Têm se deitado luzes nos últimos anos sobre as engrenagens na relação entre os entes da federação – leia-se União, estados e municípios – em razão da crise fiscal que abalou as contas públicas, e, em especial, as medidas de políticas fiscais tomadas pelo governo federal, objeto de vários questionamentos.
E aqui cabe a reminiscência de que o Brasil tem uma estrutura federativa fundada na cooperação. Estrutura nascida em um Brasil pós-revolucionário da década de 1930, como resultado de acordos intergovernamentais para aplicação de programas, financiamentos, subvenções e auxilio conjuntos. Entretanto, a falta de coordenação política entre os entes a e a responsabilização política dos municípios cada vez mais acentuada nas áreas de saúde e educação têm contribuído para a criação de um precipício fiscal das contas municipais, sobrecarregadas de obrigações e cambaleantes nas receitas auferidas.
A harmonização e cooperação dos interesses entre os entes periféricos e o ente central é assunto que rende profícuos debates, não sendo o propósito deste pequeno ensaio crítico. O que se propõe aqui, objetivamente, é demonstrar que o canibalismo às receitas municipais não foi abolido pelo governo federal, pois recentemente foi editado normativo que fere mais uma vez um dos pontos centrais da federação brasileira: a autonomia financeira dos municípios.
O governo federal, por meio do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, editou, em 24 de janeiro de 2018, a Instrução Normativa MP 2 (com posterior alteração pela Instrução Normativa MP 3, em 15/02/2018), na qual estabeleceu novas regras e diretrizes a serem seguidas pelas instituições financeiras, que atuarão como mandatárias da União, no tocante à gestão operacional dos repasses de contratos entre a União e municípios, em especial no caso das emendas parlamentares.
Inicialmente, por meio de chamamento público, a Caixa Econômica Federal foi a escolhida para atuar como mandatária da União e, em 22 de março de 2018,foi efetivamente credenciada para fazer a gestão dos referidos contratos. Como contra prestação por operacionalizar a transferência de valores do governo federal às prefeituras para obras ou contrato viabilizado por emenda parlamentar, restou definido que a Caixa Econômica Federal faria jus a uma fração do contratado que pode variar entre 3,4% a 11,9% do total de cada contrato operacionalizado, a título de taxa de administração. Anteriormente, esses valores giravam em torno de 2,5%.
Nesse cenário que abraça o fato do Poder Legislativo – através da Comissão Mista de Orçamento do Congresso – ter aprovado a Lei de Diretrizes Orçamentárias tendo como base os valores, a título de taxa de administração,definidos em um momento anterior (2,5%), urge refletir sobre a legalidade da medida adotada pelo governo federal. Como objeto central dessa análise está a majoração da referida taxa por meio de ato normativo do Ministério do Planejamento quando o custo da taxa de administração já fora fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Outrossim, ainda que ultrapassada essa questão, registra-se que Instrução Normativa editada pelo Poder Executivo Federal não possui legitimidade para promover alteração em lei. Além de que é necessário frisar a oneração das emendas parlamentares, que são essenciais para que cada parlamentar possa “reservar”uma parcela da Lei Orçamentária Anual e, consequentemente, viabilizar o custeio de serviços e obras urgentes para atender o seu município. Portanto, em se tratando de verbas que serão destinadas a atender demandas da municipalidade, a retenção de até 11,9% do seu valor para os cofres da Caixa Econômica Federal,constitui uma medida extremamente desarrazoada.
Ao final e ao cabo, a cada dia que passa, torna-se mais difícil concretizar o federalismo cooperativo, entendido na forma de coordenação de políticas públicas voltadas ao interesse comum, uma vez que sem recursos frustra-se a autonomia municipal.