Informações falsas

EUA devem definir se mentir sobre eleições é fraude ou liberdade de expressão

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30 de julho de 2018, 10h41

Parlamentares do Partido Democrata no Congresso apresentaram um projeto de lei, na quinta-feira (26/7), que criminaliza a divulgação de informações falsas sobre eleições. Os EUA terão eleições em novembro para todos os 435 deputados federais, 35 dos 100 senadores, 39 governadores de estados e territórios e outros tantos cargos estaduais e municipais.

O PL poderá até ser aprovado pelo Congresso, porque muitos parlamentares se sentem envergonhados do que aconteceu nas eleições de 2016, quando ocorreram interferências externas (leia-se da Rússia) e internas na eleição presidencial — e porque um possível conluio com a Rússia para favorecer o candidato republicano Donald Trump está sob investigação.

Mas, se aprovado, o destino final da nova lei já virá carimbado: a Suprema Corte dos EUA. Certamente, a corte terá de decidir se a publicação de informações falsas sobre as eleições constitui fraude ou liberdade de expressão. Esse é o entendimento que prevalece na comunidade jurídica do país, segundo o jornal The New Republic.

O PL prevê multas de US$ 100 mil e pena de prisão de cinco anos para quem publicar informações destinadas a desorientar o eleitor — quase sempre para favorecer um partido político ou outro.

Interferências dos russos à parte, o ambiente eleitoral interno também foi contaminado por informações falsas. A mais grave foi a publicação de “propaganda” na rede social, especialmente no Twitter, para convencer eleitores da então candidata democrata Hillary Clinton de que não era necessário ir ao local da votação para votar.

Em uma espécie de anúncio, que parecia uma arte publicitária do comitê de campanha dos democratas (e que pode ser visto no site select/all), a informação difundida era a de que os eleitores de Hillary podiam votar por telefone ou por mensagem de texto. Os anúncios diziam: “Economize tempo. Evite filas. Vote de casa”. Envie o texto “Hillary” para 59925.

Mas não há lei federal ou estadual que autorize esse tipo de votação. Em suma, o objetivo era fazer os eleitores democratas perderem seus votos — ou, pelo menos, dissuadir os eleitores de participarem do processo eleitoral.

O PL “Deceptive Practices and Voter Intimidation Act” (lei das práticas enganosas e intimidação dos eleitores) proporciona aos promotores novas ferramentas para punir quem espalhar informações enganosas sobre as eleições, dizem seus proponentes.

Além da falsa informação de que é possível votar por telefone ou mensagem de texto, a lei também quer impedir a difusão de informações falsas sobre dia, horário e local da votação, sobre possíveis qualificações dos eleitores, registro eleitoral e direito a voto. E quer proibir ainda a divulgação de declarações falsas sobre apoio a qualquer candidato.

O PL exclui erros involuntários, deixando claro que visa apenas falsidades feitas com a “intenção de impedir outra pessoa de exercer seu direito ao voto”. Proíbe qualquer tipo de obstrução, interferência ou tentativa de impedir uma pessoa de votar, de se registrar para votar ou, ainda, ajudar outra pessoa a votar.

Na Suprema Corte
Há uma razoável probabilidade de tal lei esbarrar na tendência da maioria dos ministros da Suprema Corte de votar contra restrições à liberdade de expressão — especialmente à expressão política. Em junho, por exemplo, a corte derrubou uma lei de Minnesota que proíbe os eleitores de usar camisetas, bonés, botões, emblemas, insígnias ou qualquer coisa com mensagem política no local de votação. E que proíbe a boca de urna.

Em 2012, a corte também barrou, em defesa da liberdade de expressão, uma lei da Califórnia, a “Stolen Valor Act” (lei do valor roubado), que proibiu, com base em um fato real, que candidatos declarem que já receberam medalhas de honra ou outras honras militares, se isso não for verdade. Foi um julgamento em que quatro ministros votaram contra a lei, dois ministros votaram contra, mas queriam salvar parte da lei, e três ministros votaram a favor da lei.

Da próxima vez, haverá dois novos ministros na corte e o resultado é imprevisível. O professor de Direito da Universidade da Califórnia em Irvine Rich Hasen aposta, segundo declarou ao The New Republic, que a Suprema Corte vai tomar uma decisão favorável à lei, na parte que ela se refere à “propaganda enganosa”, e vai barrar apenas a parte que proíbe declarações falsas de apoio a candidatos.

A Suprema Corte reconheceu que há exceções óbvias na defesa da liberdade de expressão, como nos casos de leis que criminalizam a fraude e o crime contra a honra, em que existem vítimas reais, e leis que condenam o falso testemunho, que impede o estado de cumprir suas funções básicas.

Para os proponentes da “lei das práticas enganosas e intimidação dos eleitores”, quem engana os eleitores ou os induz a erro comete uma espécie de fraude, que causa danos não somente a eleitores, mas à própria vitalidade do processo democrático.

No caso da “lei do valor roubado”, revogada pela Suprema Corte, o Congresso dos EUA a consertou. Uma nova lei proibiu fazer declarações falsas sobre recebimento de honras militares, se essas declarações forem feitas com o intuito de “receber dinheiro, propriedade ou outro benefício tangível”, transformando-a em uma lei antifraude, basicamente.

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