Sistema criminal

Supremo registra 4 votos a 2 a favor da condução coercitiva de investigados

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13 de junho de 2018, 19h43

Ao retomar o julgamento sobre a validade de conduções coercitivas, nesta quarta-feira (13/6), quatro dos seis ministros que já votaram no Supremo Tribunal Federal consideram a medida cabível — contudo, somente quando uma intimação anterior tiver sido ignorada pelo investigado ou réu.

A análise foi interrompida e deve continuar nesta quinta-feira (14/6). O relator, ministro Gilmar Mendes, já havia votado contra esse tipo de prática, considerando que o artigo 260 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pela Constituição. O dispositivo é de 1941, mas a prática só se tornou frequente com a operação “lava jato” — foram 227 desde 2014. A ministra Rosa Weber foi a única a acompanhar o voto

Carlos Moura/SCO/STF
Alexandre de Moraes reconheceu condução forçada apenas quando pessoa ignora intimação prévia.
Carlos Moura/SCO/STF

O ministro Alexandre de Moraes retomou o julgamento e abriu divergência. Ele considerou a condução coercitiva constitucional desde que o investigado tenha se negado a comparecer anteriormente, injustificadamente. Isso porque não existe o direito de não participar de procedimentos investigatórios, mas há o direito ao silêncio.

De acordo com Moraes, essa garantia vai além da opção de ficar calado. "O direito de defesa não engloba somente o direito ao silêncio, mas o de falar no momento adequado, de escolher o momento de apresentar provas ou de falar. Ou seja, trata da impossibilidade de alguém ser obrigado a produzir provas sobre si mesmo", disse.

Para o ministro, o acusado exerce esses direitos ao comparecer a atos procedimentais. Ele entende não ser possível a coação ou a indução para obter ou forçar um depoimento ou entrega de documentos, provas, ou mesmo a delação premiada. Ainda assim, a Constituição não estabeleceu cláusula para que o acusado escolha de quais atos quer participar.

Para a restrição de liberdade, argumentou, deve existir expressa previsão legal para que uma medida seja tomada. Por isso, a condução à força só seria constitucional depois de negativa anterior. "Determinar a condução sem que [alguém] seja previamente intimado é uma opressão, uma tentativa de desgastar a natureza voluntária da participação", concluiu.

De acordo com o PT e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, autores das ações analisadas, a medida vem sendo banalizada por investigadores e juízes. O pedido do partido foi feito em abril de 2016, um mês depois de o ex-presidente Lula ter sido levado à força para prestar um depoimento.

Em dezembro de 2017, Gilmar proibiu o uso da regra do CPP para obrigar investigados a comparecer ao juízo para interrogatório.

Medida menos grave
O ministro Luiz Edson Fachin afirmou que o julgamento desta quarta é "ímpar e histórico" para apontar a posição da corte a respeito do sistema criminal.

Apesar de defender a prévia intimação como regra geral, Fachin considerou que pode haver exceção à regra quando a condução coercitivafor alternativa a medidas mais graves, como a prisão preventiva. 

Carlos Humberto/SCO/STF
Fachin votou por dispensar intimação quando a condução coercitiva for alternativa à prisão preventiva.
Carlos Humberto/SCO/STF

"Entendo que o Brasil tem sido marcado por um sistema de Justiça criminal notadamente injusto, vinculador de um tratamento desigual entre os cidadãos abastados e aqueles desprovidos de poder econômico e político", disse o ministro.

Relator da operação "lava jato" no Supremo, o ministro afirmou que a discrepância de tratamento entre os grupos sociais causa uma "mancha à paisagem cívico-brasileira". Ele criticou de forma enfática o que chamou de leniência do Estado com as classes mais abastadas.

Fachin lembrou, como exemplo, o momento em que foi aplicada, no Estados Unidos, a expressão crime de colarinho branco, "em 1939, em críticas ao sistema norte-americano de que havia resposta mais branda a determinados cidadãos e essas agências se propagam no terreno policial, legislativo, e judicial".

O ministro reconheceu avanços no Brasil, porém disse que "há rigor excessivo contra a parcela menos abastada da população e injustificada leniência quando poderosos estão a volta com práticas criminosas.”

Surto de garantismo
Também enfático, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a condução coercitiva trata da imposição do cumprimento do dever legal de comparecimento.

Ele disse que, como a Câmara dos Deputados, o Senado, a Presidência da República, a Procuradoria-Geral da República e a Advocacia-Geral da União defenderam a validade da norma, "seria necessário, então, um exacerbado ativismo por parte do Supremo para sobrepor posição diferente nesta matéria";

De acordo com ele, há um "surto de garantismo" agora que o Direito Penal brasileiro está evoluindo. "O Estado que pune o agente que pagou propina, que pune o dirigente de instituição financeira que quer vantagem indevida não é um Estado policial, é Estado de justiça. O choro e o ranger de dentes são contra um direito mais igualitário, não o punitivismo. Não podemos participar do pacto oligárquico que defende essa gente", disse o ministro.

"O Direito Penal está chegando ao andar de cima agora que juízes corajosos rompem esse pacto. Há então um surto de garantismo mal travestido de bem", continuou Barroso. Ele defendeu que há situações em que o juiz pode decretar uma prisão cautelar. Nesses casos, se o julgador entender que a coercitiva é suficiente para produzir o resultado desejado, é essa a alternativa que deve proceder.

Versões combinadas
Do mesmo modo que Barroso, o ministro Luiz Fux afirmou que o dispositivo sobre o tema é claro. "Do meu modo de ver, o artigo 260, quer pela interpretação histórica, quer pela própria dicção, é constitucional", afirmou.

O próprio texto, aponta, define que a medida é instrumento posterior a falta de comparecimento após a intimação. Além disso, ele defendeu também o direito ao silêncio e à presença do advogado.

Fux fez uma defesa, no entanto, do uso das coercitivas para os casos de crimes contra a administração pública, que impõem, segundo ele, novos formatos de investigação. "Elas vêm sendo usadas por ordem judicial no curso de investigações criminais em delitos de última geração, praticados contra a administração pública, em que os meios tradicionais não estavam preparados para enfrentar", alegou.

Para o ministro, a própria origem do direito ao silêncio se deu também para evitar que as investigações sofressem tentativas de obstrução. "Ele foi instituído para impedir a mentira, as falsas versões. O Estado tem o direito de evitar que determinado investigado combine versões que possam frustrar a atividade estatal", disse. Fux sustentou que o juiz deve estar municiado de todos os instrumentos necessários para firmar sua decisão.

"Quando se pretende violar a instrução penal, combinar versões que trazem malogro para a prova dos autos, estamos diante de um periculum in mora para o processo. Neste momento, entram em cena as medidas cautelares, que são medidas de preservação do resultado útil do processo civil ou do processo penal."

Como várias falas, entre sustentações orais e votos dos colegas, fizeram referência à ditadura para exemplificar as afrontas ao devido processo legal, Fux criticou as analogias.

"Me parece anômalo se embasar em tragédias históricas como a ditadura e o holocausto para se impedir a investigação de crimes contra a administração pública. Essas barbáries não podem servir de base para impedir a condução coercitiva, que é levada a efeito contra crimes de colarinho branco."

ADPF 395 e 444

* Texto atualizado às 20h12 do dia 13/6/2018 para acréscimo de informações.

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