Sem provas

Voto de Toffoli mostra erros da PGR na denúncia contra Gleisi Hoffmann

Autor

20 de junho de 2018, 16h18

Assim como depoimentos de delatores são insuficientes para condenar pessoas, documentos elaborados unilateralmente pelos próprios colaboradores não representam provas idôneas para corroborar os fatos apontados. É o que descreve o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, em voto divergente que absolveu a senadora Gleisi Hoffman; o marido dela, ex-ministro Paulo Bernardo, e o empresário Ernesto Kugler.

A presidente do PT e os outros dois réus foram acusados de lavagem de dinheiro e corrupção em 2010, quando ela fez campanha ao Senado. Por maioria de votos, porém, a 2ª Turma absolveu os três ao considerar que a Procuradoria-Geral da República não apresentou prova alguma além de delações.

A denúncia foi oferecida em 2016* pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. São 47 páginas, 19 delas dedicadas a resumir o histórico da operação “lava jato”. Conforme a peça, Paulo Roberto Costa havia repassado a suposta propina “em data e local não precisamente identificados, mas certamente no início do ano de 2010”. 

Segundo Toffoli, autor do voto vencedor, a colaboração premiada é meio de obtenção de prova e tem aptidão para autorizar investigação preliminar, visando “adquirir coisas materiais, traços ou declarações dotadas de força probatória”.

“Todavia, os depoimentos do colaborador premiado, sem outras provas idôneas de corroboração, não se revestem de densidade suficiente para lastrear um juízo positivo de admissibilidade da acusação, o qual exige a presença do fumus commissi delicti.

Trecho da denúncia com imagem de agenda de Paulo Roberto Costa;
linha grifada pela ConJur indicaria repasse a ex-ministro Paulo Bernardo.
Reprodução

O ministro disse que a denúncia faz referência à anotação “1,0 PB”, disponível em agenda pessoal do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa — primeiro delator da “lava jato”. A narrativa acusatória inclui ainda planilhas elaboradas por Rafael Ângulo Lopez, funcionário do doleiro Alberto Youssef.

Nelson Jr./SCO/STF
Voto de Dias Toffoli descreve falta de densidade suficiente em elementos apresentados na denúncia da PGR.
Nelson Jr./SCO/STF

O problema é que, “se o depoimento do colaborador necessita ser corroborado por fontes diversas de prova, evidente que uma anotação particular dele próprio emanada não pode servir, por si só, de instrumento de sua validação”.

Já o relator, ministro Luiz Edson Fachin, considerou suficientes as provas. Ele disse que a agenda, por exemplo, foi apreendida antes de firmada a delação premiada de Paulo Roberto Costa.

Relatos contraditórios
Corroborar, segundo Toffoli, significa reforçar o valor probatório da declaração de uma testemunha mediante uma fonte distinta. Além disso, os depoimentos apresentados pela PGR nem sequer são uníssonos e harmônicos.

“Veja-se que o próprio ministro relator reconheceu haver divergência insolúvel entre as declarações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, no que concerne à solicitação dos recursos.”

“Ainda que as declarações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef pareçam convergir em alguns pontos (a exemplo, da efetiva disponibilização de recursos à campanha da denunciada ao Senado Federal), tenho que divergências tão notórias, acabam por reduzir-lhe a credibilidade na íntegra”, disse.  

Jefferson Rudy / Agência Senado
Presidente do PT, Gleisi era acusada de receber propina, mas maioria da 2ª Turma concluiu que MPF não tinha provas.
Jefferson Rudy / Agência Senado

Fachin também havia descartado crime de corrupção passiva, mas considerou que os fatos imputados a Gleisi e Ernesto Kugler Rodrigues poderiam ser considerados como falsidade ideológica para fins eleitorais, descrito no artigo 350 do Código Eleitoral.

De acordo com o Toffoli, ainda assim, “toda a argumentação desenvolvida pelo ministro relator tem como fio condutor os depoimentos dos colaboradores, à luz dos quais é feita a análise das demais provas carreadas aos autos”. Reconhecer como elementos externos os documentos apresentados pela acusação seria contrariar a jurisprudência do próprio STF, segundo o ministro.

O ministro Gilmar Mendes, ao acompanhar o voto divergente, definiu as provas como “raquíticas e inconclusivas”. O ministro Ricardo Lewandowski também não viu elementos externos convicentes.

Clique aqui para ler o voto do ministro Toffoli.
Clique aqui para ler o voto do ministro Fachin. 
Clique aqui para ler a denúncia de Janot*.

* Divulgada pelo blog do jornalista Fausto Macedo, do jornal O Estado de S. Paulo.

AP 1.003

* Texto atualizado às 17h22 do dia 20/6/2018 para acréscimo de informações.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!