Opinião

Da impossibilidade de inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB

Autor

  • Raphael dos Santos Bigaton

    é advogado professor universitário (FACC) graduado em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Contestado e em Direito Tributário pela Universidade do Oeste de Santa Catarina além de especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

6 de junho de 2018, 6h49

No dia 8 de maio, 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, observando a divergência entre as turmas da corte, afetou três recursos especiais (REsp 1.624.297/RS, 1.638.772/SC e 1.629.001/SC) como paradigma no que tange a tese: (im)possibilidade de inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta, instituída pela MP 540/2011, convertida na Lei 12.546/2011.

Eis a ementa:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. PROPOSTA DE AFETAÇÃO COMO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A RECEITA BRUTA – CPRB. LEI N. 12.546/2011. INCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO.

1. Delimitação da questão de direito controvertida: possibilidade de inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta, instituída pela MP n. 540/2011, convertida na Lei n. 12.546/2011.

2. Recurso especial submetido à sistemática dos recursos repetitivos, em afetação conjunta com os REsps ns. 1.638.772/SC e 1.629.001/SC.

ProAfR no RECURSO ESPECIAL Nº 1.624.297 – RS (2016/0233973-4) RELATORA: MINISTRA REGINA HELENA COSTA RECORRENTE: FAZENDA NACIONAL RECORRIDO: PITTOL CALÇADOS E CONFECÇÕES LTDA ADVOGADOS: RAPHAEL DOS SANTOS BIGATON – SC016924 FERNANDA ROBERTA SIGNOR DILDA E OUTRO(S) – SC035972 INTERES.: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A discussão em tela volta-se ao conceito de receita e faturamento já conhecido pelos tributaristas, sobretudo pela recente decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 574.706.

Neste viés, tem-se que a receita bruta está atrelada ao faturamento mensal da sociedade empresarial, enquanto que o ICMS tem sua base de incidência tributária no preço da mercadoria. A discussão é análoga à não incidência de ICMS e ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins.

O conceito de faturamento diz com riqueza própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou à prestação dos serviços, implicando, por isso mesmo, o envolvimento de noções próprias ao que se entende como receita bruta.

Conforme previsto no preceito constitucional elencado no artigo 195, I “b” da Carta Magna, a base de cálculo é única e diz respeito ao que faturado, ao valor da mercadoria ou do serviço, não englobando, por isso mesmo, parcela diversa.

A Lei 12.546/2011 alterou a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal para dispor que determinados setores da economia passassem a contribuir sobre o valor da receita bruta, em substituição aos preceitos previstos nos incisos I e III do caput do artigo 22 da Lei 8.212/91.

De acordo com o artigo 195, I, da Constituição Federal, a seguridade social é financiada entre outras fontes pelo empregador, empresa ou entidade equiparada, incidindo sobre a folha dos salários, o faturamento e o lucro.

Dispõe referido artigo:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

(…)

b) a receita ou o faturamento.

Neste diapasão, temos que o termo faturamento como base de cálculo de uma contribuição foi entendido pelo Supremo Tribunal Federal como “a receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços de qualquer natureza, das empresas públicas ou privadas definidas como pessoa jurídica ou a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda” (RE 150.755-1).

Com a edição da Lei 12.546/11, foi alterada a base de cálculo da contribuição patronal que antes incidia sobre a folha de salários e, agora, sobre a receita bruta:

Art. 7º Contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2% (dois por cento):

I – as empresas que prestam os serviços referidos nos §§ 4º e 5º do art. 14 da Lei nº 11.774, de 17 de setembro de 2008;

II – as empresas do setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE 2.0;

III – as empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal, intermunicipal em região metropolitana, intermunicipal, interestadual e internacional enquadradas nas classes 4921-3 e 4922-1 da CNAE 2.0.

IV – as empresas do setor de construção civil, enquadradas nos grupos 412, 432, 433 e 439 da CNAE 2.0;

V – as empresas de transporte ferroviário de passageiros, enquadradas nas subclasses 4912-4/01 e 4912-4/02 da CNAE 2.0;

VI – as empresas de transporte metroferroviário de passageiros, enquadradas na subclasse 4912-4/03 da CNAE 2.0

VII – as empresas de construção de obras de infraestrutura, enquadradas nos grupos 421, 422, 429 e 431 da CNAE 2.0

(…)

Art. 8º Contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, à alíquota de 1% (um por cento), em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, as empresas que fabricam os produtos classificados na Tipi, aprovada pelo Decreto nº 7.660, de 23 de dezembro de 2011, nos códigos referidos no Anexo I.

Do dispositivo supracitado, percebe-se que o legislador excluiu da base de cálculo da contribuição patronal as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, contudo, o mesmo não o fez com relação ao ICMS, que também não se trata de receita ou faturamento da autora, indo além da competência, estabelecida constitucionalmente pelo artigo 195, I, em vigor, além de afrontar o artigo 110 do CTN, portanto, inconstitucional.

Resta claro que a regra em comento desvirtuou o conceito técnico de faturamento, já que o ICMS não é receita da empresa, mas do Estado, de modo que não poderia ter sido inserida na base de cálculo de quaisquer contribuições, pois estaria sendo tributado um desembolso.

Deste modo, a contribuição patronal só pode incidir sobre o faturamento que é a receita bruta auferida com a venda das mercadorias, não se podendo utilizar qualquer outra definição para a base de cálculo, sob pena de afronta ao artigo195, I, da CF, conforme já analisado, bem como ao artigo 110 do CTN, que dispõe:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Ademais, o valor do ICMS vem a beneficiar uma pessoa jurídica de direito público, no caso o Estado onde este foi arrecadado, de modo que este valor é arrecadado pela empresa somente para fins de repasse ao ente competente.

Veja-se que não podem ser alterados pelas pessoas jurídicas que possuem competência tributária os termos do direito privado, como o fez a LC 70/91, em seu artigo 2º, parágrafo único e artigo 1º, caput, da Lei 10.637/02; artigo 1º, da Lei 10.833/03; ainda Lei 9.718/98, artigo 2º.

O mestre Aliomar Baleeiro, com a proficiência que lhe é peculiar ao discorrer sobre o artigo 110 do CTN, nos ensina:

Quando a Constituição usa um conceito, um instituto ou forma do Direito Privado, o nome do empregado denota certo objeto, segundo a conotação que ele tem na ciência jurídica particular, da qual se origina. A conotação completa que advém da ciência do Direito Privado é condição prévia de inteligibilidade e univocidade do discurso constitucional. E se utiliza a Constituição desse sentido completo, extraído de certo ramo jurídico, para assegurar a discriminação e delimitação de competência, enfim o pacto federativo. Permitir ao intérprete ou ao legislador ordinário interessado (que legisla em causa própria) que alterasse o sentido e alcance desses institutos e conceitos constitucionalmente empregados, seria permitir que firmasse, sem licença da Constituição, novo pacto federativo, nova discriminação de competência. Sendo assim, o art. 110, do CTN determina a cristalização da denotação e da conotação jurídicas daqueles institutos, conceitos e formas, vedando-se ao legislador tributário a alteração de sentido que é própria do Direito Privado.

(…)

Assim, os nomes, postos em outro contexto, ou desvinculados do contexto originário podem ganhar sentido novo, ou nova conotação, já que não são definições, guardada, apenas como quer Searle, p. ex., um mínimo de conotação. Pois bem, o art. 110 é uma limitação a discricionariedade do legislador tributário. Diz que o conceito, forma ou instituto utilizado pela Constituição carrega em si a predicação, a conotação completa que lhe é dotada no Direito Privado. Fica o legislador tributário, que já recebeu a competência definida segundo aquele conceito, forma ou instituto privado, proibido de expandi-la por meio da atribuição de novo sentido ou predicação ao objeto delimitado pela Constituição1.

Assim, não pode uma legislação tributária alargar o conceito de direito privado para ampliar a hipótese de incidência do tributo, pois finda por ferir a competência tributária estabelecida na Constituição e o contido no artigo 110 do CTN, de modo que, mesmo que seja estabelecido tal conceito através de uma lei, tal alteração não possuíra eficácia.

Ademais, recente julgamento do Recurso Extraordinário 240.785, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o ICMS não integra a base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins. Ou seja, tais valores não compõem o faturamento das pessoas jurídicas.

Tal lógica pode e deve ser aplicada à exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal modificada pela Lei 12.546 de 2011.

Isso porque ICMS, cujo ônus recai sobre o consumidor final das mercadorias e serviços prestados, é um imposto indireto, arrecadado pelo contribuinte de forma agregada ao valor dessas mercadorias e serviços e, posteriormente, repassado à Fazenda Pública estadual, que é o sujeito ativo daquela relação tributária.

Pois bem, essa é a tese, em apertada síntese, posta ao crivo do Superior Tribunal de Justiça, donde se observará uma nova tendência no seio do Poder Judiciário de respeito aos precedentes ou a desvirtuação do instituto.


1 Direito Tributário Brasileiro, 11ª edição, Forense: Rio de Janeiro, 2005, p. 690-691.

Autores

  • é advogado, professor universitário (FACC), graduado em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Contestado e em Direito Tributário pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, além de especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

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