Intervenção militar pra que(m)? Um olhar da destituição à Constituição
2 de junho de 2018, 8h00
É claro que os resultados da democracia ainda estão longe de proporcionar os melhores resultados, pois mesmo 30 anos pós-Constituição de 1988 ainda existe um imaginário dominante político, social, jurídico e econômico no contrafluxo, contudo, a liberdade, muito mais que o autoritarismo, tem inegavelmente melhores possibilidades construtivas. A política nos representa sim, essa é a opção. Não acreditem num parêntese de exceção, numa intervenção parcial, numa suspensão provisória de direitos ou numa microconstituinte ou qualquer insanidade desse jaez, essas brechas e jeitinhos são um caminho sem volta, aliás, como diz Bauman, somente com conhecimento, homens e mulheres livres têm pelo menos alguma chance de exercer sua liberdade[2]. Entretanto, a busca pelo conhecimento em tempos de pós-verdade tem feito com que o acesso a informação substitua a realidade histórico-prática fazendo com que os discursos odiosos, binários e irresponsáveis, além de dividirem o país, ganhassem ares de verdade ou credibilidade. A “verdade” se subsume e se mede em likes e compartilhamentos. A quem isso interessa? No que você quer acreditar? Qual o seu papel para a vida coletiva? Acorde!!! É somente dentro do paradoxo da ampliação do acesso a informação e do menor compromisso com o conhecimento que surge o espaço da ignorância e da estupidez, daí porque isso, aliado ao individualismo, passa a coincidir com o aumento da impotência coletiva[3]-[4], do descrédito na democracia e na política. Então, como afirmou Castoriadis, o homem supostamente livre para dar sentido a sua vida – a que ele desejar -, ele só lhe dá o não-sentido do aumento indefinido para o consumo, de modo que sua autonomia se transforma em conformismo generalizado; como ele mesmo disse, o capitalismo não precisa de sua autonomia, mas de seu conformismo[5].
A cidadania foi substituída pelo engodo do consumismo e agora a Política parece já não ter mais importância! O quanto se perde por não abastecer, não trabalhar ou estar parado diante de uma manifestação pública de A, B ou C ou não fazer a “economia girar”. Fazer sumir ou reprimir quem luta é a solução? Não esqueça que o totalitarismo se encaminha ou se legitima assim… Suprimir o espaço público de debate ou a figura do outro (pessoa, categoria, ideologia, qualquer que seja) é um golpe na democracia e na Constituição, penso que a liberdade que temos (ou achamos que temos)[6] só é na e a partir da coletividade, ao menos na democracia é assim, é uma autolimitação sustentável e fertilizadora. De modo que nem o excesso de individualidade (ou de individualismo), nem a histeria coletiva nas redes sociais p. ex. são sinais de emancipação política, muito pelo contrário. Observem que quase sempre nesse tipo de cenário (crise) é que as bases da democracia são questionadas e franqueadas, ou ao autoritarismo, ou ao oportunismo dos salvadores da pátria. Isso sempre interesse a alguém.
Dentro das regras do jogo constitucional (e do Direito), com todos os defeitos, a Política ainda é o modo pelo qual a sociedade é capaz de se emancipar; a política não é um bem de consumo de uso instantâneo e um remédio de ação imediata, é um construído. Uma decisão política errada tem efeitos ruins, mas sempre tem a chance de ser revertida ou mitigada, ainda que a longo prazo. Daí porque precisamos acompanhar, dialogar e trabalhar cotidianamente, na esfera pública e também privada, dentro de uma ideia de responsabilidade e de compromisso com a democracia, para transformar o status quo.
Vamos celebrar e lutar por aquilo que é capaz de nos emancipar como pessoa e como cidadão, a democracia! Ocupar o espaço público de debate, tomar partido, é o locus e o modus, para transformar a política e a sociedade! Isso é indelegável! Ao invés de buscar destituir-a-ação coletiva, devemos, como diz o professor Lenio Streck, lutar pelo constituir-a-ação da Constituição.
[1] Para mais, confira os 5 volumes da coleção Ditadura de Elio Gaspari Elio Gaspari (A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada, A Ditadura Encurralada e A Ditadura Acabada) todos publicados pela editora Intrínseca.
[2] In: Em busca da política. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. p. 10.
[3] BAUMAN, 2000, loc. cit.
[4] Excesso de informação não se traduz necessariamente em conhecimento.
[5] CASTORIADIS, Cornelius: As encruzilhadas do labirinto IV: A ascensão da insignificância. Trad. Regina Vasconcellos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 76; 115.
[6] “Aterrorizado diante deste vazio – individualismo – o homem contemporâneo se refugia na acumulação laboriosa do seu ‘lazer’ cada vez mais repetitivo e acelerado. CASTORIADIS, Ibid. p. 76.
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