Ambiente Jurídico

Mais algumas tendências para o licenciamento ambiental no Brasil

Autor

  • Talden Farias

    é advogado professor associado da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro da Comissão de Direito Ambiental do IAB.

9 de junho de 2018, 11h49

Spacca
Em artigo publicado no dia 2 de setembro de 2017, procurou-se traçar os caminhos que esse instrumento de política ambiental tende a seguir nos próximos anos e décadas. Nesse diapasão, foram apontados a informatização, a municipalização, os consórcios públicos, a integração com o licenciamento urbanístico, criação de ato administrativo específico para empreendimentos com problemas de regularização fundiária, compartilhamento de informações de estudos ambientais, uso de consultas públicas virtuais e a abolição da licença prévia. O presente artigo, por sua vez, como que em sequência ao primeiro, pretende apresentar as demais tendências do licenciamento ambiental.

Licenciamento autodeclaratório na renovação
O licenciamento ambiental autodeclaratório nasceu inspirado no sistema do pagamento de Imposto de Renda, quando o contribuinte repassa informações diretamente à Receita Federal, sendo essas tomadas a princípio como verdadeiras. Depois, no entanto, o órgão pode confrontar tais informações e pedir esclarecimentos ou mesmo punir o interessado por conta de uma informação equivocada. É evidente que no direito ambiental absorção desse sistema é problemática em razão do princípio da prevenção e da precaução, posto que muitas vezes o dano ambiental é de irreversível ou de difícil reversibilidade.

Realmente, não há como saber se aquela atividade vai ou não destruir sítio arqueológico, uma área de mangue ou uma área de mata atlântica primária a não ser com a fiscalização in locu. Por isso o licenciamento autodeclaratório é e deve ser mesmo visto com tanta desconfiança, a não ser quando se tratar do mero pedido de renovação da licença ambiental. Nessa situação não há razões objetivas para a não aceitação dessa sistemática, desde que não haja alterações quantitativas nem qualitativas no objeto da licença, pois toda desburocratização é bem-vinda quando não compromete o controle ambiental. Não se pode esquecer que a própria legislação prevê a prorrogação automática caso o interessado tenha feito o pedido com 120 dias de antecedência[1].

Regularização da participação dos chamados órgãos intervenientes
Os órgãos intervenientes são aqueles que, embora não sejam responsáveis diretamente pela execução do mecanismo, podem influenciar o licenciamento ambiental. É o caso do Instituto Chico Mendes, do Iphan, da Funai etc.

Acontece que a Lei Complementar 140/2011, ao regulamentar a competência administrativa em matéria ambiental, não tratou da atuação desses órgãos – a não ser para dizer que essa participação não é vinculante[2].

A manifestação extemporânea, a manifestação em conta-gotas e a falta de interação entre as instâncias públicas, por exemplo, são questões que precisam ser regulamentadas a fim de evitar ou, pelo menos, diminuir a insegurança jurídica criada. Sendo assim, faz-se necessário a edição de um decreto regulamentador da citada lei no intuito de estabelecer os procedimentos a serem adotados para notificar os órgãos relacionados nos três níveis federativos.

É claro que essa participação deve ocorrer no início do processo, que é quando ocorre a maior possibilidade de contribuição para o aperfeiçoamento do projeto, o que alia a proteção do meio ambiente à eficiência econômica.

Priorização das atividades relacionadas à infraestrutura
A importância da infraestrutura para o desenvolvimento é autoexplicativa, pois se trata do conjunto de condições fundamentais para o progresso de uma economia. Prova disso é que, ao longo da história, os países e sociedades mais avançados nesse quesito é que se desenvolveram mais e melhor.

Com efeito, despiciendo é falar sobre a importância de aeroportos, ferrovias, portos, rede de distribuição de água e de esgotamento sanitário, habitação social, rodovias, sistemas de transmissão energética, usinas de geração de energia etc. Na falta disso os produtos e serviços tendem a encarecer, o que gera um efeito cascata negativo sobre toda a ordem econômica, notadamente a geração de empregos, o preço final ao consumidor e a exportação.

Em se tratando dos países em desenvolvimento o debate sobre o assunto se torna ainda mais relevante, uma vez que o poder público precisa investir e criar formas de incentivar o investimento privado, o que deve ser feito tanto por meio de estímulos fiscais quanto por meio de uma regulação jurídica adequada.

No caso do Brasil, há o agravante de que o crescimento econômico e social de alguns anos atrás veio desacompanhado do necessário investimento em infraestrutura, o que gerou gargalos em diversos segmentos. Os órgãos ambientais não podem ficar alheios a essa realidade, devendo procurar priorizar na sua análise e políticas o licenciamento ambiental das obras de infraestrutura. Na prática há que se agilizar tais solicitações (tais processos devem ganhar preferência face aos demais), os servidores devem receber qualificação específica para lidar com o assunto, devem ser estabelecidos canais mais ágeis para troca de informações com órgãos técnicos e instituições de pesquisa e as flexibilizações não comprometedoras da qualidade ambiental devem acontecer.

Utilização de técnicos terceirizados
Um dos grandes problemas dos órgãos ambientais, especialmente no âmbito local, é a escassez de técnicos capacitados. Há também a questão da precariedade financeira dos entes públicos, que muitas vezes não dispõem de dinheiro para contratar técnicos qualificados e em número suficiente.

A ideia, então, é criar um cadastro de técnicos ambientais que vão fornecer pareceres e laudos para o órgão ambiental, sendo, porém, contratados e pagos pelo empreendedor[3]. Seria um cadastro técnico de consultores pagos pelo empreendedor, mas submetidos diretamente ao órgão ambiental, pois atuariam na condição de agente público no sentido mais amplo.

Esses biólogos, ecólogos, economistas, engenheiros (agrimensores, ambientais, civis, de minas, florestais, sanitários etc) e geólogos fornecerão laudos que nortearão a decisão do gestor público. Por certo esses estudos deverão passar pelo controle técnico interno do órgão, bem como as atividades consideradas mais estratégicas poderão ficar de fora dessa sistemática.

Cumpre dizer que na hipótese de cometimento de erro, além de responder perante o seu órgão profissional, pode ocorrer a suspensão ou mesmo a expulsão do cadastro e a comunicação ao Ministério Público no caso de cometimento de crime ou de improbidade administrativa. É obvio que essa possibilidade teria de ser regulamentada, pois o órgão ambiental não poderia deixar de ter seus próprios técnicos também.

Interação com os instrumentos econômicos
Embora o licenciamento ambiental seja considerado como o exemplo clássico do instrumento de comando e controle, nada impede que ele interaja com os instrumentos econômicos de política ambiental. Com efeito, é possível que incentivos de viés econômico sejam dados no próprio corpo do licenciamento ambiental a fim de estimular a adoção de condutas ecologicamente mais adequadas.

Por exemplo, aquele empreendedor que adotar determinados dispositivos ambientais ou que obter determinados selos ecológicos poderá ter prioridade na análise do seu processo, poderá ter o seu processo simplificado (em uma única licença, a depender da complexidade da atividade) ou poderá ter uma taxa menor. Naturalmente esses benefícios serão concedidos quando o empreendedor adotar voluntariamente um comportamento ambientalmente correto não exigido pela legislação, pois o cumprimento da norma já é obrigatório.

É possível citar as seguintes hipóteses de aplicação do benefício: quando a área verde ou a área permeável for maior do que a exigida pela legislação, quando houver sistema de reutilização da água, quando houver sistema de energia eólica ou solar etc.

Seguro ambiental
Outro passo nesse caminhar é a adoção do seguro ambiental, que hoje é instrumento da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente[4]. Já adotado em alguns setores, a vantagem é que o órgão ambiental passa a contar com a fiscalização e o controle da própria seguradora, que certamente vai fazer exigências para celebrar e para manter o seguro daquela atividade poluidora. As próprias seguradoras passarão a fiscalizar e a fazer cobranças ao empreendedor, de maneira a otimizar a atuação do órgão ambiental, a melhorar o controle ambiental e a diminui a possibilidade de danos ao meio ambiente.

Vinculação ao macroplanejamento
Por se tratar de processo administrativo, o conteúdo do licenciamento ambiental precisa ser preenchido pelos padrões de qualidade ambiental, os quais normalmente se encontram nas resoluções do Conama (existem padrões de qualidade em leis, decretos, instruções normativas e até portarias).

No entanto, é importante que a definição desses padrões aconteça de acordo com as políticas públicas, de maneira que exista uma relação entre o macroplanejamento econômico e social e o licenciamento. Se o licenciamento é um mecanismo de promoção do desenvolvimento ecologicamente correto, as regras do que e de como se pretende desenvolver precisam estar devidamente estabelecidas, e nesse sentido só o planejamento estratégico pode apontar o caminho adequado.

A avaliação ambiental estratégica e o zoneamento ambiental despontam como instrumentos estratégicos para a definição de prioridades e vedações a partir de uma lógica mais ampla.

Mudanças climáticas
Tido como o instrumento mais importante da Política Nacional do Meio Ambiente, o licenciamento ambiental não pode ser indiferente ao fenômeno das mudanças climáticas. Com efeito, nenhum instrumento de política ambiental pode ignorar o problema das mudanças climáticas, conquanto tenha meios de contribuir para melhorar essa situação.

O licenciamento deve procurar adotar critérios que levem em conta também a geração dos gases estufa, seja no intuito de diminuir e/ou de compensar a sua emissão. Além de padrões a serem adotados de acordo com a atividade e a região, os quais são obrigatórios, também deverão ser adotados instrumentos de estímulo caso o empreendedor vá além daquilo exigido pela norma.

Desastres
Desde a redação original da Lei 6.938/81 até a atual, o licenciamento ambiental sempre teve como foco duas espécies de impactos ambientais: o efetivo e o potencial[5].

O primeiro é aquele decorrente do funcionamento normal da atividade ao passo que o segundo se dá em uma situação de acidente ou desastre. Infelizmente, tais situações têm se tornado a cada dia mais frequentes, seja por fatores climáticos relacionados a instabilidade climática, seja por fatores humanos mesmo. Daí a importância da consideração dos princípios da prevenção e da precaução em uma sociedade de risco onde o desastre pode ser eminente.

Nesse contexto, faz-se necessário analisar os impactos ambientais a serem gerados pela atividade no seu funcionamento normal, quando tudo está correto, bem como os impactos gerados quando alguma coisa dá errado.

Por exemplo, o viveiro de camarão que se rompe diante de uma chuva mais abrupta, o rompimento da barragem de rejeitos da mineração etc. O licenciamento deve adotar mecanismos para prever, para evitar e, em último caso, para minorar os desastres.

[1] Art. 14. Os órgãos licenciadores devem observar os prazos estabelecidos para tramitação dos processos de licenciamento. (…) § 4o A renovação de licenças ambientais deve ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente.

[2] Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar. § 1o Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental (…).

[3] O biólogo Mauro Buarque, ex-presidente da ANAMMA e ex-gestor ambiental do Município do Recife, é um entusiasta desse modelo.

Art 9º. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: (…) XIII – instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros.

[5] Redação original: Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis (…). Redação atual: Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental (…).

Autores

  • Brave

    é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.

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