Opinião

É cabível prova técnica simplificada em agravo de instrumento

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6 de junho de 2018, 6h06

O CPC promoveu relevantes alterações no campo das provas e dos recursos, com a finalidade de otimizar a prestação jurisdicional.

Neste breve artigo, a ideia é sustentar a possibilidade de realização de prova técnica simplificada no agravo de instrumento envolvendo tutela provisória1, com foco na área da propriedade intelectual2.

Nesse ramo do Direito, em que a concorrência mercadológica é acirrada, os pedidos de tutela provisória são recorrentes. E a questão sempre é delicada, pois, de um lado, a concessão de uma liminar pode, na prática, criar efeitos irreversíveis — é o que ocorre, por exemplo, quando se determina a retirada de um produto do mercado, impede alguém de usar uma marca ou explorar determinada invenção, ou, ainda, a fazer alterações nas embalagens — e, por outro, a não concessão da medida pode criar prejuízos imensuráveis ao titular do direito, desde a diluição de seu signo distintivo até a perda considerável de fatia de sua clientela.

Daí porque a análise dos pedidos de tutela em ações dessa natureza deve ser feita de forma bastante cuidadosa e criteriosa, à luz do acervo fático-probatório e dos elementos técnicos existentes.

Como as respectivas decisões interlocutórias são invariavelmente desafiadas por agravo de instrumento e diante da tecnicidade do assunto, entendemos que a prova técnica simplificada pode ser uma importante ferramenta para a formação do convencimento do julgador.

Inicialmente, vale destacar que a prova técnica simplificada não tinha previsão expressa no CPC/1973. No CPC/2015, está regulada no artigo 464, parágrafos 2º, 3º e 4º3.

Como os próprios dispositivos legais estabelecem, tal prova pode ser deferida de ofício ou a requerimento das partes, quando o ponto controvertido que demande especial conhecimento técnico ou científico for de menor de complexidade4.

Em linhas gerais, trata-se de modalidade de prova pericial, com a peculiaridade de consistir em depoimento oral do especialista — que deve ter formação acadêmica específica na área — sobre ponto controvertido5. Durante sua atuação, o profissional pode se valer de todos os meios técnicos necessários para influenciar a construção do pronunciamento judicial, devendo ser facultada às partes, através de seus assistentes técnicos6, requerer esclarecimentos adicionais.

Em razão de seu espectro limitado, a prova técnica simplificada é vista como alternativa mais célere e menos custosa para esclarecer questões que exijam conhecimento especializado7.

Via de regra, essa modalidade de prova está conectada à fase instrutória, podendo ocorrer, ainda, durante a audiência de instrução e julgamento8.

Nesse ponto, consideramos que a prova técnica simplificada também pode ser realizada em sede de agravo de instrumento, apesar da ausência de previsão legal expressa.

Primeiro, porque o tribunal também tem poderes instrutórios (artigos 370 e 932, I, do CPC/2015)9, podendo determinar a realização de provas10. Segundo, porque o julgador pode alterar a ordem de produção dos meios de prova (artigo 139, VI, do CPC/2015), diante das necessidades do conflito e para conferir maior efetividade à tutela do direito. Terceiro, porque é dever do julgador extrair o máximo de rendimento da atividade jurisdicional11, à luz dos princípios da cooperação e da eficiência processual (artigos 6º e 8º do CPC/2015).

O exemplo a seguir ajudará a compreender a aplicabilidade prática dessa prova. Imaginemos que, em uma ação de infração de patentes, por exemplo, o juiz, escorado em pareceres técnicos acostados à petição inicial, defira uma tutela provisória determinando que o réu se abstenha de utilizar a invenção do autor, sob pena de multa diária. Inconformado, o réu recorre e também acosta pareceres elaborados por instituições técnicas, alegando que uma das reivindicações da patente do autor não tem o alcance apontado, o que, por si só, desnaturaria a alegada infração. Nesse caso, diante da controvérsia quanto ao alcance da proteção patentária, exsurge a necessidade de se interpretar corretamente a referida reivindicação.

Ocorre que o julgador, a rigor, não detém conhecimento técnico especializado para uma análise — ainda que pontual — dessa natureza.

A bem da verdade, seria muito mais fácil para o tribunal dar provimento ao agravo de instrumento do réu e revogar a liminar deferida, alegando a necessidade de maior dilação probatória.

Porém, pensamos que “essa saída”, além de materializar negativa de prestação jurisdicional, não é consentânea com as normas estruturantes do processo civil contemporâneo. Se existem meios e ferramentas para que a tutela seja prestada, sem atropelos e violação ao devido processo legal, este deve ser o encaminhamento. Um julgador colaborativo e eficiente deve, sempre que possível, assegurar uma decisão justa, em tempo razoável.

Por fim, vale esclarecer que a produção da prova técnica simplificada na seara recursal, ainda que respeitado o contraditório-participativo, não substitui a prova pericial a ser realizada na fase instrutória da demanda12, pois, como dito, só tem cabimento quando houver necessidade de esclarecimento especializado sobre ponto técnico de menor complexidade.


1 O recorte do tema se deve às limitações editorais. Na prática, entendemos que a prova técnica simplificada pode ser utilizada em outras hipóteses de agravo de instrumento, nas mais diferentes áreas do Direito.
2 Nosso principal campo de atuação profissional.
 3 Art. 464. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
§ 2º De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade.
§ 3º A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico. § 4o Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos da causa.
4 A sistemática faz lembrar a previsão do artigo 35 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais): quando a prova do fato exigir, o juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.
5 BODART, Bruno Vinícius da Rós. Ensaio sobre a prova pericial no Código de Processo Civil de 2015. In: ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR., Fredie (orgs.). Doutrinas Essenciais – Novo Processo Civil. v. IV. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 909. Entendemos que o especialista também pode responder, por escrito, aos questionamentos que lhe forem submetidos.
6 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Prova pericial no CPC/2015. In: ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR., Fredie (orgs.). Doutrinas Essenciais – Novo Processo Civil. v. IV. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 1.008.
7 AVELINO, Murilo Teixeira. O juiz e a prova pericial no Código de Processo Civil. In: ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR., Fredie (orgs.). Doutrinas Essenciais – Novo Processo Civil. v. IV. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 992.
8 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. v. 2, 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 294. Como explica o doutrinador, cabe a perícia simplificada “quando a constatação do fato for simples (ou de menor complexidade) e, não, quando o fato assim se revela. Isso ocorre, basicamente, em duas hipóteses: i) o especialista presenciou fato, cuja percepção técnica e demonstração são simples, ii) o especialista não presenciou o fato, mas seu depoimento é o bastante para explicá-lo e interpretá-lo em termos técnicos. Nestes casos, o juiz, de oficio ou a requerimento, poderá substituir a perícia formal por essa perícia informal e simplificada”.
9 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processo Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. v. 3. 13 ed. Salvador: JusPodivm, p. 46-48.
10 Cite, por exemplo, a conversão do feito em diligência no próprio tribunal (artigo 938, parágrafo 3º, do CPC). Registre-se que, em razão de sua localização topográfica (no capítulo “Da ordem dos processos no tribunal”), não há razão, a princípio, para restringir a sua incidência apenas ao recurso de apelação cível.
11 Sobre o dever de comprometimento do julgador, ver o nosso MAZZOLA, Marcelo. Tutela Jurisdicional Colaborativa: a cooperação como fundamento autônomo de impugnação. Curitiba: CRV, 2017.
12 Quando, então, o perito fará uma análise completa das questões técnicas e poderá reexaminar o ponto já elucidado, inclusive à luz de novos elementos. Vale registrar que caberá ao juiz, quando do julgamento do mérito, examinar a integralidade da prova técnica. Na prática, ocorre apenas o diferimento da cognoscibilidade do juiz quanto à questão técnica, o que afasta eventual alegação de supressão de instância.

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    é advogado e sócio do escritório Dannemann Siemsen Advogados, mestre em Direito Processual Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), professor de Processo Civil da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

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