Opinião

O controle difuso de constitucionalidade e a reforma trabalhista

Autor

  • Murilo Riccioppo Magacho Filho

    é advogado do Trubilhano Advogados bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e integrante dos grupos de estudos Direitos Humanos Centralidade do Trabalho e Marxismo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Políticas Públicas como Instrumento de Efetivação da Cidadania da Faculdade de Direito do Mackenzie.

4 de maio de 2018, 13h27

Há tempos escuto de alguns advogados, colegas de profissão, que a reforma trabalhista é, total ou parcialmente, inconstitucional. Dizem, geralmente, que é preciso que os tribunais interfiram no conteúdo de suas normas.

O inconformismo desses advogados, todavia, pode se tornar conformismo quando os mesmos, indignados, “esperam sentados” o julgamento de ações sobre constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

A verdade é que uma ação própria de constitucionalidade, movida perante o STF, pode demorar anos para ser julgada e nem sempre conterá como objeto um ato que o advogado, em proteção a seu cliente, entende inconstitucional.

Essas situações são ainda mais frequentes quando nos deparamos com leis recentemente criadas, como o caso da Lei 13.467/2017, comumente chamada de reforma trabalhista, que alterou diversas normas de nossa CLT e que vigora desde novembro de 2017.

O que fazer, então, se o advogado se depara com a inconstitucionalidade de uma norma trabalhista aplicável a um determinado caso concreto? Deve aguardar a declaração de inconstitucionalidade em ação própria movida no Supremo Tribunal Federal? Não.

O controle de constitucionalidade pode ser suscitado pelo próprio advogado, seja em primeira instância, em grau de recurso e, ainda, por qualquer espécie de demanda, independentemente da existência ou inexistência de ação própria movida perante o STF para o mesmo fim[1].

Trata-se do já conhecido, porém pouco aplicado, controle difuso de constitucionalidade.

O controle difuso originou-se nos Estados Unidos a partir do caso Madison vs. Marbury, julgado na Suprema Corte do país, em 1803, no qual ficou estabelecida a possibilidade de confrontação dos atos jurídicos em face da Constituição naquele caso concreto.

Já no Brasil, a possibilidade do controle difuso fora instituída a partir do Decreto 848, de 11/10/1890, que em seu artigo 3º determinou que, na guarda e aplicação da Constituição, a magistratura federal poderia intervir, mediante provocação dos litigantes, no julgamento incidental da inconstitucionalidade.

Desde então, nossa Constituição Federal (atualmente, em previsão no artigo 97 da CF de 88), permite que, incidentalmente, e como defesa de uma pretensão, a parte litigante, o juiz de ofício ou o Ministério Público suscitem o controle judicial de constitucionalidade no caso concreto, independentemente de controle concentrado no STF. Em linhas gerais, o objeto da lide que envolve o controle difuso “não é a retirada da norma inconstitucional do ordenamento jurídico. Na verdade, o que se pretende é a inaplicabilidade da norma inconstitucional no julgamento do mérito do caso concreto submetido ao Poder Judiciário”[2].

Para tanto, a declaração de inconstitucionalidade deve ser resolvida antes do julgamento do mérito da ação. O procedimento pode ser assim sintetizado:

1. A parte litigante, o juiz de ofício ou o Ministério Público suscita a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo;

2. Ao tomar conhecimento do pedido, independentemente de seu entendimento sobre a questão[3], o juiz ou desembargador encaminha a questão ao Plenário ou ao Órgão Especial do tribunal;

3. O Plenário ou Órgão Especial analisa o caso em abstrato, isto é, se a norma é ou não inconstitucional, independentemente do que ocorrera no caso concreto; em seguida, poderão declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo mediante a aprovação da maioria absoluta dos seus membros;

4. Por fim, após a mencionada decisão em abstrato, o processo retornará ao órgão fracionário (ao juiz ou tribunal que recebeu o pedido declaratório), que julgará o caso concreto conforme a decisão plenária ou de órgão especial sobre a constitucionalidade do ato ou da lei.

Caso de controle difuso na vigência da reforma trabalhista
Em relação à Lei 13.467/2017, inúmeras ações acerca da inconstitucionalidade de suas normas já foram promovidas em nosso Judiciário.

Algumas já foram julgadas em controle difuso de constitucionalidade, em especial em relação à questão atinente à contribuição sindical.

A lei da reforma, ao alterar os artigos 545, 578, 579 e 602 da CLT, tornou meramente facultativa a contribuição sindical destinada aos sindicatos (antigo imposto sindical), antes instituída como obrigatória pela Consolidação das Leis do Trabalho em 1943. Uma das decisões que abordaram o tema e declararam a inconstitucionalidade dessa alteração legislativa foi a sentença proferida pela juíza Aurea Regina de Souza Sampaio, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, no Rio de Janeiro, que se manifestou no sentido de que a natureza da contribuição sindical é tributária e, portanto, uma lei ordinária, como a Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), não poderia ter alterado o instituto da contribuição sindical. No seu entendimento, somente por meio de lei complementar essa norma poderia ser modificada.

A juíza declarou, então, incidentalmente inconstitucional as normas que alteraram a regra sobre a obrigatoriedade do desconto da contribuição sindical, o que o fez por controle difuso de constitucionalidade. Vejamos trechos da decisão:

“É importante registrar o Juízo que não se trata de ser a favor ou contra a contribuição sindical ou à representação sindical dos empregados, ou, ainda, de estar de acordo ou não com o sistema sindical brasileiro tal como existe atualmente. Trata-se, sim, de questão de inconstitucionalidade, de ilegalidade da Lei e de segurança jurídica. Isso porque a Lei nº 13.467/2017 promoveu a alteração da contribuição sindical de forma inconstitucional e ilegal. Tivessem sido observados o sistema constitucional brasileiro e a correta técnica legislativa, nenhuma inconstitucionalidade ou ilegalidade haveria. Assim, trata-se de questão que vai muito além da simples concordância ou oposição com a cobrança da contribuição sindical compulsória, pois é concernente, na verdade, à supremacia constitucional. Cabe ao Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade da Lei quando assim o entender. E é o que este Juízo faz nesta decisão, com o fim de resguardar o cumprimento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (…) PELO EXPOSTO, DEFIRO a tutela de urgência, declaro incidentalmente a inconstitucionalidade Artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT (…)”[4].

Note-se que não é preciso, portanto, que o advogado aguarde uma decisão do STF, em controle concentrado, para que seja modificado o conteúdo normativo da nova lei que alterou a CLT. O próprio advogado pode provocar o Poder Judiciário, ainda em primeira instância, para que declare difusa e incidentalmente a inconstitucionalidade de norma trabalhista, em proteção ao trabalhador e ao seu cliente, sempre tendo em vista a exegese do artigo 7º da CF, segundo o qual “os direitos do trabalhador (…) visam à melhoria de sua condição social”.


[1] A única exceção refere-se a processos que devem ser suspensos em decorrência de repercussão geral nos tribunais superiores.
[2] BALTAZAR, Antonio Henrique Lindemberg. Resumo de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Ferreira, 2008. p. 249.
[3] Nos termos da Súmula Vinculante 10 do STJ, caso o magistrado afaste a incidência da inconstitucionalidade da norma, ainda assim deve submeter a questão ao Plenário ou ao Órgão Especial. Nos termos da súmula mencionada, “viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. Há julgados atualmente que trazem exceções a essa regra sumular. Mas ainda é a regra geral.
[4] Sentença proferida pela juíza Aurea Regina de Souza Sampaio, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, em julgamento no dia 22 de fevereiro de 2018, referente ao Processo 0100111-08.2018.5.01.0034.

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    é advogado do Trubilhano Advogados, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e integrante dos grupos de estudos Direitos Humanos, Centralidade do Trabalho e Marxismo, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e Políticas Públicas como Instrumento de Efetivação da Cidadania, da Faculdade de Direito do Mackenzie.

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