Pena arbitrária

Apreender passaporte para sanar dívidas fere direito de locomoção, diz STJ

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5 de junho de 2018, 21h02

É desproporcional que o Judiciário suspenda passaporte de um devedor em execução de título extrajudicial como forma de coagi-lo ao pagamento da dívida, sem obedecer ao contraditório e quando há outros meios disponíveis. Assim entendeu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nesta terça-feira (5/6), ao conceder Habeas Corpus a um advogado e derrubar parte de decisão da Justiça paulista.

A prática de apreender documentos para forçar devedores a pagar seus débitos é comum desde o novo Código de Processo Civil, que permite ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial”.

Apesar do dispositivo, o colegiado concluiu que que isso não significa “franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada”. Por outro lado, os ministros reconheceram apreensão da Carteira Nacional de Habilitação, pois “ninguém pode se considerar privado de ir a qualquer lugar por não ser habilitado à condução de veículo”.

Sandra Fado/STJ
Cobrança de dívida não pode atropelar liberdades constitucionais, diz Salomão.
Sandra Fado/STJ

No caso analisado, a 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (SP) aceitou pedido de uma instituição de ensino e mandou suspender o passaporte e a CNH do executado até a liquidação da dívida no valor de R$ 16,8 mil.

Atuando em causa própria, o advogado argumentou que a suspensão de documentos ofende a  liberdade de locomoção, coagindo ilegalmente a liberdade de ir e vir. Disse ainda que penas restritivas de direitos somente poderiam ser deferidas por órgãos administrativos (Tribunal de Ética da OAB, por exemplo) ou por juízos criminais. 

Coerção ilegal
De acordo com o relator do processo, ministro Luís Felipe Salomão, a medida é “instrumento importante para viabilizar” a execução judicial. "No entanto, observo que, por mais legítima que seja, a prática não pode atropelar o devido processo constitucional, menos ainda desconsiderados direitos e liberdades previstos na Constituição", disse. 

O ministro avaliou que faltou proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretendia favorecer (pagamento de dívida civil).

“Tenho por necessária a concessão da ordem, com determinação de restituição do documento a seu titular, por considerar a medida coercitiva ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável”, afirmou.

Salomão, porém, disse que a corte já vem reconhecendo a apreensão de carteiras de motorista. “A jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que referida medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir. Para Salomão, neste ponto, o recurso não deve nem ser conhecido, uma vez que o habeas corpus existe para proteger o direito de locomoção. O voto foi acompanhado por unanimidade.

Clique aqui para ler o voto do ministro (ainda sem revisão). 
RHC 97.876

* Texto atualizado às 21h27 do dia 5/6/2018 para acréscimo de informação.

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