Luz e escuridão

Entre piadas, Lenio pinta cenário sombrio do Direito e da democracia no Brasil

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15 de junho de 2018, 7h03

O jurista e colunista da ConJur Lenio Streck caprichou nas piadas e ironias para fazer um diagnóstico sombrio sobre o estado de coisas no Brasil: os ataques a direitos e garantias fundamentais têm se intensificado, e pode ser que já seja tarde demais para reverter a onda. Constitucionalista e professor da UniSinos, Lenio abriu o IX Encontro Brasileiro da Advocacia Criminal, que começou nesta quinta-feira (14/6), no Rio de Janeiro.

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Tiradas de Lenio arrancaram gargalhadas, mas a mensagem que passou foi sombria.
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Diversas tiradas de Lenio foram recebidas com gargalhadas pela plateia. A começar pela que abriu sua fala: “Hoje, defender a lei é um ato revolucionário. E nós podemos ser investigados por isso. Como aqui tem mais de três, podemos ser enquadrados como organização criminosa e obstrução de Justiça”.

Também fez sucesso a crítica aos juízes que julgam conforme suas convicções, em vez de seguir o que dizem as leis e a Constituição: “Se você é a favor de uma ditadura, comporte-se como se estivesse em uma: pare de emitir opiniões”. Entre risadas e aplausos, o constitucionalista disse ser a favorável a uma “intervenção hermenêutica”.

Depois, ao criticar o ensino jurídico atual, Lenio alfinetou os alunos e professores. “O que nós fizemos com o ensino do Direito? O estudante de Direito hoje tem uma biblioteca que não é maior do que a da Carla Perez, a do Gusttavo Lima ou a da Maiara e Maraisa. Afinal, eles são sertanejos universitários.”

Mais tarde, o público achou graça do slogan que o jurista criou para ironizar a decisão do Superior Tribunal de Justiça de autorizar a apreensão da carteira de motorista de devedor: “Se dever, não dirija” – STJ, 2018

Sem graça
Embora as tiradas de Lenio Streck tenham ajudado a aliviar a tensão, o seu discurso foi pessimista. Segundo ele, pode ser tarde demais para frear a onda punitivista dos últimos anos, impulsionada pela operação “lava jato”.

Para ilustrar o atual cenário, ele lembrou que, antigamente, os submarinos não tinham aparelhos para medir a quantidade de oxigênio restante. Dessa maneira, os marinheiros sempre levavam coelhos nas viagens. Quando eles começavam a morrer, os tripulantes sabiam que restavam cerca de seis horas de ar. “Tenho medo de que nossos coelhos já tenham morrido e não tenhamos percebido”, desabafou.

“Em 2015, fiz um debate com o Moro e disse que alguém precisava botar um sino no pescoço do gato. Eu venci o debate. Desde então, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais não me chamou mais para debates – eu só fui bom quando fui debater com Moro, algo que ninguém quis fazer. Eu estava certo. Mas não fizemos nada”, contou o colunista da ConJur.

O resultado foi que medidas arbitrárias e inconstitucionais como a condução coercitivas de investigados para interrogatório e a execução da pena antes do trânsito em julgado foram legitimadas, disse Lenio — a palestra foi proferida antes de o Supremo Tribunal Federal declarar as coercitivas inconstitucionais. Lenio criticou a recusa da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, em colocar em pauta as ações diretas que constitucionalidade que questionam esse precedente firmado pela corte.

“Nós somos também responsáveis. Não reagimos no momento certo. Quando começaram as conduções, aplaudimos, porque estavam pegando o inimigo”, destacou. A partir daí, disse, o Ministério Público passou a agir como parte, sem isenção, e juízes começaram a decidir “a seu bel-prazer”.

O que mais assusta Lenio é o desrespeito ao texto da lei. De acordo com ele, o Judiciário não pode dizer o que é o Direito, ignorando os comandos normativos. Recordando o debate entre juristas da Alemanha no começo dos anos 1930, o constitucionalista opinou que “Direito é Direito”, e não política ou moral, como vem sendo apregoado e praticado por diversos operadores no Brasil, segundo ele.

Após pintar esse quadro desesperançoso, no entanto, Lenio traçou um raio de esperança. Mencionou um episódio do filme Ponte dos Espiões. Na película, o advogado norte-americano Donovan, a contragosto de sua família e amigos, aceita defender um espião soviético em plena Guerra Fria.

O espião é condenado, mas Donavan diz que recorrerá e que não desistirá. O espião, então, conta uma história para o advogado, já narrada por Lenio em sua coluna: “Quando menino, na Rússia, seu pai tinha um amigo. Seu pai dizia: preste atenção nesse homem. Ele não tinha nada de especial. Mas um dia agentes invadiram sua casa, quando lá estava esse amigo. Bateram na sua mãe, no seu pai e no amigo. Que cada vez que caia, surrado e chutado, levantava. E lhe batiam de novo. Caía e levantava. E disse o espião: ‘E por isso sobreviveu’”.

Foi o que Lenio chamou de "fator stoic mujic", homem persistente, em russo. “É isso que nós temos que fazer”, concluiu Lenio Streck.

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