Voto pendular

Juiz "fiel da balança" anuncia aposentadoria da Suprema Corte dos EUA

Autor

27 de junho de 2018, 18h16

O juiz Anthony Kennedy, da Suprema Corte dos Estados Unidos, anunciou nesta quarta-feira (27/6) que vai se aposentar. Em carta enviada ao presidente Donald Trump, Kennedy avisou que fica no cargo até o dia 31 de julho, quando assumirá o status de membro sênior da corte. Nos EUA, o cargo de juiz da Suprema Corte é vitalício ou até o ocupante da cadeira pedir para deixá-la.

Na carta, o justice, como são chamados os membros da Suprema Corte, pediu licença para “expressar minha profunda gratidão por ter tido o privilégio de buscar, em cada caso, como saber, interpretar e defender a Constituição e as leis que sempre devem conformidade aos seus mandamentos e promessas”.

A aposentadoria dá a Trump a oportunidade de consolidar a maioria republicana na Suprema Corte. Diferentemente do Supremo Tribunal Federal brasileiro, a Suprema Corte dos EUA é nitidamente dividida pela ideologia de seus integrantes, que costuma seguir a tendência dos presidentes que os indicaram. Kennedy era uma exceção: nem sempre seguia a orientação política do Partido Republicano, ao qual pertencia Ronald Reagan, presidente que o indicou, em novembro de 1987. Muito por causa dele, as decisões do tribunal ficam em cinco a quatro a favor do posicionamento liberal.

Kennedy tem 81 anos e está no tribunal desde 1988. Embora tenha sido escolhido por um presidente que se tornou ícone do conservadorismo norte-americano, Kennedy era considerado o voto “pendular”, que funcionava como meio-termo entre os posicionamentos liberais e conservadores — por isso era chamado de “o juiz mais importante da composição” pelo jornal Washington Post.

Era o principal representante do que a doutrina norte-americana chama de “voto pivotal”, ou o posicionamento que costuma conduzir o voto da maioria — na Suprema Corte dos EUA, os juízes não declaram votos individuais, mas o presidente da corte anuncia a posição do tribunal, conforme o posicionamento da maioria dos integrantes, de acordo com votos colhidos em sessões secretas.

Swing vote
Kennedy é chamado pela comunidade jurídica norte-americana de swing justice ou de swing vote, algo como juiz ou voto pendular. Ele foi, por exemplo, o voto a favor do fim dos limites de doações a campanhas eleitorais por associações e empresas, caso conhecido como Citizens United e considerado uma grande vitória do Partido Republicano, com maior apelo corporativo e menor apelo popular que o Partido Democrata.

Também foi dele o voto que conduziu o entendimento do tribunal quando foi declarada inconstitucional a recontagem de votos das eleições de 2000, consagrando a vitória do republicano George W. Bush contra o democrata Al Gore.

Mas Kennedy também votou pela inconstitucionalidade de uma lei do Missouri que definia o início da vida no momento da concepção, obrigando mulheres que quisessem fazer abortos a ter autorização de médicos. Com isso, o tribunal basicamente reconheceu a existência do direito ao aborto, conforme descreveu o site Scotus Blog, especializado na cobertura da Suprema Corte.

O justice também conduziu, em 1996, o entendimento do tribunal quando foi declarada inconstitucional uma lei do Colorado que permitia a estabelecimentos comerciais discriminar clientes conforme a orientação sexual — entendimento revisto recentemente pelo tribunal. Foi de Kennedy também o voto fundamental pela inconstitucionalidade de uma lei do Texas que criminalizava relações sexuais entre adultos do mesmo sexo.

Interpretação constitucional
Kennedy não foi a primeira escolha de Reagan para o cargo, conta o Scotus Blog. Antes dele, o ex-presidente indicara o ícone conservador Robert Bork e o juiz federal Douglas Ginsburg. Este retirou sua nomeação após ser revelado que ele fumou maconha depois de adulto, o que não pegou bem para um autodeclarado conservador.

Bork foi rejeitado pelo Senado dos EUA, num dos mais conhecidos episódios da fábula jurídica norte-americana. Juiz federal e autor de diversos livros e teses, Bork era um defensor do que, nos EUA, se denomina “originalismo” ou “textualismo”. Em linhas gerais, prega que o Judiciário não pode criar, emendar ou rejeitar leis, mas apenas declará-las ou não inconstitucionais conforme a intenção original da Constituição, promulgada em 1787, e de suas emendas.

Quando Kennedy foi indicado, Reagan chegou a declarar que ele era “um verdadeiro conservador”, embora depois tenha confessado que a escolha tenha vindo porque o juiz era bem-visto “por senadores das duas matizes partidárias”, segundo reportagem da jornalista Amy Howe publicada em seu blog, Howe on the Court, também especializado na cobertura da Suprema Corte.

Disputa acirrada
De acordo com o New York Times, Trump já avisou que não deve indicar juízes “pró-vida”, como são conhecidos os defensores da legalização do aborto, nem juristas de perfil liberal. Portanto, a expectativa é que a indicação seja de um nome intimamente ligado ao Partido Republicano e defensor de ideias conservadoras.

Mas, conforme preveem os jornais dos EUA, a disputa será quente, dada a importância de “juízes pendulares” como é Kennedy e como foi a juíza Sandra Day O’Connor, aposentada em 2006.

Também diferentemente do que acontece no Brasil, não é raro que o Senado dos EUA rejeite indicações à Suprema Corte. A aprovação do hoje justice Neil Gorsuch, única indicação de Trump, por exemplo, se deu "na marra", conforme reportagem da ConJur.

Até Gorsuch ser aprovado, a regra tradicional do Senado era que indicações para a Suprema Corte teriam de ser aprovadas por dois terços dos senadores. Era uma regra de 130 anos que servia para forçar os presidentes a indicarem nomes de consenso, evitando "juízes extremistas".

Para aprovar Gorsuch, os senadores republicanos conseguiram derrubar a regra, estabelecendo que a indicação pode ser aprovada por maioria simples dos votos (51 dos 100 senadores).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!