Charles Darwin e a coragem da negativa do lugar-comum
24 de junho de 2018, 8h00
A Origem das Espécies, de Charles Robert Darwin (1809-1882), um dos livros mais emblemáticos e discutidos de nossa cultura, foi publicado em 1859. Suscitou intenso debate, temperado por ironias e agressividades, a exemplo do clérigo que teria perguntado a Darwin se o cientista descenderia dos símios pelo lado paterno, ou materno… Jornais publicavam caricaturas de Darwin mostrando-o como um primata. Muita maldade.
Darwin resistiu e rebateu as críticas que recebeu. Sua teoria, de alguma forma, rejeitava o criacionismo dominante. Ainda que violentamente atormentado pelo sofrimento de uma filha, Anne Elizabeth, que morreu aos 10 anos, tragédia que se atribuiu à indignação justificada de uma ira transcendente, Darwin permaneceu firme, centrado em sua inabalável convicção. Sua esposa, Emma Wedgwood, sugerem os biógrafos de Darwin, teria admitido que a morte de Anne seria o nêmese que a desafiadora concepção do cientista inglês causara. A negação do criacionismo pura e simples foi o pomo da discórdia do casal.
A parte introdutória da A Origem das Espécies é também leitura obrigatória para todos quantos nos preocupamos com questões de epistemologia. São páginas de muita sinceridade intelectual. No núcleo do livro, o problema de nossa origem, isto é, a origem das espécies, porque não passamos de mais uma espécie entre tantas espécies, no contexto do “mistério dos mistérios”, superlativo hebraico utilizado por Darwin, para quem o miolo da questão estaria na compreensão da independência (ou não) do processo criador. É um quebra-cabeças que singulariza uma dúvida permanente, e do qual depende muitas posições que tomamos em face da vida, e da morte.
Na singularidade dessa dúvida, o grande mistério que provoca quem quer que se interesse pelas explicações sobre a existência humana. Darwin mostrava-se absolutamente seguro das conclusões que sua pesquisa indicou. Essa segurança, ainda que fortemente construída por um homem atormentado, desafia e desconcerta seus detratores.
Aceite-se ou não as ideias de Darwin, acredite-se ou não na mutabilidade das espécies, rejeite-se ou não o monismo ou o criacionismo, são circunstâncias pessoais e substancialmente subjetivas absolutamente indiferentes ao respeito que se deve à pessoa e aos propósitos e métodos de pesquisa do cientista inglês, ou de qualquer outro pesquisador. Respeitemos todas as posições.
Porém, e aqui o grande legado filosófico e moral de Darwin, a força e a coragem intelectual de quem contraria o pensamento dominante, anunciando-se um mundo intelectual menos acomodado. Isso também valeria para as ciências sociais aplicáveis, embora nesse campo haja menos evolucionistas normativos, e muito mais criacionistas jurídicos, ainda que nem do criacionismo estes últimos entendam. Hoje, tanto criacionistas quanto evolucionistas jurídicos esqueceram até as regras e só entendem de princípios, que multiplicam a mancheias.
Aplicando-se o argumento de Darwin para o direito, e para suas forças criadoras, pode-se especular que a ordem jurídica é uma ordem substancialmente política, que revela a vontade dos mais fortes, ainda que disfarçada em uma hipócrita medida de proteção aos desvalidos e abandonados.
Leitura sugerida:
Darwin, Charles R., A Origem das Espécies, São Paulo: Martin-Claret, 2004. Tradução de John Green.
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