Opinião

Com inovações no Funrural, planejamento tributário deve começar logo

Autores

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

  • Ary Raghiant Neto

    é secretário-geral adjunto do CFOAB e coordenador do Grupo de Trabalho da Publicidade.

11 de junho de 2018, 14h56

A Lei 13.606, de 9 de janeiro de 2018, que autorizou o parcelamento dos débitos de Funrural das pessoas físicas e jurídicas (PRR – artigo 1º, parágrafo 1º), também trouxe outras inovações, entre elas a redução das alíquotas da contribuição substitutiva de 2% para 1,2% (pessoa física) e de 2,5% para 1,7% (pessoa jurídica), denominada de Funrural e disposta no artigo 25 da Lei 8.212/91.

Entretanto, o ponto que deve despertar a atenção e estimular o debate entre aqueles que atuam direta ou indiretamente no agronegócio está descrito nos artigos 14 e 15 da referida lei, que dispõem:

Art. 14. O art. 25 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 25. (…)

I – 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;

(…)

§ 13. O produtor rural pessoa física poderá optar por contribuir na forma prevista no caput deste artigo ou na forma dos incisos I e II do caput do art. 22 desta Lei, manifestando sua opção mediante o pagamento da contribuição incidente sobre a folha de salários relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente ao início da atividade rural, e será irretratável para todo o ano-calendário”.

Art. 15. O art. 25 da Lei nº 8.870, de 15 de abril de 1994, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 25. (…)

I – 1,7% (um inteiro e sete décimos por cento) da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;

(…)

§ 7º O empregador pessoa jurídica poderá optar por contribuir na forma prevista no caput deste artigo ou na forma dos incisos I e II do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, manifestando sua opção mediante o pagamento da contribuição incidente sobre a folha de salários relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente ao início da atividade rural, e será irretratável para todo o ano-calendário”.

A partir do exercício de 2019, o produtor rural, seja ele pessoa física ou jurídica, poderá optar pelo pagamento da contribuição ao Funrural com as novas alíquotas, ou, alternativamente, voltar a se submeter à contribuição incidente sobre a folha de salários (artigo 22, I e II, da Lei 8.212/91).

Cabe destacar que a opção deverá ser manifestada “mediante pagamento da contribuição incidente sobre a folha de salários relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente ao início da atividade rural” e a decisão do produtor rural será “irretratável para todo o ano-calendário”, de acordo com o disposto no parágrafo 13 do artigo 25 da Lei 8.212/91, inserido pelo artigo 14 da Lei 13.606/18, e parágrafo 7º do artigo 25 da Lei 8.870/94, inserido pelo artigo 15 da Lei 13.606/18.

Embora a nova legislação tenha reduzido as alíquotas da contribuição substitutiva, a base de cálculo do Funrural continua sendo a receita bruta da comercialização da produção rural.

Destarte, a depender da ordem de grandeza do que é produzido e comercializado pelo produtor rural, o encargo financeiro que decorre do Funrural poderá ser infinitamente maior do que a opção pelo pagamento da contribuição sobre a folha de salários, especialmente se levarmos em consideração o fenômeno da mecanização no campo, que provocou o crescimento da produção, sobretudo agrícola, mas foi responsável pelo fortalecimento do êxodo rural.

Noutras palavras, significa dizer que, à medida em que se amplia o processo de mecanização, reduz-se o número de trabalhadores no campo, em todas as atividades de um modo geral, o que pode impactar, certamente, na escolha que o produtor deverá fazer a partir das alternativas prevista em lei.

Qual, então, será a melhor opção para o produtor rural exercer a partir de 2019 e que deve ser feita a partir deste ano a análise para existir tempo hábil à apreciação?

Esse certamente será o novo dilema da categoria, cuja resposta (ou solução) depende de avaliação minuciosa, a partir da perspectiva econômica e das particularidades de cada setor e situação concreta vivenciada por cada produtor rural (PF ou PJ), afinal, existem atividades que empregam mais (agrícola: 5,9 milhões) e outras menos (pecuária: 3,16 milhões)[1], o que deve ser levado em consideração no momento da escolha por uma ou outra modalidade de tributação.

A perspectiva de faturamento anual e o número de empregados necessários ao desenvolvimento das atividades rurais são fatores determinantes para auxiliar o produtor na escolha entre submeter-se ao Funrural ou à contribuição social incidente sobre a folha de salários.

No campo tributário, o planejamento surge com a finalidade de reduzir a carga fiscal, a partir da liberdade que cada contribuinte tem de programar seus negócios, nos limites da lei, de modo a alcançar esse desiderato e da forma que lhe pareça mais eficaz.

Não é possível, todavia, fazer um planejamento eficaz apenas a partir desses dois critérios: expectativa de faturamento e número de empregados.

Há particularidades em algumas atividades rurais que são tão relevantes quanto o faturamento e o número de empregados e que certamente devem ser avaliadas pelo produtor rural antes de manifestar a opção.

Trataremos de alguns exemplos, já que neste singelo artigo não é possível examinar todas as possibilidades.

Na atividade pecuária, por exemplo, o produto animal destinado à reprodução ou criação, conforme dispõe o parágrafo 12 do artigo 25 das Lei 8.212/91 e parágrafo 6º, do artigo 25, da Lei 8.870/94, inserido pela Lei 13.606/18[2], não integra a base de cálculo do Funrural, de modo que apenas as receitas provenientes da etapa de engorda (e abate) sujeitam-se à incidência desse tributo.

Destarte, se o produtor rural optar pela contribuição substitutiva, deverá, necessariamente, segregar as receitas da atividade pecuária, uma vez que somente aquela proveniente da etapa final do ciclo produtivo é que integrará a base de cálculo do Funrural.

É relevante considerar que na atividade pecuária de corte, sobretudo no sistema extensivo de criação bovina, o número de funcionários é reduzido, podendo atingir dois empregados para o manejo de mil animais[3], o que certamente torna interessante a opção pelo recolhimento da contribuição sobre a folha de salários em vez do Funrural.

Já no sistema intensivo (confinamento), a realidade é outra: o número de funcionários aumenta consideravelmente, em razão da necessidade de mão de obra especializada para o manejo, o que pode acabar sendo mais oneroso optar pelo recolhimento da contribuição sobre a folha de salários, dependendo do resultado financeiro obtido a partir da comercialização da produção rural fruto da atividade de engorda e abate; portanto, nessa situação, o planejamento eficaz é essencial para reduzir a carga tributária, cuja opção, lembre-se, é irretratável para o ano-calendário.

Não é só a atividade pecuária (a qual não se limita à criação de bois, mas também outros animais, como suínos e carneiros, entre outros) que conviverá com essa controvérsia, a partir de 2019. A exclusão da base de cálculo do Funrural alcança também o resultado das seguintes atividades: plantio ou reflorestamento, criação granjeira e o comércio de sementes e mudas.

É o que se extrai da leitura do parágrafo 12 do artigo 25 da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei 13.606/18, cujo dispositivo foi vetado pelo presidente da República, porém o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional, na compreensão de que o Funrural não deveria incidir em cascata, onerando toda a cadeia de produção de algumas culturas e atividades rurais de fundamental importância no contexto socioeconômico do agronegócio brasileiro.

Já na atividade agrícola de grãos (soja, milho, trigo, café etc.), em razão da legislação trabalhista permitir contratos por prazo determinado, conhecidos como “contratos de safra”, o número de funcionários varia — para mais ou para menos —, conforme o período de plantio e colheita, vale dizer, obedece a sazonalidade das culturas, o que deve conduzir o produtor rural, seja pessoa física ou jurídica, a se planejar com relativa antecedência, a fim de exercer a opção por uma ou outra tributação, levando em consideração essa particularidade que possui reflexos financeiros.

Já as sociedades cooperativas, as agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura, não se submetem à contribuição substitutiva do Funrural (parágrafo 4º, artigo 22-A, da Lei 8.212/91), as quais continuam a se submeter à contribuição sobre a folha de salários. Todavia, importante atenção para as operações pelos produtores rurais cooperados, que não se confundem com as cooperativas e há peculiaridades quanto ao Funrural.

No que se refere à agroindústria, por exemplo, é clássico o caso de parceria agrícola para engorda de aves, onde há entrega ao produtor rural e posterior retorno, para abate, cuja operação não sofre incidência da contribuição ao Funrural (STJ, AgRg no AgRg no REsp. 440.239/SC, rel. min. Herman Benjamin, DJe 19/12/2008).

Há, ainda, a situação excepcional do exportador, conforme já tivemos oportunidade de tratar[4], quanto às receitas da pessoa jurídica (agropecuária ou agroindústria) sujeitas ao Funrural:

“Vale lembrar ainda que, como o Funrural para tais pessoas jurídicas incide sobre a receita e possui natureza jurídica de contribuições sociais, há de se aplicar o artigo 149, § 2º, I, da Constituição Federal, que confere imunidade para as receitas de exportação. Em tais condições, diante da base de incidência estabelecida pelos artigos 25, da Lei 8.870/94 e 22-A, da Lei 8.212/91, sobretudo, à luz do artigo 195, I, b, da Constituição Federal, não há possibilidade de se tributar o Funrural para as pessoas jurídicas produtora rural e/ou agroindústria quando inexiste faturamento (exemplo, receitas financeiras) ou operação com produção rural própria ou sua respectiva industrialização, como é o caso da revenda de produtos”.

Portanto, há várias particularidades que dizem respeito a algumas culturas e atividades rurais, que devem ser criteriosamente avaliadas, a fim de orientar o produtor rural a exercer uma das duas opções, a partir de 2019: contribuir com base na receita bruta da atividade ou sobre a folha de salários.

Um ponto de atenção e que requer maior cuidado, todavia, diz respeito às consequências da opção pelo recolhimento da contribuição social com base na folha de salários por aqueles produtores que exerçam suas atividades rurais em regime de parceria agrícola, no qual, naturalmente, o número de funcionários é bastante reduzido.

Nesse caso, por certo, o encargo financeiro que decorre dessa opção será acentuadamente menor se comparado ao regime de recolhimento com base na receita bruta da comercialização da produção rural.

Diante desse quadro, seria possível à Receita Federal recusar a opção feita pelo produtor rural, promovendo o lançamento de ofício para exigir a tributação sobre a receita bruta da comercialização da produção rural, na perspectiva de que, no regime de parceria agrícola, não cabe a escolha pelo meio menos oneroso?

Quer nos parecer que não, à medida em que a legislação não fez essa ressalva, muito pelo contrário, assegura a todos os empregadores rurais, pessoas físicas ou jurídicas, o direito à opção, a partir de 2019, cuja materialização dar-se-á “mediante pagamento da contribuição incidente sobre a folha de salários relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente ao início da atividade rural”, e a decisão do produtor rural será “irretratável para todo o ano-calendário”, de acordo com o disposto no parágrafo 13 do artigo 25 da Lei 8.212/91, inserido pelo artigo 14 da Lei 13.606/18, e parágrafo 7º do artigo 25 da Lei 8.870/94, inserido pelo artigo 15 da Lei 13.606/18.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), já decidiu que “em direito tributário não existe o menor problema em a pessoa agir para reduzir sua carga tributária, desde que atue por meios lícitos (elisão). A grande infração em tributação é agir intencionalmente para esconder do credor os fatos tributáveis (sonegação)” (Acórdão 1101-00.708, 1ª Câmara/1ª Turma, Processo 10680.724392/2010-28).

Nesse caso, é fundamental que o produtor rural realmente exerça suas atividades sob esse regime, à luz da legislação, notadamente do artigo 96, parágrafo 1º, do Estatuto da Terra e artigo 4º do Decreto 59.566/66, a fim de evitar a descaracterização do contrato de parceria agrícola pela fiscalização da Receita Federal.

Se não há vedação ao exercício do direito de opção, certamente o foco do Fisco nesse caso será a própria atividade rural por meio da parceria agrícola, a fim de descaracterizá-la, para fins de tributação.

Fernando Campos Scaff tratou com propriedade das características dos contratos típicos agrários[5], como também já apontamos aspectos fiscais sobre o tema[6], enfatizando as principais diferenças entre arrendamento e a parceria no meio rural.

Nesse sentido, também decidiu o Carf que:

PARCERIA RURAL x ARRENDAMENTO RURAL. DISTINÇÃO. FORMA DE TRIBUTAÇÃO. A diferença intrínseca entre os contratos de parceira rural e de arrendamento rural é que os primeiros caracterizam-­se pelo fato de o proprietário da terra assumir os riscos inerentes à exploração da atividade e partilhar os frutos ou os lucros na proporção que houver sido previamente estipulada, enquanto que nos segundos não há assunção dos riscos por parte do arrendador que recebe um retribuição fixa pela arrendamento das terras. O pagamento em quantidade fixa de produto, por si só, não descaracteriza o arrendamento e, muito menos, permite enquadrar o contrato como parceria rural, visto que a essência da parceria rural está no compartilhamento do risco, que deve ser comprovado documental. No caso de contrato de arrendamento, o rendimento recebido pelo proprietário dos bens rurais cedidos é tributado como se fosse um aluguel comum, enquanto que no contrato de parceria, as duas partes são tributadas como atividade rural na proporção que couber a cada uma delas. (CARF, Acórdão nº 2202-002.706 da Segunda Seção de Julgamento. DJE: 16 jul. 2014).

Em conclusão, é possível afirmar que a opção, a partir de 2019, apresenta-se como direito subjetivo do produtor rural — pessoa física ou jurídica —, que pode se planejar do ponto de vista tributário com a finalidade de reduzir a sua carga fiscal, nesse caso, especificamente em relação à contribuição previdenciária; contudo, nas atividades rurais que podem ser implementadas a partir de um número reduzido de empregados, notadamente aquelas executadas sob o regime de parceria agrícola, é fundamental ater-se à literalidade da lei, a fim de evitar a desconsideração do negócio jurídico por parte do Fisco.

Embora a opção se dê em 2019, é importante lembrar que o planejamento tributário e a análise de todos estes reflexos fiscais devem ocorrer desde logo para ser possível uma conclusão adequada do melhor caminho a ser seguido.

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    é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

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    é advogado tributarista, especialista em Direito Tributário pelo Ibet e em Direito Processual Civil pela UCDB. Conselheiro federal da OAB e presidente da Comissão Nacional de Legislação e secretário-geral da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal.

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