Morte civil

Mortos não processam, afirma corte estadual dos EUA para trancar ação

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2 de junho de 2018, 14h35

O Tribunal Superior de Rhode Island, nos EUA, decidiu que um prisioneiro não pode processar o estado por negligência, por uma razão medieval: ele está civilmente morto. Segundo os ministros da corte, uma lei antiga do estado de Rhode Island estabelece que um prisioneiro sentenciado à pena de prisão perpétua é condenado à morte civil.

Na ação, o detento alegou que os carcereiros facilitaram um ataque contra ele por outro prisioneiro, com uma navalha que entrou na prisão escondida em uma barra de sabão. Foram necessários 60 pontos para fechar o corte, que lhe deixou uma grande cicatriz em sua face esquerda.

A lei citada pela corte estabelece, em parte: “Qualquer pessoa condenada à prisão perpétua em instituições correcionais para adultos deve, com respeito a todos os direitos de propriedade, à ligação do matrimônio e a todos os direitos civis e relações de qualquer natureza, seja o que for, ser considerada morta sob todos os aspectos, como se sua morte natural tenha ocorrido no momento da condenação”.

A ministra Maureen Goldberg explicou na decisão que uma pessoa que está servindo uma sentença de prisão perpétua, tal como o autor da ação, não pode processar o estado porque não mais possui seus direitos civis mais comumente reconhecidos.

A lei não faz referência a condenados à pena de morte – isto é, se o réu é condenado à morte civil até que a pena de morte seja executada muitos anos mais tarde.

O autor da ação, legalmente morto-vivo, é Dana Gallop, 33. Ele foi sentenciado a duas penas de prisão perpétua (o que significa que ele é duplo morto civilmente) e mais 45 anos de prisão, por matar um rival e ferir uma pessoa do lado de fora do clube noturno Passion de Boston, Massachusetts, em 2008.

De acordo com a decisão, Gallop foi atacado por Ian Rosado, por causa de uma discussão que começou na capela da prisão. Gallop alega que avisou o carcereiro Matthew Galligan e outros carcereiros, um dia antes do ataque que Rosado iria atacá-lo. E que Galligan abandonou seu posto por 18 minutos, em 26 de abril de 2010, dando a Rosado a oportunidade de atacá-lo.

Origem medieval
O instituto da morte civil se origina na Idade Média. Um réu podia ser “condenado” à morte civil, o que significava a perda de todos os seus direitos políticos e civis. Ele não era condenado à morte física, mas podia ser morto sem consequências penais para o assassino. Não podia ter trabalho, nem pedir esmolas. Quem lhe desse comida, abrigo ou dinheiro podia ser responsabilizado criminalmente.

Resquícios do instituto da morte civil ainda existem em diversos países, como no Brasil. O caso mais comum é ele estar presente no Direito de sucessão, em que um herdeiro pode ser considerado morto, no momento de se discutir a distribuição da herança.

Nos EUA, essa lei medieval ganha contornos mais fortes em alguns poucos estados, como em Rhode Island. Nesses estados, o morto-vivo não pode votar, não pode exercer qualquer função pública, conseguir muitos tipos de trabalho ou obter licenças ocupacionais. Não pode firmar contratos e não pode mover uma ação judicial.

E cria situações embaraçosas para a Justiça, que tem de decidir se a mulher de um detento com morte civil tem direito a se casar novamente. Isso leva algumas cortes a concluir que ela tem direito ao divórcio. No entanto, o divórcio é um processo que tem duas partes – e o marido morto-vivo não pode ser uma parte, uma vez que foi destituído de seus direitos civis. Resta a corte considerar a mulher viúva de um homem vivo, porém morto civilmente.

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