Sem resistência

Juiz afirma que determinou laqueadura com consentimento de usuária de drogas

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11 de junho de 2018, 20h00

O juiz que determinou laqueadura em uma usuária de drogas no interior de São Paulo declarou, em nota, que a mulher aceitou passar pelo procedimento. Segundo Djalma Moreira Gomes Júnior, da Vara de Mococa, ela compareceu ao cartório e concordou expressamente em ser esterilizada.

O caso ganhou repercussão neste sábado (9/6), ao ser relatado pelo professor Oscar Vilhena, da FGV Direito SP, em coluna no jornal Folha de S.Paulo, e foi repudiado por um grupo advogados

O pedido foi apresentado pelo Ministério Público. Gomes Júnior assinou liminar em junho de 2017, obrigando o município de Mococa a arcar com a cirurgia, sob pena de multa diária de R$ 100. A decisão diz que a mulher confirmou o interesse. Mas o procedimento ficou suspenso porque, na época, ela estava na sexta gravidez.

A sentença, de outubro, reforçou a ordem sob entendimento de que a falta de tratamento poderia acarretar prejuízos à usuária de drogas, também ré por tráfico. E declarou que se trata de pessoa capaz. O Tribunal de Justiça de São Paulo chegou a cassar a ordem em maio deste ano, quando o procedimento já havia sido feito, e determinou que as corregedorias do Judiciário paulista e do MP-SP analisem a conduta dos envolvidos (leia mais abaixo).

Em nota, o juiz afirmou que o caso já vinha sendo acompanhado há anos pela comarca de Mococa. Hoje, de acordo com o texto, ela tem oito filhos. Três do primeiro casamento estão sob a guarda do pai (um deles internado por dependência química). Dos outros cinco com o atual companheiro, três foram adotados, um bebê está em processo de adoção e uma adolescente encontra-se em abrigo social.

"O ambiente familiar sempre foi permeado pela dependência química dos pais, não adesão ao tratamento indicado, agressões físicas entre o casal, violência física contra os filhos por parte do atual companheiro, dificuldades financeiras. Além disso, o casal passou a traficar drogas", diz Djalma Gomes Júnior.

Ele nega que a mulher fosse moradora de rua, como afirmou a coluna da Folha, e reforça a falta de "resistência" sobre a laqueadura. Também ressalta que a mulher teve vários problemas com drogas e tráfico.

"Foram oferecidos atendimentos técnicos (Psicologia e Serviço Social), através de inúmeras visitas domiciliares, orientações sistemáticas e intervenções no contexto familiar. A família também recebia benefícios sociais, pela rede municipal (aluguel social, cesta básica, custeio de contas de água e luz). Os filhos foram matriculados em escolas e projetos educacionais, mas a frequência era irregular", justificou.

"Diante do acolhimento prolongado dos quatro filhos e considerando que o contexto familiar não apresentou mudanças significativas, em audiência concentrada foi instaurado o processo de destituição do poder familiar, culminando com destituições e adoções", continua o texto. Paralelamente, o Ministério Público ajuizou ação pedindo a esterilização, diz.

Gomes Júnior ainda afirma que ela passou por avaliação psicológica e que foi ouvida em "diversas oportunidades".

Análise tardia
A 8ª Câmara de Direito Público do TJ-SP teve entendimento divergente ao analisar recurso da prefeitura, em maio. O desembargador Paulo Dimas Mascaretti, relator e ex-presidente da corte, disse que no nosso ordenamento jurídico "nenhuma pessoa poderá ser obrigada a se submeter a esterilização, uma vez que se trata de procedimento médico invasivo, que lesa a integridade física de forma irreversível".

Em voto convergente, o desembargador Leonel Costa afirmou que "o inusitado e inédito pedido" do MP incluiu ofício da assistência social local indicando o desinteresse da mulher em passar pela cirurgia e mais um relatório do Departamento Municipal de Saúde, assinado por uma enfermeira e duas agentes comunitárias de saúde, sugerindo desinteresse da mulher.

A existência de dúvida, portanto, deveria ter impedido a prática, segundo Costa, porque a Lei 9.263/96, sobre o planejamento familiar, impõe uma série de procedimentos para o ato.

A defensora pública Paula Machado Souza disse à Globo News que a decisão de primeiro grau “não tem respaldo legal”, pois ignora a possibilidade de que a mulher tenha passado por algum tipo de pressão. Ela disse que a Defensoria de São Paulo vai ouvi-la para estudar quais providências tomar.

Clique aqui para ler as decisões de primeiro grau.
Clique aqui para ler o acórdão do TJ-SP.

* Texto atualizado às 20h20 e às 20h30 do dia 11/6/2018 para acréscimo de informações.

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