Tribuna da Defensoria

Da constitucionalidade formal da Lei 13.654/2018

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8 de maio de 2018, 12h31

Recentemente, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo, a pedido do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais, emanou recomendação, sem caráter normativo, aos órgãos do Ministério Público para que, no desempenho de suas atribuições, provoquem o Judiciário no sentido de declarar, no controle difuso incidental, a inconstitucionalidade formal da supressão do inciso I, do parágrafo 2º, do artigo 157, do CP, operada pela Lei 13.654/2018, por afronta ao devido processo legislativo[1].

Nas considerações da recomendação, afirma que “a intenção dos parlamentares, na aprovação do PLS 149/15, foi coexistir as duas majorantes, isto é, quando cometido o crime com emprego de arma, o aumento seria de até ½ (§ 2º, I), e, quando empregada arma de fogo, de 2/3 (§ 2º – A, I)”. Ainda, menciona que foi na Comissão de Redação Legislativa (Corele) onde se decidiu pela revogação do parágrafo 2º, I, sem que houvesse, sobre a matéria, deliberação dos congressistas.

Pelo que se tem notícia, seguiu a mesma linha a Procuradoria-Geral de Justiça de Pernambuco.

No entanto, pelo que pudemos constatar da tramitação do projeto de lei, a previsão de revogação expressa do inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal existiu, sim, desde a apresentação original do projeto, tendo sido apreciada e votada pelos plenários do Senado e da Câmara de Deputados.

O Projeto de Lei do Senado 149/2015[2], apresentado em 24 de março de 2015, em sua redação original, previa a alteração do Código Penal para aumentar a pena para o crime de roubo praticado com o emprego de arma de fogo ou de explosivo ou artefato análogo que cause perigo comum e, em seu artigo 3º, revogar o inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal.

“Art. 157 …………………………………………………………

§ 3º A pena aumenta-se de dois terços:

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

§ 4o Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a dezoito anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º Fica revogado o inciso I do § 2o do art. 157 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940”.

O PLS foi enviado à Comissão de Constituição e Justiça e nenhuma emenda foi apresentada durante o prazo regimental. Designado o relator da matéria, ele apresentou voto pela aprovação. A matéria foi inserida em pauta e, na 37ª reunião ordinária, foi concedida vista da matéria a dois senadores.

No dia 8 de novembro de 2017, a senadora Simone Tebet apresentou emenda (nº 1), acrescentando-se aos artigos 155 e 157 do Código Penal as seguintes alterações:

“Art. 155 …………………. Furto qualificado. (…)

§ 7º – A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

§ 8º – A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem a sua fabricação, montagem ou emprego.

Art. 157………………………

§ 2º. A pena aumenta-se de um terço até metade: (…)

VI – se a subtração for de substâncias explosivas, ou acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem a sua fabricação, montagem ou emprego”.

E citada Emenda 1 em momento algum tratou da não revogação do inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal. A emenda tratou de sugestões adicionais, nenhuma redução à proposta original.

Na 49ª reunião ordinária, o relator reformulou o relatório e acolheu a Emenda 1. A Comissão de Constituição e Justiça aprovou o projeto e a Emenda 1. O Projeto de Lei do Senado foi enviado ao Plenário e aprovado sem a interposição de recursos.

O parecer de aprovação do projeto da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do relator senador Antonio Anastasia, do dia 8 de novembro de 2017, previa expressamente a revogação do inciso I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal. Entretanto, não constou na redação do texto final a revogação desde sempre existente.

A Comissão de Redação Legislativa (Corele) apenas somou o projeto original e a emenda aditiva 1, constando a revogação aprovada pela CCJ.

O projeto, então, seguiu para a Câmara de Deputados, onde recebeu o número 9.160/2017[3], e foi apresentado ao Plenário no dia 23 de novembro de 2017. No dia 1º de dezembro de 2017, foi encaminhado às comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; Finanças e Tributação e Constituição e Justiça e de Cidadania, consignando expressamente que a matéria estaria sujeita à apreciação do Plenário da casa. Além disso, foi concedido regime de tramitação de urgência.

No dia 28 de fevereiro de 2018, a matéria foi submetida à discussão no Plenário. Foram proferidos os pareceres dos relatores: a Comissão de Finanças e Tributação concluiu pela compatibilidade e adequação financeira e orçamentária e, no mérito, pela aprovação do projeto e também do PL 6.737/16, na forma do substitutivo apresentado, e pela rejeição dos demais; a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania concluiu pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do projeto e do PL 6.737/16, na forma do substitutivo apresentado pela Comissão de Finanças e Tributação, e pela rejeição dos demais; a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado concluiu pela rejeição de todas as emendas.

Em seguida, foram apresentadas emendas de plenário 1 a 3. No entanto, todas foram rejeitadas, sem modificação do projeto.

O Plenário, então, em sessão deliberativa extraordinária, aprovou o substitutivo apresentado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei 9.160, de 2017 do Senado Federal (PLS 149/2015 na casa de origem), com o PL 6.737/16, que altera a lei de execução penal, com a seguinte redação:

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Os arts. 155 e 157 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal), passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 155. ………………………. ………………………………………….

§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. ………………………………………….

§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego”.

“Art. 157. ………………………………………………………………

§ 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade:

I – (revogado); ………………………………………….

VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;

II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

§ 3º Se da violência resulta:

I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa;

II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa.” (NR)

Art. 2º A Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 2º-A: “Art. 2º-A As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, que colocarem à disposição do público caixas eletrônicos, são obrigadas a instalar equipamentos que inutilizem as cédulas de moeda corrente depositadas no interior das máquinas em caso de arrombamento, movimento brusco ou alta temperatura. § 1º Para cumprimento do disposto no caput deste artigo, as instituições financeiras poderão utilizar-se de qualquer tipo de tecnologia existente para inutilizar as cédulas de moeda corrente depositadas no interior dos seus caixas eletrônicos, tais como: I – tinta especial colorida; II – pó químico; III – ácidos insolventes; IV – pirotecnia, desde que não coloque em perigo os usuários e funcionários que utilizam os caixas eletrônicos; 4 V – qualquer outra substância, desde que não coloque em perigo os usuários dos caixas eletrônicos. § 2º Será obrigatória a instalação de placa de alerta, que deverá ser afixada de forma visível no caixa eletrônico, bem como na entrada da instituição bancária que possua caixa eletrônico em seu interior, informando a existência do referido dispositivo e seu funcionamento. § 3º O descumprimento do disposto acima sujeitará as instituições financeiras infratoras às penalidades previstas no art. 7º desta Lei. § 4º As exigências previstas neste artigo poderão ser implantadas pelas instituições financeiras de maneira gradativa, atingindo-se, no mínimo, os seguintes percentuais, a partir da entrada em vigor desta Lei: I – nos municípios com até 50.000 (cinquenta mil) habitantes, 50% (cinquenta por cento) em nove meses e os outros 50% (cinquenta por cento) em dezoito meses; II – nos municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) até 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 100% (cem por cento) em até vinte e quatro meses; III – nos municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, 100% (cem por cento) em até trinta e seis meses. 5 Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º Revoga-se o inciso I do § 2º do art. 157 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal). Sala das Sessões, em 28 de fevereiro de 2018.

Assim, a Câmara de Deputados não alterou nenhum artigo da proposta original, apenas acrescentou a previsão de modificação da Lei 7.102, inserindo nesta o artigo 2-A. A matéria, então, retornou ao Senado Federal e recebeu o registro como Substitutivo da Câmara de Deputados 1, de 2018[4].

No dia 6 de março de 2018, foi apresentada no Plenário do Senado. Após, enviada à Comissão de Constituição e Justiça. Retornou ao Plenário no dia 26 de março de 2018 e foi aprovada no dia 27 de março de 2018, sendo encaminhada à sanção presidencial.

A cansativa demonstração do caminho legislativo é para demonstrar que a Lei 13.654/2018 é, sim, formalmente constitucional, pois percorreu todos os trâmites legalmente previstos. Além disso, viu-se que a previsão da revogação do inciso I, do parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal sempre existiu e não foi modificada na Corele.

A modificação realizada pela Câmara foi em relação à Lei 7.102/83, que disciplina a segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e não em relação ao Código Penal.

Ainda assim, o projeto retornou à casa primeva e foi aprovado em sua totalidade pelo Plenário, sanando, portanto, qualquer vício supostamente existente.

Quanto à intenção dos parlamentares, de coexistência das duas majorantes, impossível de se prever, principalmente quando, desde o projeto inicial, havia a expressa revogação do I do parágrafo 2º do artigo 157 do Código Penal. Ainda que em um Estado Pós-Democrático (v. Rubens R.R. Casara) presume-se que quando aprovam um projeto este é lido e discutido, assim como acredita-se que a Constituição Federal (ainda) prevê que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, não havendo até o momento notícias sobre nenhuma “mutação” constitucional voluntarista[5].

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