Opinião

Quem controla o controlador? Polêmicas advindas da aprovação da Lei 13.655/2018

Autor

  • Ricardo Pires Calciolari

    é controlador-geral no município de Itapevi (SP) professor de Direito bacharel e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo e doutorando em Direito pela PUC-SP.

4 de maio de 2018, 10h56

Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, escreveu, em 1748, a famosa obra O Espírito das Leis. Elabora uma teoria de limitação do poder absoluto e trás as noções básicas daquilo que, na Constituição Estadunidense de 1787 e na Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão de 1789, imporão a separação das competências administrativas, jurisdicionais e legislativas.

Outrossim, mais de duas centúrias após tais fatos vemos o crescimento da competência controle. Assim, não são raras as vezes que vemos a adjetivação de quarto poder dada ao Ministério Público em razão do poder de controle que tal órgão exerce. Atualmente também os órgãos de controle do legislativo (tribunais de contas) e também internos (controladorias) têm crescido em atuação e exercício de competência. Nesse sentido, a delimitação e racionalização do exercício da atividade de controle não seria, por óbvio, incólume às críticas e também da atividade legislativa limitadora.

Assim, a recente alteração na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro procedida pela Lei 13.655, de 25 de abril de 2018, causou grande polêmica já na sua aprovação. Muitos setores, em especial aqueles vinculados aos tribunais de contas, às controladorias, às corregedorias e ao Ministério Público, impuseram severas críticas e pleitearam o veta à lei. O veto presidencial, materializado pela Mensagem 212, de 25 de abril de 2018, foi imposto a oito dispositivos (um artigo, seis parágrafos e um inciso).

O Decreto-Lei 4.657, 4 de setembro de 1942, originalmente intitulava-se Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Tal norma tem hoje 75 anos de vigência e é uma norma geral do Direito. Foi modificada pela 22ª vez, e da forma mais significativa. Seu texto original contemplava 18 artigos, um novo artigo (o 19) foi incluído em 1957, e agora o texto amplia-se para 30 artigos, modificando-se sobremaneira.

O objetivo original da norma era regulamentar, de forma geral, os conceitos comuns do Direito, em especial: vigência e eficácia das normas jurídicas, conflitos de leis no tempo e no espaço, critérios hermenêuticos, integração do ordenamento jurídico e regras de Direito Internacional Privado. Conhecida como “lei das leis”, é estudada no início do curso de Direito, normalmente na disciplina Introdução ao Estudo do Direito.

Criada no início da década de 1940 por ínclitos civilistas, sua principal meta era tratar de temas gerais sobre incidência, aplicação e interpretação normativa que não eram comportados no âmbito do Código Civil de Beviláqua, em vigor desde 1916. Após a aprovação do novo diploma civil, essa norma se manteve, sofrendo alguma alteração em 2009, que inclusive lhe deu a nomenclatura mais coerente de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

A alteração vivenciada no dia 25 último iniciou-se com o Projeto de Lei no Senado 349/2015, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). Na sua justificativa, apresenta-se a participação de ilustres administrativistas, como o professor Floriano de Azevedo Marques Neto (professor titular de Direito Administrativo e diretor da Faculdade de Direito da USP) e Carlos Ari Sundfeld (fundador do curso da FGV Direito em São Paulo).

Tal projeto foi fruto de estudos da própria Escola de Direito da FGV São Paulo em parceria com a Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP). Seu principal escopo seria o de trazer ao aplicador do Direito a necessidade de se atentar aos efeitos de sua decisão, principalmente quando embasada em princípio ou valores normativos amplos. Em suma, uma aproximação entre a hermenêutica e a prática e, mais especificamente, entre a Filosofia do Direito e a prática administrativa.

A principal aplicação dos dispositivos será, sem dúvida, no próprio Direito Administrativo. Isso entregará, sem dúvida, aos professores de IED, mas também aos filósofos do Direito, a necessidade de reescrever suas obras e de visitarem capítulos de Direito Administrativo, em especial a noção de controle de políticas públicas, a aplicação do princípio da razoabilidade e a ideia de tripartição de poderes. Isso também levará os administrativistas a reescreverem os capítulos sobre controle da administração pública, hoje ainda vinculados a conceitos importantes, mas insuficientes, de mérito do ato administrativo.

A própria norma agora fala em “esfera de controle”, o que ressalta a crescente importância dada ao papel do Ministério Público, dos tribunais de contas e das controladorias no combate à corrupção e na busca de eficiência e moralidade na gestão pública e nos contratos com particulares. Contudo, a nova regulamentação vem justamente com o objetivo de destacar a esses poderes a necessidade de atentarem-se aos efeitos práticos de suas decisões, com necessidade de motivação detalhada e maior padronização.

É claro que tal dispositivo, por seu alcance e amplitude, não passará incólume das diversas críticas. Um dos pontos de destaque é que a ampliação de regras nas atividades de controle implica em redução da estabilidade institucional. Ademais, a existência de regras como a necessidade de se estabelecer normas de transição sempre que se alterarem critérios hermenêuticos teria efeito contrário do pretendido, pois geraria ainda mais insegurança.

Por outro lado, vemos que muitas atividades de controle, exercidas de forma inconsequente, sem a correta análise dos efeitos, tem gerado problemas mais significativos do que aqueles que pretendem combater. É comum, por exemplo, que o Tribunal de Contas, em procedimento de análise prévia de edital, paralise o processo de compra fundamentado em jurisprudência vacilante que considera possível erro formal e com tal atitude impõe demora de meses (ou até anos) para aquisição de bens que asseguram direitos fundamentais (como remédios, medicamentos, saneamento, entre outros).

O nova legislação esclarece a necessidade de impor a esses órgãos a efetiva ponderação e razoabilidade em sua atividade de controle, de esclarecer a interpretação de termos amplos ou principiológicos, de manter tal interpretação nas situações futuras e, em caso de mudança, deixar isso claro, estabelecendo, inclusive, regras de transição.

É claro que há muitos pontos polêmicos que merecerão análise muito mais detalhada e pormenorizada. Um dos tópicos seria o Ação Declaratória de Validade do Ato, o qual foi vetado. Mas serão sujeitos de amplos debates, a partir de agora, os institutos: (i) do compromisso para eliminar irregularidade, incerteza ou proliferação de processos; (ii) da compensação no processo administrativo; (iii) da responsabilidade pessoal do agente público por opiniões, pareceres e decisões em caso de dolo ou erro grosseiro.

De fato, como direita Montesquieu, “só o poder freia o poder”. As limitações impostas pela lei ao exercício das atividades de controle apresentam-se como uma resposta social ao exercício dessas competências que, embora salutar, podem causar efeitos deletérios se não exercidas com as cautelas necessárias. Resta agora aguardar a doutrina se debruçar sobre esses novos institutos referido acima e a análise da sua utilização na prática.

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