elaborar uma denúncia (petição inicial da ação penal pública). Desta feita, o defeito é da própria procuradoria-geral da República.

A criticada denúncia, além de repetitiva, indevidamente transcreve trechos de depoimentos de testemunhas e delatores, reproduz documentos etc., sendo absolutamente contraditória no que diz respeito à imputação feita ao ex-presidente Lula.

Ela começa afirmando que o ex-presidente Lula e outros acusados "receberam de MARCELO ODEBRECHT quarenta milhões de dólares (ou R$ 64 milhões de reais)".

Entretanto, no parágrafo seguinte, a própria denúncia demonstra que o ex-presidente Lula não recebeu dinheiro algum de Marcelo Odebrecht, afirmando:

"O valor milionário ficou à disposição do PT dali em diante em uma conta mantida pela ODEBRECHT para despesas que fossem indicada pelos integrantes do Partido dos Trabalhadores, ora denunciados" (trecho da denúncia. O erro de concordância verbal é do original).

Ora, dizer que eu tenho disponível algum valor na conta bancária de outrem significa que eu recebi este dinheiro? Lógico que o dinheiro não me foi entregue, que eu não o recebi.

O escandaloso é que, ao que parece, não existe uma conta bancária. Na verdade, trata-se de uma escrituração unilateral da empresa Odebrecht. A denúncia fala em "conta corrente para o futuro"…

Em outras palavras, uma mera promessa de disponibilização de numerário em favor do Partido dos Trabalhadores. Como acusar o ex-presidente de "receber" se nenhuma verba pecuniária lhe foi entregue ou transferida?

Vale dizer, o dinheiro continuou no patrimônio do titular da conta corrente (escritural da empresa).

Essa acusação está parecendo com aquela temerária acusação do tríplex que o Lula teria recebido sem receber.

Importante notar que a própria acusação diz que a tal conta corrente da Odebrecht foi aberta em 2008, "para arrecadação de vantagens indevidas no interesse do Partido do Trabalhadores" (página 22 da denúncia).

A inépcia da acusação é evidente. Disponibilizar alguma coisa não é transferir a propriedade desta coisa. É uma questão de lógica.

Por derradeiro, cabe salientar que os pedidos de condenação dos réus a vultosas quantias são surreais.

Pedem condenação por dano moral coletivo (que dano?) e condenação de US$ 40 milhões a título de indenização, quando o aumento de uma linha de crédito não causa dano ao credor.

Dano ocorre se o mutuário não pagar a dívida, sendo ele o responsável por eventual inadimplemento. Enfim, Lula tem de indenizar dano inexistente? Se existisse, não seria de responsabilidade do devedor da dívida? Não houve garantias por parte de Angola?

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  • Brave

    é professor associado de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mestre e livre-docente em Direito Processual Penal pela mesma instituição, além de procurador de Justiça aposentado.

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