Opinião

One-size-fits-all" no ensino do Direito é um erro e fere liberdade

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16 de junho de 2018, 12h00

No debate sobre as transformações do direito e do seu ensino no Brasil, intelectuais de renome se sucedem na defesa de visões distintas de currículo, de novos métodos de ensino, de mais ou menos atenção às demandas práticas do mercado e do papel do jurista no Brasil. A raiz profunda do problema, contudo, não está em decidir qual é o modelo ideal para o país, mas justamente o contrário: é acreditar que devemos seguir um modelo só.

A grande transformação na indústria no último meio século foi superar a mesma visão do modelo único. O paradigma do “fordismo” era caracterizado pela produção de bens padronizados por processos produtivos rígidos e relações de trabalho hierarquizadas. A chegada do pós-fordismo inaugura a era dos modelos variados de produção custodiada, por processos produtivos flexíveis, colaboração e inovação permanente.

No direito, vivemos ainda sob a égide do “fordismo jurídico" e do advogado "one-size-fits-all". Nossas escolas são hoje muito similares entre si. Esta uniformidade não é fruto do acaso, mas resulta da regulação rígida e uniforme imposta pelo estado brasileiro a todo o país. As exigências curriculares são abrangentes e universais, a métrica de avaliação da pesquisa é uma só, a avaliação de qualidade dos cursos de direito é padronizada, a prova de ingresso na profissão é uniforme em todo o território nacional. Se todos os moldes são os mesmos, é natural que o produto seja similar.

Faz enorme falta ao país a formação de escolas de direito com vocações de excelência variadas. O passo número um, do ponto de vista nacional, não é disputar o “padrão” do ensino único. Tampouco creio que o caminho é discutir o enxugamento da grade curricular, a manutenção ou substituição do método expositivo em sala de aula, utilização de grandes auditórios ou de pequenos seminários, foco em mais ou menos conteúdos, mais ou menos habilidades. Todas estas opções podem estar certas ou erradas, conforme a função e o local de atuação do bacharel em direito.

O que o país precisa compreender é que não existe um único ideal de advogado one-size-fits-all, do mesmo modo que não existe um único mercado de direito no Brasil. Existem vários. O conteúdo e as habilidades exigidos de um bom advogado penalista no interior de Minas Gerais são distintos daqueles que um consultor de hedge fund em São Paulo precisa ter. Do mesmo modo, as habilidades de um grande advogado de direitos humanos na Amazônia serão diferentes daquelas que caracterizam o melhor defensor público no Nordeste.

A PUC não precisa ser como a USP, que não precisa ser como a UNIP, que não precisa atender ao mesmo nicho da FGV, que deveria poder ser diferente, se quisesse. Ainda que cada um de nós prefira um modelo de jurista sobre outro, e ainda que discordemos bravamente de um modelo de escola ou de outro, podemos estar todos—ou muitos de nós—certos ao mesmo tempo. Mas isso também significa que o estado brasileiro, ao eleger, de antemão e para todo o país, um único modelo de ensino que produz um perfil padronizado de advogado, está errado.

Colocar um fim à “mediocracia” geral é também uma forma de gerar novos perfis de ensino e de advogados no país. Imagine surgir em Mato Grosso, por exemplo, a primeira escola de direito da sustentabilidade, combinando conhecimentos de direito, economia e meio ambiente? Ou suponha que uma universidade pública de Minas Gerais decida inventar o bacharelado de “advogados-tecnológicos”, treinados simultaneamente em programação, estatística e direito? Não seria valioso para todos nós? Em outra direção, não chegou a hora de se criar no Brasil uma graduação minimalista em direito, com foco em grandes áreas (em vez de disciplinas), em habilidades básicas (em vez de informações gerais)?

Não deveria importar tanto, para o Brasil, se esta ou aquela escola, se esta ou aquela combinação é a melhor. O futuro saberá cumprir este papel. É claro que, no meio das boas experiências, haverá falhas, eventuais excessos e até fraudes—que precisarão ser combatidas duramente. O que não faz sentido hoje é o estado, sob o pretexto de fixar um padrão mínimo de qualidade universal para os cursos de direito, na prática criar um “teto” baixo que nos nivela na mediocridade e impede o desenvolvimento de vocações de excelência alternativas no país. Hoje somos o país com o maior número de faculdades de direito no mundo. Ao mesmo tempo, temos uma legião de escolas medíocres e nenhuma escola de ponta internacional.

A premissa da excelência é a liberdade. Na regulação do ensino brasileiro, esta liberdade nos falta. Certa vez, Henry Ford também se apresentou como defensor da liberdade. Em um misto de sinceridade e ironia, afirmou: “as pessoas podem escolher o seu carro de qualquer cor, desde que seja preto”. Na organização do ensino do direito no Brasil, as possibilidades que o sistema regulatório hoje autoriza são mais ou menos a mesma. Podemos formar advogados de qualquer estilo que desejarmos, desde que todos eles sejam exatamente iguais.

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