Ação trancada

"Versão dos fatos que chegou à população não estava nos autos", diz Capez

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27 de junho de 2018, 12h07

Conhecido pelas obras jurídicas e pela atuação no Ministério Público paulista, o deputado Fernando Capez (PSDB) virou alvo do próprio órgão de origem sob acusação de supostamente ter desviado R$ 1,1 milhão dos cofres públicos em conjunto com empresários de uma cooperativa agrícola. Até a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal trancar o processo, nesta terça-feira (26/6), reconhecendo falta de justa causa e indicando abuso de autoridade no caso.

Em entrevista à ConJur, Capez nega que tenha tido qualquer encontro com pessoas envolvidas e afirma que, depois de dois anos esperando o resultado da Justiça, viu sua imagem ser atingida por falsas acusações, delações forçadas por policiais e membros do MP, vazamentos seletivos e lacunas nas informações apresentadas à população durante o processo.

Rovena Rosa/ Agência Brasil
Fernando Capez afirma que seu nome foi citado por coerção contra testemunhas.
Rovena Rosa/ Agência Brasil

Ex-presidente da Assembleia Legislativa, ele considera ter sido visto como um “produto de mídia”, que despertou a atenção da sociedade com notícias de suposta existência de uma máfia na merenda escolar.

“O cargo que eu ocupava na época produziu um produto de mídia muito bom, aquilo poderia ser utilizado como um contraponto do que estava ocorrendo na ‘lava jato: um procurador de Justiça, deputado mais votado, presidente da Assembleia e tucano.”

“Embora sejam valores incomparáveis, o tema merenda é um tema que choca, então esse assunto é importante. Para a mídia desperta interesse, gera mais acesso a blogs, mais jornais vendidos, mais audiência para televisão”, avalia.

Para o deputado, há prejuízo para a própria população: “se existe uma máfia da merenda, (…) perderam dois anos e meio concentrados em tentar me destruir, difamar e me afetar pessoalmente e politicamente”.

A entrevista foi concedida antes da decisão do STF, quando Capez ainda não sabia se continuaria em andamento a ação penal aberta em maio de 2018 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. No papel de réu, disse ter visto sua defesa cerceada e o uso da delação premiada como instrumento de vingança. Apesar de críticas ao Ministério Público, ainda defende o papel da instituição como um todo.

Leia a entrevista:

ConJur — Poderia nos falar sobre o momento que está vivendo agora e sobre as acusações que o senhor recebeu?
Fernando Capez —
Faz dois anos e meio que a minha imagem vem sendo destruída. A versão dos fatos que é passada para a população não é a que consta nos autos. Isso por causa de uma cobertura assimétrica e tendenciosa da imprensa sobre o escândalo da merenda. A maneira como as matérias foram montadas, com os tipos e chamadas totalmente direcionados, combinadas com vazamentos seletivos de trechos específicos dos depoimentos e com reportagens sendo veiculadas no dia específico de determinados julgamentos ou decisões, acabou formatando na opinião pública uma imagem que não corresponde à realidade dos fatos.

Agora estou vendo que o processo está se transformando em um processo Kafikaniano, no qual estão fazendo a mentira prevalecer sobre a verdade. A maneira como tem sido feita a atuação em parceria com alguns organismos de imprensa têm levado não só a uma má informação da população como uma pressão enorme sobre o Poder Judiciário.

ConJur — Deputado, sinteticamente, no caso concreto, onde o senhor vê erro da acusação?
Fernando Capez —
Em primeiro lugar, a população não foi informada de que as testemunhas que foram ouvidas no dia da prisão, em janeiro de 2016, foram todas coagidas a falar o meu nome. A coação foi confessada e delatada por todas estas testemunhas. Uma delas inclusive, que foi denunciada, chegou a gravar em áudio toda a coação feita nos fundos da delegacia de Bebedouro [município de São Paulo]. Àquela época, enquanto eu estava viajando em férias com as minhas filhas, aqui no Brasil estavam numa delegacia da cidade pegando testemunhas de ouvir dizer, que não tiveram nenhum contato comigo, não me viram ou conversaram comigo, apontando o meu nome como envolvido.

ConJur — A coação foi feita pelo Ministério Público ou pela Polícia?
Fernando Capez —
Por ambos. Uma testemunha que foi presa, por exemplo, retratou ao desembargador do Tribunal de Justiça o seguinte diálogo com o delegado de polícia naquele dia em janeiro de 2016: “eu quero falar para você o seguinte, a corda vai estourar para o lado mais fraco, você vai ser ouvido hoje após o almoço, que que você cite o nome dos grandões, quero que você fale do senhor Fernando Capez". O delegado induziu a testemunha a falar o meu nome e nisso ela respondeu: "doutor, eu não coloco um ponto e não tiro uma vírgula do que eu sei, porém não vou falar inverdades". Mesmo a testemunha informando que eu não estou envolvido, o delegado, então, vira e diz: "você tem filhos, quer dormir na sua casa com seus filhos? Você fale o que a gente quer ouvir".

ConJur — A defesa dessa testemunha não citou a coação?
Fernando Capez —
O advogado recomendou que ele dissesse o que eles queriam ouvir porque o importante era a liberdade para ele. Esse é um fato que jamais foi informado à população, e essa é uma das testemunhas que por “ouvir dizer”, havia apontado a minha responsabilidade naquele dia. Esse é um dado importante, a ponto de um dos desembargadores do Tribunal de Justiça, ao votar pela rejeição da denúncia, ter determinado a expedição de ofício ao Ministério Público e à Polícia Civil para apuração de crimes de abuso de autoridade. Mas não foi uma testemunha só, a segunda testemunha era o então presidente da cooperativa, Carlos Alberto de Santana, que teria em tese me pagado vantagens indevidas.

ConJur — Ele também disse que foi coagido pela polícia?
Fernando Capez —
Ele disse que foi coagido no seu depoimento de 19 de janeiro de 2016 e afirmou que quem redigiu a fala dele foi o promotor [Leonardo] Romanelli, sob ameaça de prendê-lo. A população não sabe disso e acha que eu estou envolvido em um caso no qual meu nome foi colocado por uma pessoa que eu nunca vi na vida.

ConJur — Nos autos, mais alguém envolvido confessa ter sido coagido para citar seu nome?
Fernando Capez —
O César Bertolino, denunciado que recebeu proposta de um acordo de delação premiada, desde que ele falasse meu nome. Se não falasse que eu estava envolvido, eles não fariam o acordo.

ConJur — E o que ele disse?
Fernando Capez —
Ele afirmou que foi ameaçado quatro das seis vezes em que esteve na delegacia de Bebedouro. Está relatado pelo advogado dele, na sustentação oral, que na última vez que ele foi ameaçado, telefonaram da delegacia de polícia pedindo que ele fosse até lá para complementar o depoimento na presença de um procurador de Justiça. Ele conta que houve uma surpresa quando chegou com o advogado e que isso foi indagado pelo próprio delegado seccional. Ao entrar na delegacia eles passaram direto pela sala de depoimento e o policial mandou que eles continuassem andando
— nesse momento eles ligaram o gravador do celular, tem um áudio disso e ao chegarem nos fundos da delegacia encontram mais quatro delegados e o promotor Romanelli. Eles contam que começaram a ser coagidos aos gritos e tapas na mesa para que indicasse o meu nome e apontasse o meu envolvimento no caso. A gravação mostra ele dizendo: “mas eu não sei quem é esse deputado, eu não estive com esse deputado". No áudio também aparece o promotor dizendo “esse aí realmente precisa de um reforço na memória, em um local mais adequado”.

ConJur — Quando a investigação avançou, essas testemunhas mantiveram seus depoimentos?
Fernando Capez —
À Corregedoria Geral da Administração e na CPI todos disseram que eu não estava envolvido e que meu nome foi usado indevidamente. Quando foram ouvidos perante o Tribunal de Justiça, por um desembargador relator, que é o desembargador que comandou a investigação autorizando todas as provas que o Ministério Público quis produzir, todos reiteraram a mesma fala: “o deputado Capez teve o seu nome envolvido, mas ele não tem nada a ver com essa situação”.

ConJur — Cássio Chebabi, acusado de ser o chefe da máfia da merenda, também citou seu nome.
Fernando Capez —
Cassio Chebabi assinou um acordo de delação, mas não delatou nada com relação a mim, porque ele é testemunha de ouvir dizer. Ele afirmou que ouviu dizer, sim, que o dinheiro era para mim, mas depois tomou conhecimento de que recebia mensagens falsificadas. Em um trecho de seu depoimento ele diz que nunca esteve comigo e que já não confiava em mais ninguém. Ele afirmou que membros da cooperativa e o delator Marcel [Ferreira Junior] confessaram que falsificavam mensagens de WhatsApp e mandavam para ele dizendo que estiveram com um assessor meu e que se eles não pagassem eu cancelaria o pagamento da licitação. O número de celular com o meu nome que estava na agenda eletrônica de César Bertolino, utilizado como argumento para apontar meu envolvimento com ele, não era verdadeiro. É um celular de outra pessoa ou um celular inventado, já que as mensagens eram falsificadas.

ConJur — E o que o senhor tem a dizer sobre o depoimento do lobista Marcel Ferreira Junior?
Fernando Capez —
Em primeiro lugar, as provas produzidas na polícia foram coagidas, provas ilícitas, obtidas por meio de pressão, de constrangimento ilegal. Isso quando não por meio de fraude direta, como a testemunha que afirmou que o seu depoimento foi redigido e ela só ratificou depois. Quanto ao depoimento do Marcel Junior, ele fez um acordo de delação premiada, prestou informações e forneceu documentos, mas com relação a mim ele não fez nenhuma delação e não imputou nenhum crime. Mas o caso foi mostrado de uma maneira absolutamente tendenciosa e dava a impressão de que ele havia imputado um crime.

ConJur — O que ele disse exatamente?
Fernando Capez —
Está nos autos que sobre mim ele disse que foi até o meu comitê eleitoral na época da campanha para deputado, entre junho e julho de 2014. Um comitê com uma média de 200 pessoas por dia. Segundo ele, um assessor meu teria telefonado perguntando se eu estava vindo para o comitê, eu disse que sim.

Quando eu chego no comitê eleitoral, sou abordado por várias pessoas, dentre essas pessoas, segundo a delação, por ele. E ele diz para mim o seguinte: “olha, tem uma cooperativa de agricultores que ganhou uma licitação em 2013, mas essa licitação foi cancelada pela Secretaria da Educação e ninguém diz porque foi cancelada, então os agricultores estão querendo saber por que foi cancelada essa licitação e qual a previsão para ser aberta uma nova concorrência, uma vez que o suco está estragando no estoque”.

Segundo o delator, eu mando minha secretária ligar na Secretaria da Educação para saber por que foi cancelada a licitação e quando seria aberta uma nova concorrência. Qual é o crime? Isso é atividade parlamentar típica, todo parlamentar faz isso. Aí, então, segundo ele, não tinha ninguém na Secretaria de Educação e, alguns minutos depois, recebo uma ligação do chefe de gabinete do secretário da Educação, Fernando Padula, no meu celular. Então, de acordo com o delator, eu atendo e pergunto a ele o motivo do cancelamento e a data da nova licitação. Depois de desligar, Marcel Ferreira Junior diz que digo a ele a seguinte frase “olha, não vai esquecer de mim, estamos sofrendo com a campanha”, e então ele vai embora, vira as coisas e eu nunca mais o vejo.

Perante o desembargador do Tribunal de Justiça, ele complementa a sua deleção, dizendo o seguinte: “eu não tenho intimidade com o deputado Fernando Capez, até porque ele nunca me pediu dinheiro". E então ele apresentou uma petição escrita com o seu advogado dizendo que “foi enfático em dizer que o deputado jamais lhe exigiu qualquer vantagem pessoalmente, jamais agiu com dolo ou má-fé e que no decorrer desse feito percebeu que o nome do deputado foi apenas objeto de uso indevido pelos agentes públicos”. Afirmou que eu não pedi dinheiro e que, quando eu disse que estava sofrendo na campanha, isso não foi interpretado como um pedido de dinheiro.

ConJur — Mas no primeiro depoimento ele falou até do seu gesto com o polegar e o indicador [esfregando os dedos, em sinal de pedido de dinheiro] ao dizer que estava sofrendo na campanha.
Fernando Capez —
Sim. Sobre esse gesto ele diz que foi na frente de mais de 15 pessoas, em público como uma brincadeira. "Não tem nada, não tem nada", foi o que ele chegou a dizer. Então, o que está sendo indicado contra mim é uma suposta brincadeira. Primeiro, como é que eu vou fazer uma brincadeira dessas com quem eu não conheço e não tenho intimidade? Mas, imaginamos que ele tenha razão, qual o crime da brincadeira?

ConJur — Ele nunca esteve no seu gabinete?
Fernando Capez —
Ele tentou acesso ao meu gabinete e eu tenho uma testemunha dizendo que não permiti a entrada dele, porque não o conhecia. Carlos Luciano Lopes chegou a questionar: "como é que ele diz que conhecia o deputado, que tinha intimidade, se nós nunca tivemos seque acesso a antessala do homem?". Aí teve uma pessoa que trabalhou comigo e assinou um contrato e assinou recibos e um outro ex-assessor.

Eles foram afastados em 2016. Jéter Rodrigues Pereira era funcionário efetivo concursado da casa, não era assessor nomeado em cargo de confiança. Em depoimento ele confirmou que tinha pouco contato comigo e, quando perguntado se eu tinha conhecimento deste contrato assinado com a Coaf, ele negou e disse que não repassou nenhuma propina para mim.

ConJur — O senhor não teve realmente contato com ele?
Fernando Capez —
A acusação diz que ele recebeu repasses de vantagens em 2015, ano em que ele não estava no meu gabinete, mas no departamento de comissões da casa, que é o departamento de funcionários concursados e efetivos. Ou seja, eu estava no gabinete da presidência e ele trabalhava no departamento de comissões. Não tínhamos nenhuma relação nem antes nem no momento em que ele estava no meu gabinete.

ConJur — E o segundo assessor apontado na acusação?
Fernando Capez —
José Merivaldo dos Santos trabalhou no meu gabinete em 2011 e sempre me ajudou nas campanhas eleitorais. Ele também diz que eu não tinha conhecimento do contrato e chegou a se desculpar por ter indicado Jéter para trabalhar no gabinete comigo.

ConJur — Qual sua relação com o ex-chefe de gabinete da Secretaria de Educação de São Paulo, Fernando Padula?
Fernando Capez —
Ele declarou que teve um único contato comigo, presencial, na sede do Ministério Público. Segundo ele, nós fomos apresentados naquele momento e foi a única vez que nos vimos. “O deputado Fernando Capez nunca pediu depoente e nenhuma interferência em favor da Coaf”, afirmou em seu depoimento.

ConJur — Mas o delator afirmou que ele te telefonou no seu celular pessoal?
Fernando Capez —
Eu nunca recebi ligação, eu nunca falei com Padula, por telefone ou pessoalmente, ressalvado aquele encontro de 30 segundos dentro do prédio do Ministério Público. Assim como a coordenadora de licitações, Dione Di Pietro, que está sendo injustiçada e afirmou que nunca recebeu nenhuma ligação minha. Ela disse que só me conhece de fotografia.

ConJur — Quais são essas ligações apontadas com a quebra de sigilo?
Fernando Capez —
O estudo de ligações que o Ministério Público fez foi de maio a setembro de 2014, ou seja, todas durante o período de campanha. A licitação e o edital foram publicados no dia 20 de agosto desse mesmo ano, o julgamento foi dado em novembro, e o contrato assinado em dezembro. Os supostos pagamentos de propina foram feitos no ano seguinte. Entre maio e setembro tiveram 11 chamadas do senhor Leonel Júlio, ex-deputado que toda campanha se apresentava para me ajudar. Ele não teve nenhuma participação nos fatos ou contato com a Cooperativa ou com o secretário de Educação. Também tiveram ligações de Jéter e Merival que trabalhavam comigo na campanha. O sigilo mostra esses telefonemas, mas o resto é puramente especulativo.

ConJur — O precedente do mensalão, com a aplicação da teoria do domínio do fato, não permite que o senhor seja implicado a partir do momento que seus dois assessores estão envolvidos? 
Fernando Capez —
A teoria do domínio do fato pressupõe que aquele que detém o comando tenha conhecimento de todas as ações, isso é domínio do fato, conhecimento de tudo o que os seus subordinados estão fazendo. É o caso, por exemplo, do mandante de um crime, o mandante tem que ter o conhecimento de tudo que o executor está fazendo, domínio do fato. Para alguém ter o domínio do fato, tem que ter, além do conhecimento do fato, o poder de interromper a ação a qualquer momento.

ConJur — O senhor está dizendo que a teoria não se aplicaria ao seu caso?
Fernando Capez —
O que existe aqui é uma forma abjeta de responsabilidade objetiva, tal qual existia na Idade Média. Responsabilidade objetiva no Direito Penal é um grande retrocesso. Dizer que uma pessoa, porque trabalha com você — ou, como no meu caso, trabalhou no passado, porque quando houve os supostos pagamentos ninguém trabalhava mais comigo — implica sua responsabilidade direta é presunção de dolo e presunção de culpa. Isso agride diretamente a Constituição e é um enorme risco para qualquer pessoa. Não me cabe comentar o caso do mensalão porque eu teria que estudar as especificidades das provas, mas, no meu caso, não teve nenhuma testemunha ou ligação telefônica registrando essa minha participação.

ConJur — Quais foram as medidas que o senhor tomou contra as acusações?
Fernando Capez —
Como presidente da Alesp, pedi a abertura da CPI. Já tinham cinco comissões em andamento e ela entraria na fila, mas eu autorizei sua instalação simultaneamente com as outras cinco. Portanto, não fosse a minha postura como presidente, não teria sido instaurada a CPI que a imprensa acompanhou, e os partidos de oposição dominaram completamente. Eu forneci todo meu sigilo bancário e fiscal para o Ministério Público e a análise desses dados mostram a inexistência de qualquer movimentação atípica, suspeita ou estranha. Minha evolução patrimonial está justificada exclusivamente pelos meus vencimentos, e o que entrou na minha empresa ou instituto foram aulas, palestras e direitos autorais de livros. Por isso a CPI concluiu pela inexistência de qualquer participação minha. O que foi confirmado pelo relator que rejeitou a denúncia por não vislumbrar mínimos indícios de participação, e foi ele quem presidiu toda a investigação, quem produziu toda a prova.

ConJur — O Brasil vive uma era bastante punitivista. O senhor identifica traços parecidos dessa sua situação em outros inquéritos e processos?
Fernando Capez —
Sim. Há uma grande e até justa aspiração da população pelo combate à corrupção. O que ocorre é que a autoridade pública deve ter absoluto equilíbrio e foco nas provas objetivas, porque, na medida em que a população espera dos agentes de fiscalização uma ação efetiva, há uma cobrança muito grande desses agentes. No momento em que eles vão para o centro da ribalta, têm que ter muito equilíbrio para não se influenciarem por aquilo que muitas vezes a imprensa quer que seja dito para valorizar a notícia.

Eu fui promotor durante muitos anos, combati várias máfias, combati vários casos corrupção, inclusive de violência de torcidas organizadas do futebol, mas nunca cedi à tentação de falar aquilo que não contava nos autos ou que não era prova dos autos, porque está no decálogo do promotor de Justiça de César Salgado, "jamais fazer da desgraça alheia pedestal para sua vaidade".

ConJur — Há um componente político dessa acusação, na sua opinião?
Fernando Capez —
Fui o deputado estadual mais votado de São Paulo. Tive quase 60 mil votos a mais que o segundo colocado. Fui eleito presidente da Assembleia, com 92 dos 94 votos. Em 2015, ano em que fui acusado de receber propina, cortei contrato de renovação de informática da assembleia no valor de R$ 25 milhões; resolvi suspender a renovação das frotas dos veículos; cancelei compras para renovação do mobiliário, de cadeiras flexíveis; recebi uma obra licitada para assinar no valor de R$ 9 milhões que decidi cancelar e determinar que fossem feitos novos estudos para encontrar uma solução mais barata. No total, economizei R$ 80 milhões. No ano em que o Poder Judiciário, o Ministério Público, o Tribunal de Contas e o Tribunal de Justiça Militar pediram suplementação de verba orçamentária, a Assembleia devolveu R$ 16 milhões ao governador.

ConJur — Era um cenário de crise?
Fernando Capez —
Bem além disso. Nós votamos sem política de “toma lá, dá cá”. Não precisamos pagar nem 10% das emendas parlamentares que precisava pagar, e aprovamos 65 projetos da autoria do governador, oito do Tribunal de Justiça, mais três do MP, um da Defensoria Pública, quatro do TCE. Oitenta e um projetos de lei. Quando eu assumi, a Assembleia tinha mais de mil projetos travando a pauta. Tinham 846 vetos, nós deliberamos 770. Evidentemente, tudo isso provocou uma notícia de que eu seria candidato a governador do estado.

Curiosamente, logo em seguida a essa matéria, testemunhas de ouvir dizer foram coagidas a dizer meu nome nas investigações. É muito estranho tudo isso. Criou-se a expressão “máfia da merenda”, deu-se o nome bonito à operação e estão jogando nisso porque em um dia eu fui no meu comitê e o sujeito [Marcel Ferreira Junior] estava lá.

ConJur — A denúncia afirma também que o senhor se encontrou com empresários ligados à Coaf. O senhor nega?
Fernando Capez —
Encontros aonde? É mentira.

ConJur — Encontros ligados à cooperativa sobre negociações com a secretária de Educação.
Fernando Capez —
A denúncia está mentindo. A denúncia não pode ser, como disse o relator, fruto da imaginação ou da vontade do acusador. Eu me encontrei onde? Com quem? De que maneira? Quando o MP faz uma denúncia e diz que houve encontros, deve especificar esses encontros com local, data, horário. Mas foi tudo chutado na convicção de que a pressão feita pela mídia e a distorção da informação dessem a força necessária para o processo seguir. Eu pergunto, como é que alguém vai se defender disso?

Houve vazamentos seletivos. Documentos que eram de posse exclusiva da Procuradoria-Geral foram cedidos a um jornalista. Foi um grande estardalhaço, isso vai criando uma atmosfera em que nenhum cidadão consegue se defender. Hoje as pessoas aplaudem, porque não foi com elas. No momento em que você autoriza esse tipo de investigação sem que haja um padrão objetivo, qual é a garantia do cidadão?

ConJur — Apesar dessas irregularidades que o senhor aponta, o TJ-SP viu indícios suficientes para abrir ação penal.
Fernando Capez —
O relator rejeitou a denúncia, o corregedor-geral — juiz com larga experiência na área criminal, que foi corregedor do DIPO [Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária]   rejeitou a denúncia, o vice-presidente rejeitou a denúncia, o decano rejeitou a denúncia e, mesmo sendo egresso do Ministério Público, mandou apurar responsabilidade em troca, o que sobra? O voto divergente baseado exclusivamente na prova produzida na polícia.

Prova que foi totalmente desmentida: o texto foi obtido de forma ilícita por coação, um telefone meu que não era meu na agenda de um dos membros, e o estudo de ligações chamado mentirosamente de interceptação relativo ao período da campanha em que eu não falo com ninguém da cooperativa, nem com o delator. Ora, indício é o fato conhecido e provado a partir do qual você pode deduzir que houve a prática de um fato, qual é o fato conhecido e provado, do qual vocês podem deduzir que eu me reuni, que negociei, que conversei? Ele sequer é descrito na denúncia.

ConJur — O senhor avalia que sua defesa vem sendo cerceada?
Fernando Capez —
Sim. Como é que eu vou me defender da lavagem de dinheiro? Lavagem de que dinheiro? Entregue onde? Para quem? Para pagar que despesa? Não se sabe nem se o dinheiro foi entregue, não se sabe nem se o dinheiro circulou. Foi apreendida uma quantidade de dinheiro em janeiro, que estava vindo para São Paulo, sabe-se lá para quem que ia esse dinheiro, aonde que ia ser feito a entrega. Com quem que essa pessoa falou antes? Nada! É lamentável, porque, se existe uma máfia da merenda, ela só começou a ser investigada agora pela Polícia Federal. Perderam dois anos e meio concentrados em tentar me destruir, difamar e me afetar pessoalmente e politicamente.

ConJur — O senhor caracterizaria como abuso de poder alguma atuação do MP nesse processo?
Fernando Capez —
As testemunhas que estão caracterizando como abuso de poder, sem dúvida alguma. E a investigação é feita por meio de crime de violação de sigilo legal. A instauração do processo em si já é uma pena, uma pena de infâmia por todo o estardalhaço que foi feito, para instaurar um processo é necessário materialidade do crime e indícios razoáveis de autoria.

ConJur — O seu irmão, o juiz Rodrigo Capez, falou sobre pena antecipada quando o TJ-SP recebeu a denúncia. O senhor concorda?
Fernando Capez —
Sim. A pena antecipada ocorre desde o primeiro momento em que foi feita a divulgação criminosa de um fato sob sigilo. Esta é uma pena antecipada, é uma pena que vai submetendo a pessoa e a família a um suplício. Se existe prova para esse suplício, que a pessoa responda pelo que ela fez. Mas submetê-la a isso sem nenhuma prova, instaurar um processo, perpetuar esse processo com todo o escândalo que foi feito, com toda exploração, realmente…

ConJur — Na opinião do senhor, então, não existe paridade de arma entre acusação e defesa?
Fernando Capez —
Infelizmente não existe, porque a acusação atua, muitas vezes, em parceria e conluio com a mídia. Quando é feito um massacre tendencioso, no qual é sonegado da população o acesso à informação, você não tem como se defender. Por que a imprensa acompanhou toda a CPI e ninguém noticiou o que as testemunhas falaram? Por que os repórteres iam assistir à CPI quando eram inocentados e hoje não tem matéria? Não seria correto e honesto que a população tivesse acesso integral à informação? A população teve acesso a uma informação quebrada, manipulada e tendenciosa. Por isso não existe paridade de armas. Eu me mantive em silêncio durante dois anos e meio, sendo difamado porque confio na Justiça, mas não posso deixar que impressa continue levando informações falsas à população.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o nosso modelo atual da delação premiada?
Fernando Capez —
Em primeiro lugar, uma delação teria, em tese, que ser mantida em sigilo e só poderia ser divulgada quando estivesse efetivamente comprovada. Não se pode celebrar um acordo de delação premiada só com base na notícia e no relato feito pelo delator. Então, o modelo atual, em muitos dos casos, afronta a lei e está sendo usado como instrumento de vingança, chantagem ou extorsão.

ConJur — Quais são as consequências desse modelo?
Fernando Capez —
No momento em que se faz a delação sem a cautela de ter a comprovação desses fatos, a consequência é que você antecipadamente destrói uma vida e cria uma influência enorme na cabeça de quem vai julgar ou de quem vai ter que aceitar essa delação. A delação não deve ser utilizada para incriminar especificamente uma pessoa, ela é para dar conhecimento de fatos que não poderiam ser descobertos sem aquela colaboração. Na medida em que você condiciona a delação a uma informação que não é verdadeira, mas que te interessa por algum motivo, está fraudando o instituto, e foi isso que aconteceu no meu caso.

ConJur — Deputado, o que pode explicar um episódio como esse? O senhor mesmo já disse esse seu episódio não é isolado.
Fernando Capez —
Eu acho difícil de explicar o meu episódio. Eu sou procurador de Justiça, tenho 30 anos de carreira no Ministério Público e fui um dos que ajudou a levantar o nome da instituição. Como deputado estadual e presidente da Assembleia, votei todos os projetos de interesse do Ministério Público, garanti ao órgão uma independência financeira votando projetos que transferem recursos anuais, então não consigo imaginar que alguma pessoa que trabalhou comigo, que é colega de faculdade, colega de concurso, deu aula comigo, despachava comigo regularmente no gabinete da presidência, me recebia no seu gabinete com outros deputados e fazia rasgados elogios, possa supor que eu iria fraudar uma licitação e ainda mais desse assunto. Ou seja, usar meu tempo, o meu prestígio para fraudar uma licitação, favorecer uma empresa, aumentar artificialmente o valor e receber esse valor.

ConJur — A quem o senhor se refere?
Fernando Capez —
Eu estou me referindo aos dois procuradores-gerais, o anterior [Márcio Elias Rosa] e o atual [Gianpaolo Smanio], que me conhecem profundamente, deram aula comigo, nós trabalhamos juntos. Eles conhecem a minha índole. O que eu acho é que nós vivemos um clima de “caça às bruxas” e as pessoas não querem assumir determinadas posições.

ConJur — O Ministério Público de São Paulo também é constantemente apontado como braço direito do governo do estado. O que o senhor acha sobre isso?
Fernando Capez —
Prefiro não dizer o que penso a respeito. Posso dizer que o procurador-geral havia afirmado, na frente de várias testemunhas em 2017, que iria arquivar o caso porque não havia prova nenhuma contra mim. De repente, ofereceu denúncia e pediu meu afastamento da Assembleia e do cargo de procurador. Sendo que um mês e meio antes ele fazia rasgados elogios no gabinete na presença de outros deputados. Então eu acho que tem todo um bastidor muito estranho em tudo isso.

ConJur — Quando o senhor diz caça às bruxas, as principais bruxas seriam da política?
Fernando Capez —
Eu acho que hoje sim. Hoje o foco está todo na política. Há uma visão generalista de que quem está na política não presta, e isso é muito ruim. Você começa a buscar pelo em ovo, principalmente nas figuras que mais se destacam. Isso parece um desserviço porque as pessoas que estão fora da política têm medo de entrar, e aqueles que tem um nome a zelar começam a ficar desestimulados. Muita gente falou para mim que depois do que fizeram comigo não iria mais entrar na política. Mas eu não vou desistir. Tenho a impressão de que isso tudo foi feito para que eu desistisse, não vou desistir. A meu ver, tenho muita coisa a contribuir e pretendo prosseguir na minha carreira política.

ConJur — O senhor aconselharia alguém a entrar na política hoje?
Fernando Capez —
A uma pessoa que está tranquila eu não aconselho a entrar na política hoje, muito menos ser gestor público. Mas quem já está e sofre o que eu sofri, eu digo que não deve enfiar o rabinho entre as pernas e sair, tem que enfrentar com a consciência tranquila e não se esconder.

ConJur — O senhor recomendaria algum amigo ou familiar a entrar para o Ministério Público?
Fernando Capez —
Isso eu recomendo. Tenho enorme admiração pelo Ministério Público, sou membro e admiro o trabalho que o órgão realiza. O MP foi a instituição mais importante após a Constituição Federal. Acho que as pessoas têm que entrar, mas com a visão de que é importante defender a sociedade, proteger o patrimônio público, combater a criminalidade, mas tomando cuidado para não fazer da desgraça alheia pedestal para própria vaidade. Tomar cuidado para que, no momento em que desempenhar uma função pública tão relevante e ganhar notoriedade, não se entusiasmar e fazer da autoprojeção um projeto mais importante do que a defesa da sociedade.

* Texto atualizado às 12h35 do dia 27/6/2018.

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