Segunda Leitura

Novos TRFs são bem-vindos, mas não podem ser mais do mesmo

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

3 de junho de 2018, 8h10

Spacca
Em 17 de julho de 2013, o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar em ação direta de inconstitucionalidade impedindo a criação de mais quatro Tribunais Regionais Federais, previstos na Emenda Constitucional 73. Com a sua aposentadoria, o processo foi redistribuído ao ministro Luiz Fux que, dia 6 próximo, submeterá a ação ao Plenário da corte. O resultado do julgamento é imprevisível, mas o tema merece comentários.

Os TRFs foram criados pela Constituição Federal de 1988. Desde então, continuam sendo apenas cinco, com um pequeno acréscimo no número de seus integrantes. A Justiça Federal de primeira instância, ao contrário, multiplicou-se em centenas de varas espalhadas pelo território nacional. O resultado foi um enorme acúmulo de processos no segundo grau.

O caso mais emblemático é o do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, com sede no Distrito Federal. Criado com apenas 18 desembargadores federais, tendo hoje 27, cabe-lhe dar conta de 13 estados e do DF. A carga de trabalho é gigantesca e diversificada. Sua administração debate-se em atender necessidades de varas de Roraima até o sul de Minas Gerais. Por mais que seus dirigentes se esforcem, não têm condições de agilizar seus serviços. A correição do corregedor da Justiça Federal, em março deste ano, revela casos de gabinetes com quase 20.000 processos pendentes.[i] O nome do idealizador desta desastrosa divisão administrativa dos serviços judiciários perdeu-se nas brumas dos 40 anos passados.

Mas deixemos o passado de lado e olhemos para o futuro. E é com foco nesse propósito que os novos TRFs, se vierem a concretizar-se, devem pautar-se. Não podem repetir sistemas e práticas tradicionais. É preciso evitar que as novas estruturas sejam a mera repetição das anteriores, multiplicando-se a ineficiência. Vejamos algumas medidas oportunas para os novos tribunais, os “10 mandamentos de um tribunal inovador”.

1º) Economia de recursos. Vivemos uma crise financeira. Novos TRFs não devem significar novos gastos, é preciso fazer mais com o mesmo. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal saiu na frente, ao conseguir que nove cargos de juiz de Direito fossem transformados em desembargador (Lei 13.264/2016). O Conselho da Justiça Federal aprovou mudança semelhante para os TRFs da 1ª e 3ª Regiões.[ii] No caso de novos TRFs, basta examinar as nove varas da região que, estatisticamente, mostrem ter o menor número de processos e propor projeto de lei de conversão dos cargos de juiz federal substituto em desembargador.

No âmbito administrativo é mais fácil. O processo eletrônico fez e fará ainda mais, com que cada vez se necessite menos de pessoas atendendo no balcão das secretarias, atuando na distribuição e exercendo as funções de oficial de Justiça. Cargos existentes e que se mostrem esvaziados podem ser aproveitados nos TRFs. Funções podem ser transformadas, mantendo-se a equivalência salarial.

2º) Governança corporativa. Trata-se de movimento existente no mundo ocidental, onde a sociedade reivindica maior participação nos atos da administração. Assim, na interação desejada, sugestões devem ser solicitadas aos atores envolvidos (MP, OAB, AGU, DPU etc.) e à população, esta ouvida em audiência pública e mensagens via ouvidoria. Um concurso público, em busca de práticas inovadoras, principalmente tecnológicas, pode ser interessante.

3º) Princípio da informação. A sociedade não tolera mais manter-se alheia ao que se passa na administração pública. Quer saber quais as opções e o que é prioritário nos tribunais. O Poder Judiciário da Costa Rica é um exemplo de transparência e mostra o avanço daquele país na área, incluindo uma página para o orçamento, bens imóveis e a participação da cidadania.[iii] A leitura do livro de Cláudia Wallin pode ser de grande ajuda aos novos líderes do Judiciário.[iv]

4º) Capacitação de servidores. Todos elogiam o TRF-4 por sua eficiência administrativa. Mas isto não ocorreu por acaso. Desde o início de sua criação investiu-se na área. Por exemplo, em 2004 possibilitou-se a 50 servidores do Rio Grande do Sul e 50 do Paraná e Santa Catarina, um pioneiro curso de especialização em administração da Justiça, com 360 horas-aula. O resultado é que, aos poucos e imperceptivelmente, as atividades administrativas foram se aperfeiçoando.

5º) Gabinete de crise e desastres ambientais. O mundo passa por crise social e ambiental, não havendo indicações de que vá mudar. O Judiciário não está preparado para paralisação nacional, com suspensão da distribuição de alimentos, para atos de terrorismo, para escassez de água ou a elevação do nível do mar. É preciso que haja um setor treinado para esse futuro, onde o inesperado chega sem aviso prévio. Um gabinete, chefiado por um juiz, pode amenizar as dificuldades futuras. Sem gastos, pode ser introduzido no setor de gestão socioambiental, que todos os tribunais do Brasil já possuem.

6º) Prédios inteligentes. Os Palácios da Justiça, com lindos quadros, cadeiras pretas de madeira de lei e tapetes vermelhos, já tiveram seu tempo. A realidade brasileira atual reclama edifícios menores, com design apropriado, menor número de servidores, em razão da robotização, teletrabalho devidamente monitorado e expansão dos serviços de voluntariado. O atendimento ao público sempre no térreo ou no primeiro andar, em uma secretaria única. Inclusive, prestigiando pequenas medidas de comodidade, como disponibilizar óculos, presos por uma fita, para servir aos idosos que desejem consultar computadores para saber o andamento de processos.

7º) Preservar a memória. No dia da instalação, já deve haver alguém preparado para fazer os registros do ato e organizar uma sala da memória real ou virtual. É preciso mostrar para a posteridade como era a Justiça do século XXI, facilitando pesquisas acadêmicas e evitando a repetição de erros.

8º) Especialização absoluta. As turmas, que devem ser de três e não de quatro magistrados, devem ser especializadas de plano. Misturar previdência social com crimes contra a ordem econômica resulta que nem um nem outro serão julgados com bom nível técnico e em prazo razoável. Na primeira instância a especialização deve ser a regra e a Vara com competência mista, a exceção. Não estou a falar de Varas de Execução Fiscal, pois estas existem desde os tempos do ouvidor Pardinho. Refiro-me a varas administrativas, de servidores públicos, questões aduaneiras,[v] tributárias, ambientais e agrárias, cobranças bancárias e outras que a necessidade local recomende.

9º) Abandono do sistema tradicional de varas e secretarias. Novos TRFs devem preocupar-se também com a primeira instância. Nesta, a tradição do Brasil Colônia é um juiz, um escrivão e alguns servidores a ele subordinados. Mas a informatização tudo mudou. A necessidade é de servidores com boa formação, auxiliando o juiz no gabinete. Uma secretaria única, além de agilizar os serviços, evita a prática de cada Vara ter um sistema próprio, fazendo com que em uma se exija algo e na do andar de cima se dispense. Este sistema foi implantado em 2002 nos Juizados Especiais Federais de São Paulo, com sucesso.[vi]

10º) Aprimoramento dos sites. Os novos TRFs devem comunicar-se com a sociedade de forma competente e que desperte no leitor uma sensação de prazer ao visitar a página. E isto se faz com os itens mais visitados em destaque, facilitando a compreensão do leitor. Uma página também não pode ser apenas técnica, com visual cansativo semelhante à planta de uma indústria. Este tema foi desenvolvido por mim e pelo designer Luís Felipe S Santos, na área da segurança pública, com exibição e discussão de sites do Brasil e no exterior (EUA, França, China etc.).[vii]

Estas e outras tantas medidas podem auxiliar na criação e eficiência de novos tribunais federais, a fim de que atendam às expectativas e não se tornem apenas mais uma decepção.

[i] file:///C:/Users/Vladimir%20Freitas/Downloads/Relat%C3%B3rio+Insp+TRF1+Publica%C3%A7%C3%A3o.pdf . Acesso 2/6/2018.

[ii] jf.jus.br/cjf/noticias/2018/abril/aprovados-anteprojetos-que-transformam-cargos-vagos-de-juiz-federal-substituto. Acesso 2/6/2018.

[iii] https://pj.poder-judicial.go.cr/. Acesso 31/5/2018.

[iv] WALLIN, Claudia. Um país sem excelências e mordomias. São Paulo: Saraiva.

[v] Há uma vara especializada em Curitiba (9ª), dela sendo titular a juíza federal Vera Feil Ponciano.

[vi] Os desembargadores federais Marisa Santos, Suzana Camargo, Ana Pimentel e Eduardo Neves implantaram o sistema, após visita deste último ao Judiciário norte-americano. O sistema, com o tempo, sofreu correções e revelou-se exitoso.

[vii] FREITAS, Vladimir Passos de. SANTOS, Luís Felipe Soares dos. Sítios Policiais na Internet colaboram para a informação e efetividade do Direito Constitucional à Segurança Pública. In: Segurança Pública. Coord. FREITAS, Vladimir Passos de e GARCIA, Fernando Murilo Costa. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2016, pp. 205-230.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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