Diário de Classe

Observações sobre a necessidade de respostas corretas em Direito

Autor

  • Matheus Vidal Gomes Monteiro

    é doutor em Direito pela Unesa mestre em Direito pela Unisal e professor do Departamento de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Líder do Grupo de Estudos em Jurisdição Constituição e Processo da UFF membro do Grupo de Pesquisa A Sociedade Civil e o Estado de Direito: Mutações e Desenvolvimento (IBMEC-RJ) e do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos (Unisinos).

9 de junho de 2018, 8h00

É sabido pelos operadores do Direito que, diante do atual protagonismo judicial, aumenta-se o ônus de legitimidade a ser buscado pelas decisões judiciais, sendo esse exponencialmente amplificado pela jurisdição constitucional(izada).

A partir desse contexto, temos nossa abordagem no Diário de Classe de hoje: a tese da resposta correta, conduzida a partir da obra de Dworkin e da construção teórica de Streck com Heidegger-Gadamer-Dworkin.

Inicialmente, temos que a tese da resposta correta impõe um retorno à análise teórica do direito, onerando o magistrado a uma reconstrução da história institucional com preponderante função dos princípios jurídicos. É a partir da coerência e da integridade do direito que tal reconstrução proporciona as condições para a resposta correta. E essa perspectiva nos afasta radicalmente da admissão da discricionariedade na interpretação/decisão judicial, já que frente a elementos extrajurídicos, os princípios jurídicos passam a ocupar papel e função mais complexos.[1]

Decidir corretamente, portanto, requer: a busca por critérios teórico-jurídicos; a consideração de que inexistem múltiplas respostas para questões jurídicas, devendo da melhor forma possível encontrá-la; o reconhecimento da importância da relação entre direito e democracia, da produção jurídico-democrática e do fortalecimento da legitimidade necessária desde esse momento de intersubjetividade da autolegislação; o reconhecimento das limitações a partir da tradição/integridade (Dworkin-Gadamer-Streck); reconhecimento, admissão e afastamento das pré-compreensões jurídicas inautênticas; e a luta constante com (pré-)compreensões morais, políticas, etc., preservando a autonomia do direito.[2]

Por óbvio, esses tópicos consistem nos principais sobre o tema, cuja complexidade perpassa inúmeros outros.[3] Alguns tópicos acima nos remetem à clássica afirmação de Habermas, de que “não se pode ter nem manter um Estado sem democracia radical”[4], complementada por Streck: “a discricionariedade não se relaciona bem com a democracia”[5], e pelas inúmeras críticas de Dworkin ao poder discricionário de Hart.

E é a partir da obra de Dworkin e sua crítica à defesa realizada pelo positivismo jurídico hartiano da existência de múltiplas respostas em Direito que será ampliada de sobremaneira a tese da resposta correta.

Por isso que o combate à discricionariedade também faz com que reconheçamos que existe uma direta relação entre a exigência da fundamentação (um “dever fundamental do juiz” e “direito fundamental do cidadão”[6]) e o direito fundamental a uma resposta correta (adequada à Constituição). Construir, então, uma decisão correta/adequada depende de se elaborar uma fundamentação igualmente correta/adequada.[7] Afirmação essa que guarda relação direta com tema que abordamos em nossa coluna anterior.[8]

De maneira nenhuma a resposta correta tem pretensão de ser correta por todos os grupos/atores envolvidos na decisão em questão. E sob outro aspecto ela requer a consideração de todos os elementos normativos que afetem o caso em análise (doutrina, jurisprudência, preceitos normativos, etc.)[9] e só surge a partir do caso, inexistindo, pois, “essências jurídicas”.[10]

A aceitação dessa tese não faz com que admitamos que exista uma interpretação/decisão correta, mas sim, a interpretação/decisão mais constitucionalmente adequada do que outras possíveis. E a partir do paradigma hermenêutico aplicado ao âmbito jurídico, em especial do círculo hermenêutico e da diferença ontológica, é possível afirmarmos que “há uma resposta verdadeira, correta; nem a única e nem uma entre várias corretas; apenas ‘a’ resposta que se dá na coisa mesma”.[11]

Ela será, então, “a explicitação das condições de possibilidade a partir das quais é possível desenvolvermos a ideia do que significa fundamentar, do que significa justificar”; “a explicitação das condições de possibilidade do compreendido (da apropriação e da filtragem dos pré-juízos forjados na tradição)”; surgindo da síntese hermenêutica da applicatio.[12]

Essa perspectiva faz com que relembremos que tanto Dworkin quanto Gadamer, (e sobre tal ponto também podemos acrescentar Habermas, a partir de sua racionalidade comunicativa) não defendem qualquer forma de solipsismo.[13] Por isso, a tese da resposta correta de Dworkin, a partir de “Hércules”, supera a filosofia da consciência e deve ser considerada como uma metáfora[14], e entendida, também, a partir da superação do paradigma da modernidade.[15]

E ainda no sentido de sua análise metafórica devemos, também, entender como sendo uma irrelevância prática a discussão quanto à “possibilidade” ou não de sua “existência”.[16]

A resposta correta é uma metáfora e, a partir disso, “estabelece-se a convicção (hermenêutica) de que há um desde-já-sempre (existencial) que conforma o meu compromisso minimamente objetivado(r), uma vez que, em todo processo compreensivo, o desafio é levar os fenômenos à representação ou à sua expressão na sua linguagem, chegando, assim, ao que chamamos de objetivação, como sempre nos lembra Ernildo Stein”.[17]

É nesse sentido que a significação do adjetivo “correta” deve ser entendida. Daí que a “resposta correta – que não é única e nem uma entre várias – à luz da hermenêutica (filosófica) – será a ‘resposta hermeneuticamente correta’ para aquele caso, que exsurge na síntese hermenêutica da applicatio.”[18] Optando, portanto, Streck por utilizar a expressão Resposta Hermeneuticamente Adequada à Constituição (RHAC)[19], reconhecidamente um direito fundamental do cidadão.[20]

Em complemento aos tópicos principais apresentados em parágrafo anterior, é na RHAC que se encontram “integridade e coerência[21]: a tradição filtrada/atravessada pela reconstrução linguística a partir do texto constitucional que representa o locus privilegiado do acontecer da atividade do jurista (plus normativo e qualificativo do texto constitucional compromissório e dirigente) e a garantia de que o intérprete está comprometido com a intersubjetividade que o coloca no interior de uma cadeia de sentidos: por isso, ele não ‘dispõe’ dos sentidos”.[22] Não podemos, portanto, admitir decisões discricionárias como bem nos ensina Dworkin e há tempos se manifesta Streck.

Outra lembrança necessária é a de que a resposta correta não pode ser jamais entendida como resposta definitiva. Nem podemos afirmar condições de garanti-la, como também é imprescindível reconhecer o risco de produzir uma resposta incorreta. Entretanto, a coerência e a integridade consistem, inicialmente, um farol para a suspensão dos pré-juízos advindos da tradição rumo à RHAC. [23]

Os poucos parágrafos anteriores nos permitem relembrar, também, um dos principais problemas das decisões judiciais e o uso da discricionariedade, fruto de outros paradigmas teóricos: as ditas “lacunas jurídicas”.

Portanto, temos de reconhecer que na busca pela superação (hermenêutica) desse problema e suas consequentes autorizações para uso da discricionariedade (especialmente, tanto pelo positivismo jurídico quanto pelo(s) neoconstitucionalismo(s)), a perspectiva hermenêutica adotada não admite “conceitos sem coisas”, ou seja, “respostas antes das perguntas”. Somente a partir da applicatio, com a reconstrução institucional do direito (a partir da coerência e integridade) é que poderemos reconhecer um “evento jurídico”. É por isso que tanto se afirma que não há “grau zero” de intepretação nem acoplamento de sentido prévio.[24]

Caminhando já para os aportes finais e de forma mais resumida, a decisão (resposta) judicial estará, portanto, adequada (correta) “na medida em que for respeitada, em maior grau, a autonomia do direito (que se pressupõe produzido democraticamente), evitada a discricionariedade (além da abolição de qualquer atitude arbitrária) e respeitada a coerência e a integridade do direito, a partir de uma detalhada fundamentação. Argumentos para a obtenção de uma resposta adequada à Constituição (resposta correta) devem ser de princípio, e não de política”.[25]

Contudo, uma advertência final muito bem construída por Abboud: não há um caminho irretorquível ou único para a produção da RHAC, mas isso não pode resultar que desistamos de busca-la. O seu reconhecimento metafórico faz com que entendamos como sendo mais importante que a RHAC, a sua busca. E assim, temos um ganho democrático como consequência imediata disso, pois antes de tudo o que importa, é a travessia. “Enfim, se desistirmos da resposta correta, desistiremos de nós mesmos enquanto juristas”.[26]

 


[1] Como uma das principais obras de Streck, indicamos Verdade e Consenso, e suas colunas semanais aqui na ConJur (Senso Incomum) nas quais são desenvolvidas observações sobre questões jurídicas atuais, não raro reafirmando aspectos sobre a tese da resposta correta.

[2] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Livraria do Advogado, 2014a, passim. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Saraiva, 2014c, passim.

[3] Para aprofundamento: STRECK, 2014d, e STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. RT, 2014b.

[4] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: Entre facticidade e validade. Vol. 2. Tempo Brasileiro, 1997b, p. 13.

[5] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Livraria do Advogado, 2014a, p. 419.

[6] STRECK, op cit., 2014c, p. 608.

[7] STRECK, op. cit., 2014c, p. 600 e ss. SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. RT, 2015, p. 154.

[8] Título: Hermenêutica ou Argumentação: é possível argumentar sem compreender? ConJur. 03/03/2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mar-03/diario-classe-hermeneutica-ou-argumentacao-possivel-argumentar-compreender.

[9] Assim em ABBOUD, op. cit., p. 463. STRECK, op. cit., p. 2014c, passim.

[10] ABBOUD, op. cit., p. 468.

[11] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. RT, 2014b, p. 127.

[12] STRECK, op. cit., 2014c, p. 373, 364, 410.

[13] STRECK, op. cit., 2014a, 433-434. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica, Neoconstitucionalismo e “O Problema da Discricionariedade dos Juízes”. Revista Eletrônica do Curso de Direito Opet. N. 1. 2009. Disponível em: http://anima-opet.com.br/pdf/anima1/artigo_Lenio_Luiz_Streck_hermeneutica.pdf.

[14] Para conferir, v. STRECK, op. cit., 2014b, p. 395 e ss. Em complemento: “A tese da resposta correta não constitui uma afirmação realizada a partir de um nível superior, de caráter metafisico. A resposta correta é pragmática e se constitui no caso concreto. Nessa perspectiva, compreende-se a dimensão de metáfora que permeia a resposta correta. Ou seja, se nos casos concretos e sempre possível avaliar qualitativamente uma proposição jurídica em relação a outra, torna-se crível, a imposição para o julgador de evidenciar as razões pelas quais se alcançou aquela decisão e por quais razões ela se apresentou a melhor em relação às demais, no caso concreto. Ou seja, a resposta correta é a junção da melhor resposta que pode ser dada pelo magistrado com a melhor resposta a ser obtida no caso concreto, ela é não um valor inalterável a ser acessado metafisicamente pelo intérprete.” (ABBOUD, op. cit., p. 464).

[15] STRECK, op. cit., 2014b, p. 397.

[16] STRECK, op. cit., 2014b, p. 368.

[17] STRECK, op. cit., 2014b, p. 396.

[18] STRECK, op. cit., 2009.

[19] STRECK, op. cit., 2014c, p. 337. Relembrando-se apenas que: “Trata-se de afirmar que a resposta correta aqui trabalhada traduz uma resposta verdadeira no sentido hermenêutico, em que, fenomenologicamente, descrevemos as coisas como acontecem, sendo que esse sentido depende do horizonte no qual ele pode dar-se, graças à abertura ou o encobrimento próprio da existência que exsurge desse acontecimento hermenêutico. Os conceitos jurídicos (enunciados linguísticos que pretendem descrever o mundo, epistemologicamente) não são o lugar dessa resposta correta, mas a resposta correta será o lugar dessa “explicitação”, que, hermeneuticamente, não se contenta com essa fundamentação de caráter universal, porque nela nessa resposta há um elemento a priori, “uma espécie de universo antepredicativo ou pré-conceitual que aí é abordado e pretende aí ser expresso” (essa é a tarefa da interpretação, que explicita esse compreendido).” (STRECK, op. cit., 2014c, p. 373).

[20] STRECK, op. cit., 2009.

[21] Sob outra perspectiva, é possível analisarmos em MacCormick (Retórica e o estado de direito. Elsevier, 2008, p. 249 e ss) sua justificação para a utilização da coerência normativa e narrativa.

[22] STRECK, op. cit., 2014c, p. 413-414.

[23] STRECK, op. cit., 2009.

[24] STRECK, op. cit., 2014a, p. 431.

[25] STRECK, op. cit., 2014c, p. 624.

[26] ABBOUD, op. cit., p. 494. Texto completo: “Portanto, se ao final de mais de seiscentas páginas de escritura nos perguntarem se há efetivamente um caminho irretorquível ou uma forma/equação a ser utilizada para se produzir a resposta correta, diremos que não, inclusive porque não é esse o caminho para se construir a resposta correta. Apesar disso, tal constatação não diminui em nada a importância da defesa e da exigência da resposta correta no âmbito administrativo e judicial porque é essa metáfora que hoje confere sentido para viver o direito. O fato de inexistir uma fórmula exata para se produzir a resposta correta não nos autoriza a desistirmos dela, até porque ela não pode ser tratada como mistério. Somente perante sua exigência é que podemos nos livrar dos grilhões relativistas e arbitrários que dominam nosso sistema jurídico. A resposta correta é, antes de tudo, uma metáfora: mais importante do que a resposta correta é a sua busca; o ganho democrático é consequência imediata disso – antes de tudo o que importa, é a travessia. Enfim, se desistirmos da resposta correta, desistiremos de nós mesmos enquanto juristas”. De modo similar: SCHMITZ, op. cit., p. 172.

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    é doutor e mestre em Direito e professor do Departamento de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Processual da UFF. Líder do Grupo de Estudos em Jurisdição, Constituição e Processo (UFF), membro do Grupo de Pesquisa A Sociedade Civil e o Estado de Direito: Mutações e Desenvolvimento (IBMec-RJ), e do Dasein – Núcleo de Estudos Hermenêuticos (Unisinos).

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