Limite Penal

O uso do nugde no convencimento judicial penal

Autores

  • Alexandre Morais da Rosa

    é juiz de Direito de 2º grau do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) e doutor em Direito e professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

  • Bianca Bez

    é doutoranda em Análise Econômica do Direito (UFSC) mestre em Análise Econômica do Direito (UFSC) professora de processo civil da graduação em Direito (Cesusc) presidente da Comissão de AED da OAB-SC e advogada com ênfase em resolução de disputas e Energia do BBL Advogados.

27 de julho de 2018, 8h05

Spacca
Entender que o Direito precisou reduzir a complexidade e por isso criou a figura do agente racional, situado no mesmo contexto do operador do Direito, que deve conhecer as normas jurídicas e ser capaz de decidir conforme o Direito, não deixa de ser uma ficção. O problema é que este jurista não resiste à primeira ida ao fórum ou ao tribunal. As decisões judiciais são tomadas com diversos fatores associados (emocionais, cognitivos: vieses e heurísticas[1]).

Se você se acredita extremamente racional e capaz de decidir conforme o Direito sempre, também temos um nome para isso: excesso de confiança[2]. O problema é que você aposta tanto em você que se torna o trouxa, fácil de ser enganado pelas retóricas e pela manipulação dos argumentos. Aliás, em todo estelionato a vítima sempre está cheia se si. O problema é que no estelionato judicial os enganados, em geral, não se dão conta; acreditam que decidem e que são autônomos.

O discurso que se sustenta é justamente o de que você foi, é e será pato se não se der conta de que as diversas formas como decidimos a nossa vida e a existência dos outros está cravejada de aspectos não racionais. Aí você pode se assustar achando que não se pode decidir sem razão. Calma. A razão comparece, entra no contexto da decisão, mas não conduz o veículo decisório. A decisão pode ser tomada por fatores os mais variados, muitas vezes louquíssimos. Nesse contexto surge a noção de nudge.

Consentindo com as críticas formuladas ao modelo da escolha racional, sobretudo entre a concepção tradicional da economia relativa à natureza humana e as descobertas das ciências comportamentais[3], Richard Thaler, distinguido com o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2017, em coautoria com Cass Sunstein, criou a chamada Nudge Theory. Como uma forma de promover, ou melhor, de proporcionar ao indivíduo a tomada da melhor decisão possível, um nudge, termo que pode ser traduzido como um “empurrãozinho” ou “cutucada”, é qualquer aspecto da arquitetura de escolha — no caso, argumento desenvolvido — que altera o comportamento das pessoas de forma previsível, sem proibir quaisquer opções ou alterar significativamente seus incentivos econômicos[4].

Para que a inserção de determinado aspecto seja considerado um nudge, é necessário que essa alteração seja de fácil realização e possível de ser evitada pelo ser humano. Ou seja, um nudge não é uma obrigação, é algo simples, “pequeno” em comparação aos restantes dos elementos decisórios que compõem o indivíduo. Ao mesmo tempo, constitui-se em um “cutucão”, dotado da singela capacidade de modificar o comportamento das pessoas.

Exemplo nem tanto político e econômico, mas extremamente elucidador da efetividade da Nudge Theory, é o problema relativo à limpeza dos banheiros do Aeroporto Schiphol, em Amsterdã. A simples colocação de adesivos em formato de moscas (sim, moscas!) nos mictórios desses banheiros públicos ocasionou a redução de 80% dos “respingos” oriundos das urinas, já que os homens passaram a “mirar” exatamente naquele “alvo”[5]. A essência da resolução desse singelo problema está justamente na inserção de algo simples, porém capaz de chamar a atenção e de influenciar o comportamento do ser humano (veja a imagem aqui).

A luta pela captura de sentido do julgador pode se valer da noção de nudge para inserir uma isca argumentativa com efeito capaz de fazer girar o sentido, verdadeiro plot point (giro de compreensão). Assim, a capacidade de acionar o gatilho do julgador mediante um empurrãozinho argumentativo (nudge), assim como a mosca, passa a ser o alvo de quem se dedica a argumentar juridicamente de modo vencedor. Para que funcione, todavia, será necessário compreender o mapa mental de quem se quer convencer[6]. Logo, o nudge precisa ser customizado em cada contexto e pode ser representado por um argumento bem posto, que chame a atenção, uma jurisprudência ou doutrina aderente. Você precisa encontrar a mosca que fará com que o julgador mire e foque o seu argumento. O efeito subliminar e o detalhe têm a potência de mudar o jogo (voltaremos com exemplos no futuro, esperando que este breve texto seja um nudge).


[1] Sobre o conceito de heurísticas e vieses cognitivos, Eyal Peer e Eyal Gamliel assentam que “heuristics are cognitive shortcuts, or rules of thumb, by which people generate judgments and make decisions without having to consider all the relevant information, relying instead on a limited set of cues that aid their decisions making” (PEER, Eyal; GAMLIEL, Eyal. Heuristics and Biases in Judicial Decisions. Court Review, vol. 49, issue 2, p. 114. Disponível em: <http://aja.ncsc.dni.us/publications/courtrv/cr49-2/CR49-2Peer.pdf>. Ver análise evolucionária do termo heurística em Christoph Engel e Gerd Gigerenzer (ENGEL, Christoph; GIGERENZER, Gerd (Coord.). Heuristics and the Law. Cambridge: The MIT Press, 2006, p. 2.
[2] Conforme destacado por Baruch Fischhoff, Paul Slovic e Sarah Lichtenstein, existem dois aspectos do conhecimento humano que devem ser levados em consideração na análise de respostas e de julgamentos realizados pelas pessoas, quais sejam, o que elas acreditam ser verdade e quão confiante são os indivíduos nessa crença. Ou seja, a determinação do grau de certeza e de confiança que as pessoas tendem a demonstrar em suas ponderações, respostas ou julgamentos contrasta com a aceitação da existência da dúvida, da ambiguidade e com a suposta exatidão das informações obtidas. (FISCHHOFF, Baruch; SLOVIC, Paul; LICHTENSTEIN. Knowing with Certainty: The Appropriateness of Extreme Confidence. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance. Vol. 3, n. 4, p. 552, 1977. Disponível em: <https://nuovoeutile.it/wp-content/uploads/2014/10/Knowing-with-certainty.pdf>.
[3] Ao iniciar a descrição da Nudge Theory, Thaler e Sunstein passam a diferenciar os denominados “Humans and Econs”, referindo-se à crítica ao modelo da escolha racional: “Many people seem at least implicity committed to the idea of homo economicus, or economic man – the notion that each o fus thinks and chooses unfailingly well, and thus fits within the textbook Picture of human beings offered by economists. If you look at economics textbooks, you will learn tha homo economicus can think laike Albert Einsten, store as much memory as IBM’s Big Blue, and exercise the willpower of Mahatma Gandhi. Really. But the folks that we know are not like that” (THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: improving decisions about health, wealth, and hapinness. Yale University Press, New Haven e London, 2008, p. 6-7).
[4] THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: improving decisions about health, wealth, and hapinness. Yale University Press, New Haven e London, 2008, p. 6.
[5] Explicam Thaler e Sunstein que “there the authorities have etched the image of black housefly into each urinal. It seems that men usually do not pay much attention to where they aim, which can create a bit of a mess, but if they see a target, attention and therefore accuracy are much increased” (THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. A joosr guide to Nudge: improving decisions about health, wealth, and hapinness. United Kingdom: Joosr Ltd, 2015, p. 3-4).
[6] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Teoria dos Jogos e Processo Penal. Florianópolis: EMais, 2018.

Autores

  • é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor de Processo Penal na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

  • é mestranda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em Direito Público e membro da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE).

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