Conluio com a Rússia

EUA debatem se presidente Trump pode ser intimado para testemunhar

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5 de maio de 2018, 10h04

Uma pergunta gerou grande debate na comunidade jurídica dos EUA nos últimos dias: o procurador especial Robert Mueller, que investiga denúncias de conluio entre o comitê de campanha eleitoral de Donald Trump e a Rússia para favorecer o candidato republicano na eleição presidencial de 2016, pode realmente intimar o presidente para testemunhar em um grand jury (um corpo de jurados que decide pelo recebimento ou rejeição da acusação)?

A pergunta foi feita a professores de Direito, advogados e juristas pela CBC News, National Public Radio (NPR), Business Insider e por outras publicações. Pelas respostas, a conclusão é: não se sabe, exatamente. Se o procurador especial for em frente com a intimação, provavelmente a pergunta terá de ser respondida pela Suprema Corte.

Gage Skidmore
Trump é acusado de ter sido favorecido pela Rússia nas eleições presidenciais.
Gage Skidmore

O tribunal sequer tem precedente sob medida para ajudar os ministros a tomar uma decisão. Há dois casos próximos. Em 1974, a corte mandou o ex-presidente Richard Nixon entregar à justiça as fitas magnéticas com gravações de conversas relacionadas às investigações do caso Watergate, que terminou com a renúncia do presidente. Nesse caso, Nixon foi obrigado a entregar provas materiais, não a testemunhar.

Em 1997, a Suprema Corte decidiu que uma ação civil movida por Paula Jones contra o ex-presidente Bill Clinton, por assédio sexual, poderia ir em frente. A intimação final não foi necessária porque Clinton se dispôs a testemunhar. Mas esse também não é um precedente perfeito porque se tratava de uma ação civil, não criminal. Há uma teoria, também discutível, de que um presidente não pode ser denunciado por crime, enquanto estiver no poder.

Mas um parecer elaborado em 2000 pelo departamento jurídico do DOJ — órgão responsável por aconselhar o presidente — diz que, embora o presidente não possa ser denunciado, ele pode ser obrigado a testemunhar em julgamentos de ações criminais. Alguns professores de Direito e juristas acham que, se Trump levar a questão à Suprema Corte, provavelmente irá perder.

Na verdade, essa é uma situação complexa para Trump. Se ele concordar em testemunhar no grand jury ou mesmo prestar um depoimento conduzido pelo procurador especial, ele corre o risco de ser acusado, por alguma declaração que não corresponder à verdade, de falso testemunho – e isso, por si só, é base para mover um processo de impeachment. Se ele se recusar a testemunhar, haverá perda política considerável, porque ficará sujeito à desconfiança dos eleitores. Pode até mesmo ser acusado de desacato.

Aliados do presidente argumentam que a denúncia ou um processo penal do chefe da nação iria minar, inconstitucionalmente, a capacidade do poder executivo de realizar a funções que lhe são constitucionalmente atribuídas. E que a mesma lógica se aplica a preparação para testemunhar perante um grand jury. Do outro lado, se argumenta que ninguém está acima da lei, nem mesmo o presidente.

Se ele tiver de testemunhar no grand jury, estará sozinho. Isto é, não poderá contar com toda sua equipe de advogados a seu lado – nem mesmo com o advogado Emmet Flood, um republicano que acabou de contratar, que se celebrizou por defender o ex-presidente Clinton em seu processo de impeachment.

Foram duas as acusações contra Clinton na época: uma por falso testemunho e outra por obstrução de justiça. Julgado no Senado, o democrata foi absolvido. Duas outras acusações, uma de abuso de poder e outra de falso testemunho, não foram à frente na Câmara dos Deputados.

Sem saída
Trump poderá se recusar a testemunhar, mesmo que a Suprema Corte decida que ele deve fazê-lo. Mas, nesse caso, estará sujeito à acusação de desacato, que também poderia ser base para processo de impeachment. Isso provocaria uma crise constitucional. O republicano também poderá responder por falso testemunho e obstrução da Justiça.

Uma forma de Trump se recusar a testemunhar seria apelar para um dos direitos que são concedidos aos réus pela Quinta Emenda da Constituição (em inglês se diz “plead the Fifth”) – é o tradicional direito do réu de não testemunhar contra si mesmo.

Se fizer isso, o procurador irá lhe garantir uma “imunidade de uso limitado”. Significa que o procurador irá lhe garantir que nada do que disser será usado contra ele, a não ser por falso testemunho. Se mesmo com imunidade de uso limitado ele continuar a se recusar a falar, estará sujeito à acusação de desacato, que pode resultar em prisão.

Além disso, se Trump se recusar a testemunhar porque quer fazer valer o direito de não se autoincriminar, isso terá consequências políticas. Ele mesmo já disse, recentemente, que não vê motivo para uma pessoa se recusar a testemunhar se não cometeu um crime.

O time de advogados do presidente também poderá contestar a intimação com base na alegação de que a Constituição dirige todas as acusações criminais contra um presidente ao Congresso, para um processo de impeachment, não para os tribunais. Isso faria parte dos privilégios executivos. O homem da Casa Branca teria o direito de reter certas informações, em certas circunstâncias. Mas essa é uma tese contestada com o argumento de que nem mesmo o presidente pode reter provas em um processo criminal.

Os advogados podem alegar ainda que o presidente não pode ser obrigado a cumprir intimações porque ele tem muitas responsabilidades. Responder a intimações resulta em muitas distrações. E que, portanto, as intimações deveriam e esperar o fim de seu mandato.

Um problema do procurador especial é o de que ele é servidor do Departamento de Justiça. E o DOJ adotou o entendimento de que o presidente não pode ser denunciado. Se ele sofrer um processo de impeachment bem-sucedido, o substituto seria o vice-presidente Mike Pence, que poderia perdoar Trump por quaisquer crimes federais, tal como obstrução da justiça. Mas não poderia fazê-lo se for acusado por qualquer crime de competência estadual.

Se o governo Trump conseguir levar essa questão diretamente para a Suprema Corte, saltando os tribunais inferiores, a corte só tomará uma decisão por volta de outubro, quando estarão próximas as eleições para a Câmara dos Deputados e um terço do Senado, entre outras. Será um péssimo momento político.

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