Opinião

Pagar por bagagem despachada é eficiente para quem?

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14 de junho de 2018, 6h20

No dia 10 de maio, durante sessão de julgamento no Supremo Tribunal Federal, houve uma discussão, quase acalorada, entre os ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski acerca da aplicação da hoje já bem conhecida disciplina da Análise Econômica do Direito (AED).

Naquele debate entre magistrados, foi questionado se a referida análise possui caráter político ou técnico. Quer-nos parecer, ao menos neste caso, que o entendimento do ministro Barroso é o mais acertado, haja vista sua visão de que a norma deve ser eficiente, não apenas justa.

Do ponto de vista da AED, pode-se questionar outra norma criada a partir de seu fundamento, mas que, após quase dois anos de sua publicação, não alcançou a sua finalidade; ao contrário, vem gerando apenas ineficiência em termos de desproteção aos consumidores. Estamos falando aqui da regra estabelecida no sentido de desregular a franquia de bagagem despachada em voos comerciais.

Para entender melhor o contexto: a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) emitiu, em 13 de dezembro de 2016, a Resolução 400, cuja finalidade é dispor sobre as condições gerais de transporte aéreo. Dentre algumas novidades, encontra-se a necessidade de efetuar o despacho de bagagens mediante pagamento para tal serviço. A fundamentação para tal mudança era de que haveria maior competitividade, como nos Estados Unidos, e preços mais atrativos para os passageiros[1].

Vale notar que tais expectativas foram esperadas, inclusive, na esfera judicial. A 10ª Vara Federal do Ceará julgou improcedente, em 10 de março de 2017, ação civil pública (ACP 0816363-41.2016.4.05.8100) em face da Anac[2] com o referido decisum fundamentado em harmonia ao que fora exposto pela agência:

A desregulamentação nesse tocante proporciona, estimula a abertura ao ingresso de novos atores no mercado, o que aumentará a oferta e ampliará a concorrência, trazendo inequívocos benefícios ao consumidor, se não imediatamente, seguramente a médio ou longo prazo. A desregulamentação permitirá, ao menos, em um curto prazo, o fornecimento, pelas companhias aéreas, de tarifas mais baratas a passageiros que desejem viajar sem ou com pouca bagagem despachada, sem que esses consumidores tenham que arcar com os custos de uma franquia que não pretendem utilizar”.

Entretanto, tais expectativas não foram atendidas. Não houve o ingresso dos novos atores, mas, sim, permanece o velho elenco. Elenco este chamado, em sua roda de mercado, de oligopolista. Enquanto o Brasil tem mercado aéreo controlado por quatro companhias, os EUA, país paradigma, possuem 18 empresas[3]. Quanto às passagens, segundo o IBGE[4] e a Fundação Getulio Vargas[5], o curto prazo mostrou que elas ficaram mais caras.

Assim sendo, ao fazer uma revisão da norma à luz da AED, verifica-se que tal resolução não é justa, tampouco eficiente sob o ponto de vista da coletividade. Eficiência essa cobrada pela ética consequencialista da AED.

No julgamento lembrado no início deste artigo, o ministro Luís Roberto Barroso, ao proferir o seu voto na Ação Direta da Inconstitucionalidade 5.766[6], sobre as reformas trabalhistas, afirmou que o congestionamento de reclamações ajuizadas naquela área compromete a qualidade do serviço jurisdicional. Para tanto, o mesmo trouxe à reflexão a Tragédia dos Comuns.

A Tragédia dos Comuns é, à luz de Garrett Hardin[7], a situação de quando o uso de um bem comum, finito, é permitido para cada indivíduo, a fim de atender ao seu próprio interesse, com liberdade ilimitada de exploração até ruir aquele recurso e, por consequência, gerar o prejuízo de todos. No caso em debate, em analogia à tragédia, verifica-se que a autonomia dada às companhias aéreas não atende aos interesses dos seus usuários. Apenas das próprias.

Ademais, tal situação vai de encontro à Teoria dos Motivos Determinantes, quando a validade do ato administrativo depende da correspondência entre os motivos neles expostos e a existência concreta dos fatos que ensejaram a sua edição. De acordo com Rafael Oliveira[8], a motivação representa um instrumento fundamental para a ampliação e a efetividade do controle externo do ato, especialmente pelo Judiciário.

Tal controle externo, do Judiciário, como apresentado antes, merece ser novamente realizado, tendo em vista que as expectativas não foram atendidas. No mesmo sentido, mas na área administrativa, a Anac poderia gozar do seu poder de polícia — especificamente a autotutela — para rever a eficiência do ato administrativo ora criticado.

Seria mais honesto fundamentar a resolução no viés da função social das companhias aéreas, uma vez que, no momento frágil da economia, deveriam reformular suas atividades a fim de que fossem mantidos os empregos dos seus funcionários. Seria uma motivação real, austera, empresarial e não frustraria os seus usuários e controladores internos e externos.

Enquanto as ideias não corresponderem aos fatos, continuaremos em atraso, e o tempo não para. O tempo voa e não perdoa, com alto custo ao consumidor.


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