Opinião

Veja como ficará a pré-campanha eleitoral, com a decisão do TSE

Autor

  • Rodrigo Cyrineu

    é advogado Mestre em Direito Constitucional e membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).

27 de junho de 2018, 18h44

O período antecedente à campanha eleitoral propriamente dita, chamado de “pré-campanha”, é regulado pelo artigo 36-A da Lei 9.504/1997 que, em bom português, assim dispõe: “Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos (…)”.

Nada obstante a clareza e a objetividade da norma advinda com a minirreforma de 2015 (Lei 13.165), a Justiça Eleitoral vinha interpretando o dispositivo das mais variadas formas, acabando com a necessária certeza e previsibilidade dos players eleitorais.

Até que o Tribunal Superior Eleitoral, em um primeiro momento, em vários precedentes da relatoria do ministro Luiz Fux, posicionou-se de forma a conferir a maior liberdade possível nesse cenário prévio à campanha, asseverando que “a propaganda eleitoral extemporânea caracteriza-se somente mediante o pedido explícito de votos, nos termos do art. 36-A da Lei n° 9.504/97”.[1]

Essa postura inaugural, extremamente liberal, permitia até a utilização de outdoors, como bem se observa do seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA POR MEIO DE OUTDOOR. ART. 36-A DA LEI Nº 9.504/97. AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTOS. OFENSA AO ART. 39, § 8°, DA LEI Nº 9.504/97 NÃO VERIFICADA. DESPROVIMENTO.

1. A ratio essendi subjacente à vedação do art. 36, caput, da Lei das Eleições, que preconiza que a propaganda eleitoral somente será admitida após 15 de agosto do ano das eleições, é evitar, ou, ao menos, amainar a captação antecipada devotos, o que poderia desequilibrar a disputa eleitoral, vulnerar o postulado da igualdade de chances entre os candidatos e, no limite, comprometer a própria higidez do prélio eleitoral.

2. A configuração da propaganda eleitoral extemporânea exige pedido explícito de voto, não possuindo tal aptidão a mera alusão a gestões, com enaltecimento de obras, projetos, qualidades do pré-candidato e outras condutas de divulgação da plataforma política.

3. In casu, verifica-se, da leitura do decisum regional, que não há elementos capazes de configurar a existência depropaganda eleitoral extemporânea. Isso porque o conteúdo transcrito não extrapola o limite normal da liberdade deexpressão, estando ausente o pedido expresso de votos.

4. Agravo regimental desprovido. (Recurso Especial Eleitoral nº 4160, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 35, Data 20/02/2018, Página 94/95)

Todavia, duas circunstâncias motivaram uma reflexão mais profunda por parte da Justiça Eleitoral: (i) a excessiva utilização de meios de divulgação de grande impacto, como banners, outdoors, faixas e afins, todos estes proibidos na fase de campanha propriamente dita; e (ii) o uso desmesurado de recursos financeiros, seja em impulsionamento de mensagens em redes sociais, ou mesmo em outras formas de divulgação de ideias na fase de “pré-campanha”.

Daí que o TSE, uma vez mais, se debruçou sobre o tema, com várias posições dissonantes, o que reclamou pedido de vista do ministro Fux nos processos AgRg no AI 9-24 de Várzea Paulista/SP e AgRg no REspe 43-46 de Itabaina-SE.

Na sessão ordinária noturna de 26 de junho de 2018, por maioria (vencidos os ministros Luiz Edson Fachin e Rosa Weber), o tribunal fixou as tão esperadas balizas sugeridas pelo ministro Luiz Fux, como passo a expô-las.

Primeira baliza: o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, configura propaganda antecipada irregular independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos.

É dizer: qualquer forma de pedido de votos atrai a norma que veda a propaganda extemporânea, com sujeição do autor e do beneficiário à pena de multa no valor de R$ 5 mil a R$ 25 mil, ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.

Segunda baliza: os atos publicitários não eleitorais, assim entendidos aqueles sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em indiferentes eleitorais, situando-se, portanto, fora da alçada da Justiça especializada.

Terceira baliza: o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhado de pedido explícito de voto, não enseja a irregularidade per se. Todavia, a opção pela exaltação de qualidades próprias para o exercício do mandato, assim como a divulgação de plataformas de campanha ou plano de governo acarreta, sobretudo quando a forma de manifestação possua uma expressão econômica minimamente relevante, obedecendo os seguintes ônus e exigências: a) impossibilidade de utilização de formas proscritas (proibidas) durante o período oficial (outdoor, brindes) se considerados com conteúdo eleitoral; b) respeito ao alcance das possibilidades do “pré-candidato médio”, sendo que eventuais excessos serão examinados sob o viés do abuso de poder econômico nos casos concretos.

De todas as balizas sugeridas, a única que ainda deixa relativa margem de insegurança é aquela atinente aos gastos financeiros na “pré-campanha”, os quais devem se dar com respeito ao alcance do “pré-candidato médio”, o que, no fundo, é simplesmente uma exigência de bom senso dos partidos e candidatos, de modo a evitar o uso desmesurado, e por isso abusivo, de dinheiro como forma de fulminar a igualdade de chances e oportunidades.

O saldo, ao final, é positivo. Houve coerência em se impedir a divulgação de plataformas por meios e formas vedados na fase de campanha propriamente dita, o que impede, preventivamente, o abuso do poder econômico pela utilização de outdoors e demais meios massivos de comunicação.

Ademais, a remissão à ideia de “pré-candidato médio” é um chamado ao bom senso e à razoabilidade dos players eleitorais, já cientes de que os excessos poderão culminar em cassações de mandatos eletivos, a forçar a autocontenção dos disputantes.

Aliás, não poderia mesmo ser diferente após o legislador ter introduzido o crowdfunding (financiamento eleitoral prévio e coletivo) e a possibilidade de se fazer campanha arrecadatória a partir de 15 de maio do ano eleitoral[2].

Com efeito, o legislador introduziu o inciso VII ao artigo 36-A da Lei 9.504/1.997, excetuando, da ideia de propaganda extemporânea, a “campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do parágrafo 4o do artigo 23 desta Lei”.

Não se coadunaria com o espírito da novel legislação, agora com a possibilidade de arrecadação coletiva a partir de 15 de maio do ano eleitoral, qualquer interpretação restritiva a propósito dos atos dos atores políticos na fase de debates prévios, quando, frise-se, as próprias doações eleitorais já estariam permitidas, as quais necessariamente demandam campanha arrecadatória, dando-se, desde aí, o pontapé inicial ao momento eleitoral.

Não é o cenário ideal. Não temos a melhor legislação. Mas, trabalhando com a que temos, o Tribunal Superior Eleitoral não poderia orientar algo melhor do que fez.


[1] Recurso Especial Eleitoral nº 3157, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 30, Data 08/02/0218, Página 90/91.

[2] “Art. 22-A. (…) §3º Desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos a arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei, mas a liberação de recursos por parte das entidades arrecadadoras fica condicionada ao registro da candidatura, e a realização de despesas de campanha deverá observar o calendário eleitoral”. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

Autores

  • Brave

    é advogado, membro-fundador da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e especialista em Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Eleitoral pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso.

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