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Marcelo Mazzola: Cabe prova técnica em agravo de instrumento

6 de junho de 2018, 6h06

Por Marcelo Mazzola

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O CPC promoveu relevantes alterações no campo das provas e dos recursos, com a finalidade de otimizar a prestação jurisdicional.

Neste breve artigo, a ideia é sustentar a possibilidade de realização de prova técnica simplificada no agravo de instrumento envolvendo tutela provisória1, com foco na área da propriedade intelectual2.

Nesse ramo do Direito, em que a concorrência mercadológica é acirrada, os pedidos de tutela provisória são recorrentes. E a questão sempre é delicada, pois, de um lado, a concessão de uma liminar pode, na prática, criar efeitos irreversíveis — é o que ocorre, por exemplo, quando se determina a retirada de um produto do mercado, impede alguém de usar uma marca ou explorar determinada invenção, ou, ainda, a fazer alterações nas embalagens — e, por outro, a não concessão da medida pode criar prejuízos imensuráveis ao titular do direito, desde a diluição de seu signo distintivo até a perda considerável de fatia de sua clientela.

Daí porque a análise dos pedidos de tutela em ações dessa natureza deve ser feita de forma bastante cuidadosa e criteriosa, à luz do acervo fático-probatório e dos elementos técnicos existentes.

Como as respectivas decisões interlocutórias são invariavelmente desafiadas por agravo de instrumento e diante da tecnicidade do assunto, entendemos que a prova técnica simplificada pode ser uma importante ferramenta para a formação do convencimento do julgador.

Inicialmente, vale destacar que a prova técnica simplificada não tinha previsão expressa no CPC/1973. No CPC/2015, está regulada no artigo 464, parágrafos 2º, 3º e 4º3.

Como os próprios dispositivos legais estabelecem, tal prova pode ser deferida de ofício ou a requerimento das partes, quando o ponto controvertido que demande especial conhecimento técnico ou científico for de menor de complexidade4.

Em linhas gerais, trata-se de modalidade de prova pericial, com a peculiaridade de consistir em depoimento oral do especialista — que deve ter formação acadêmica específica na área — sobre ponto controvertido5. Durante sua atuação, o profissional pode se valer de todos os meios técnicos necessários para influenciar a construção do pronunciamento judicial, devendo ser facultada às partes, através de seus assistentes técnicos6, requerer esclarecimentos adicionais.

Em razão de seu espectro limitado, a prova técnica simplificada é vista como alternativa mais célere e menos custosa para esclarecer questões que exijam conhecimento especializado7.

Via de regra, essa modalidade de prova está conectada à fase instrutória, podendo ocorrer, ainda, durante a audiência de instrução e julgamento8.

Nesse ponto, consideramos que a prova técnica simplificada também pode ser realizada em sede de agravo de instrumento, apesar da ausência de previsão legal expressa.

Primeiro, porque o tribunal também tem poderes instrutórios (artigos 370 e 932, I, do CPC/2015)9, podendo determinar a realização de provas10. Segundo, porque o julgador pode alterar a ordem de produção dos meios de prova (artigo 139, VI, do CPC/2015), diante das necessidades do conflito e para conferir maior efetividade à tutela do direito. Terceiro, porque é dever do julgador extrair o máximo de rendimento da atividade jurisdicional11, à luz dos princípios da cooperação e da eficiência processual (artigos 6º e 8º do CPC/2015).

O exemplo a seguir ajudará a compreender a aplicabilidade prática dessa prova. Imaginemos que, em uma ação de infração de patentes, por exemplo, o juiz, escorado em pareceres técnicos acostados à petição inicial, defira uma tutela provisória determinando que o réu se abstenha de utilizar a invenção do autor, sob pena de multa diária. Inconformado, o réu recorre e também acosta pareceres elaborados por instituições técnicas, alegando que uma das reivindicações da patente do autor não tem o alcance apontado, o que, por si só, desnaturaria a alegada infração. Nesse caso, diante da controvérsia quanto ao alcance da proteção patentária, exsurge a necessidade de se interpretar corretamente a referida reivindicação.

Ocorre que o julgador, a rigor, não detém conhecimento técnico especializado para uma análise — ainda que pontual — dessa natureza.

A bem da verdade, seria muito mais fácil para o tribunal dar provimento ao agravo de instrumento do réu e revogar a liminar deferida, alegando a necessidade de maior dilação probatória.

Porém, pensamos que “essa saída”, além de materializar negativa de prestação jurisdicional, não é consentânea com as normas estruturantes do processo civil contemporâneo. Se existem meios e ferramentas para que a tutela seja prestada, sem atropelos e violação ao devido processo legal, este deve ser o encaminhamento. Um julgador colaborativo e eficiente deve, sempre que possível, assegurar uma decisão justa, em tempo razoável.

Por fim, vale esclarecer que a produção da prova técnica simplificada na seara recursal, ainda que respeitado o contraditório-participativo, não substitui a prova pericial a ser realizada na fase instrutória da demanda12, pois, como dito, só tem cabimento quando houver necessidade de esclarecimento especializado sobre ponto técnico de menor complexidade.


1 O recorte do tema se deve às limitações editorais. Na prática, entendemos que a prova técnica simplificada pode ser utilizada em outras hipóteses de agravo de instrumento, nas mais diferentes áreas do Direito.
2 Nosso principal campo de atuação profissional.
 3 Art. 464. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
§ 2º De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade.
§ 3º A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico. § 4o Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos da causa.
4 A sistemática faz lembrar a previsão do artigo 35 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais): quando a prova do fato exigir, o juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.
5 BODART, Bruno Vinícius da Rós. Ensaio sobre a prova pericial no Código de Processo Civil de 2015. In: ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR., Fredie (orgs.). Doutrinas Essenciais – Novo Processo Civil. v. IV. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 909. Entendemos que o especialista também pode responder, por escrito, aos questionamentos que lhe forem submetidos.
6 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Prova pericial no CPC/2015. In: ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR., Fredie (orgs.). Doutrinas Essenciais – Novo Processo Civil. v. IV. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 1.008.
7 AVELINO, Murilo Teixeira. O juiz e a prova pericial no Código de Processo Civil. In: ALVIM, Teresa Arruda; DIDIER JR., Fredie (orgs.). Doutrinas Essenciais – Novo Processo Civil. v. IV. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 992.
8 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. v. 2, 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 294. Como explica o doutrinador, cabe a perícia simplificada “quando a constatação do fato for simples (ou de menor complexidade) e, não, quando o fato assim se revela. Isso ocorre, basicamente, em duas hipóteses: i) o especialista presenciou fato, cuja percepção técnica e demonstração são simples, ii) o especialista não presenciou o fato, mas seu depoimento é o bastante para explicá-lo e interpretá-lo em termos técnicos. Nestes casos, o juiz, de oficio ou a requerimento, poderá substituir a perícia formal por essa perícia informal e simplificada”.
9 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processo Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. v. 3. 13 ed. Salvador: JusPodivm, p. 46-48.
10 Cite, por exemplo, a conversão do feito em diligência no próprio tribunal (artigo 938, parágrafo 3º, do CPC). Registre-se que, em razão de sua localização topográfica (no capítulo “Da ordem dos processos no tribunal”), não há razão, a princípio, para restringir a sua incidência apenas ao recurso de apelação cível.
11 Sobre o dever de comprometimento do julgador, ver o nosso MAZZOLA, Marcelo. Tutela Jurisdicional Colaborativa: a cooperação como fundamento autônomo de impugnação. Curitiba: CRV, 2017.
12 Quando, então, o perito fará uma análise completa das questões técnicas e poderá reexaminar o ponto já elucidado, inclusive à luz de novos elementos. Vale registrar que caberá ao juiz, quando do julgamento do mérito, examinar a integralidade da prova técnica. Na prática, ocorre apenas o diferimento da cognoscibilidade do juiz quanto à questão técnica, o que afasta eventual alegação de supressão de instância.