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Defensoria Pública pode representar vítima e réu no mesmo processo, diz STJ

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15 de junho de 2018, 14h12

A atuação da Defensoria Pública como representante do autor e também do réu em uma mesma ação, com profissionais distintos, não configura conflito de interesses. Esse foi o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao permitir que defensores públicos de Santa Catarina atuem para partes opostas de um processo penal. 

O caso envolve pessoas que pagaram sinal para a compra de apartamentos na planta, mas depois descobriram que as obras não tinham projetos de construção, alvará nem registro. Em 2013, o Ministério Público catarinense acusou sete empresários de enganar público de baixa renda e praticar estelionato, associação criminosa e crime contra a economia popular. 

Um grupo de compradores quis participar do processo como assistente de acusação, todos representados por defensor público. O juízo de primeiro grau rejeitou o pedido. Um dos argumentos foi possível conflito de interesses da Defensoria, pois era provável na época que a mesma instituição iria defender parte dos acusados.

A decisão de primeira instância diz ainda que o órgão não tem atribuição para atuar como assistente de acusação e que o Ministério Público, ao conduzir ação penal pública, já atua em nome do Estado para responsabilizar o réu. Avaliou ainda que, na esfera cível, a Defensoria também ingressou com ação civil pública para verificar a existência de patrimônio em nome dos réus, na tentativa de reparar os danos causados aos consumidores.

Os consumidores apresentaram mandado de segurança, porém o  Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou o pedido e manteve o entendimento contra a dupla atuação. 

Os autores argumentaram ao STJ que o fato de alguns dos réus serem hoje defendidos por defensores públicos não representa automaticamente conflito de interesses ou tergiversação, já que as partes são apresentadas por membros diversos da instituição, obrigados a atuar com “a ética e a lealdade que se espera de um agente público”.

Eles disseram ainda que o artigo 4º, inciso XV, da Lei Complementar 80/94 estipula que a Defensoria tem atribuição de patrocinar ação penal privada e ação subsidiária da pública, o que legitima a atuação do órgão como assistente de acusação. E que, conforme a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LXXIV, e cabe ao Estado o dever de prover a assistência jurídica integral e gratuita às pessoas pobres.

Duplo papel
O ministro relator, Reynaldo Soares da Fonseca, reconheceu o direito dos consumidores de se habilitarem como assistentes de acusação na ação penal. “Têm razão os recorrentes quando defendem não existir empecilho a que a Defensoria Pública os represente e represente também alguns dos réus, no mesmo feito, pois tal atuação não configura conflito de interesses”, afirmou.

Sandra Fado
Para ministro Reynaldo Soares da Fonseca, atuação de defensores distintos é parecida com a prática de custos legis do MP.
Sandra Fado

“Situação similar ocorre quando o Ministério Público atua como parte no feito e, ao mesmo tempo, como custos legis, podendo oferecer manifestações divergentes a respeito da mesma causa, sem que isso implique conflito de interesses ou nulidade”, concluiu.

Diferentemente do que decidiu a Justiça de Santa Catarina, Fonseca não viu necessidade de especificar a atuação da Defensoria Pública em lei estadual, já que as prerrogativas, direitos, garantias e deveres do órgão estão elencados na Constituição, no Código de Processo Penal, na Lei 1.060/50 e na Lei Complementar 80/94.

“Ainda que não houvesse disposição regulamentar estadual autorizando expressamente a atuação da Defensoria Pública como assistente de acusação, tal autorização derivaria tanto da teoria dos poderes implícitos, quanto das normas legais e constitucionais já mencionadas, todas elas concebidas com o escopo de possibilitar o bom desempenho da função constitucional atribuída à Defensoria Pública”, ressaltou o ministro. 

O voto foi seguido por unanimidade, e o acórdão ainda não foi publicado. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Clique aqui para ler o acórdão.
RMS 45.793

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